O fim dos mordomos

A lei foi publicada no diário oficial: a partir daquela data, estava extinta a profissão de mordomo. Todos os profissionais com este título que continuassem a exercer seus ofícios estariam sujeitos às penalidades na forma da lei.

No dia da votação vitoriosa, o deputado que criou o projeto saiu da Câmara e encontrou barulhenta multidão de repórteres à sua espera, ávida por informações e curiosa por saber o motivo da criação daquela bizarra lei. O político não se fez de rogado: ajeitou a gravata, subiu num caixote à guisa de palanque, pediu silêncio e começou seu discurso:

- Caríssimos profissionais do jornalismo. Como todos nós sabemos, e como bem têm divulgado os senhores em seus respectivos meios de comunicação, vivemos numa época em que, apesar dos brilhantes avanços da medicina, cada vez mais aumentam os problemas de saúde, principalmente aqueles motivados pelo sedentarismo.

“À primeira vista nos parece um contrassenso que tenhamos diminuído a fome no mundo, mas, por outro lado, vemos a obesidade tornando-se epidêmica e trazendo em seu bojo todos os males a ela associados, como a pressão alta, o diabetes e os problemas coronários, diminuindo nossa qualidade de vida e muitas vezes nos levando a óbito. ”

“O engenho humano não para de inventar artefatos e maquinários que nos poupam esforços e desgastes, porém que, além de facilitar nossa vida cotidiana, também minimiza o uso dessa outra máquina maravilhosa, que é o corpo humano. E agora, com a tecnologia da informação, não precisamos nem nos levantar da frente do computador para levar as nossas tarefas a cabo. Ao mesmo tempo, os médicos são unânimes em afirmar que o sedentarismo é o grande vilão de nossa saúde. ”

“Obviamente não podemos e nem desejamos parar o avanço tecnológico, mas podemos tomar algumas atitudes que minimizem estes efeitos. Já proibimos a exposição de saleiros em mesas de restaurante, pois é sabido que o sódio em excesso causa sérios danos à saúde. Agora, necessitamos tomar outras medidas. E uma delas é proibir as mordomias. Sim, as mordomias! Ao invés de, por exemplo, estalar os dedos para que nos seja trazido o paletó, o casaco ou os sapatos, vamos ser obrigados a caminhar até o armário, abrir a porta, escolher o que necessitamos, pegar e vestir. “

“Pois foi pensando nisso, caríssimos repórteres, que encontramos a simples e genial solução para o incremento da saúde e melhoria da qualidade de vida dos habitantes deste país: sem mordomos, estes ícones do sedentarismo, não haverá mordomias, o que promoverá a atividade física como meio de obtenção de nossas necessidades, fazendo com que nos exercitemos e melhoremos a nossa saúde geral – atitude essa que se tornará um exemplo e um modelo para o Mundo!”

Com toda a pompa desceu do caixote-palanque, respirou fundo, ajeitou a gravata e saiu a passos largos rumo ao carro, onde seu motorista o aguardava. Enquanto isso, a multidão de repórteres (boquiaberta, muda e paralisada) ainda empunhava no alto os microfones, que agora gravavam apenas o ciciar dos grilos numa árvore próxima.

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Este texto faz parte do Exercício Criativo "A culpa é do mordomo"

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