A morte e a pessoa

Ela acordou cedo como todos os dias

Atrasada, cansada e sem vontade

Pegou seu foice, sua capa, sua lista e saiu

Andando pelo mundo desanimada

Tocando aquela imensa ponta afiada nos vivos sem o costumeiro empenho

Hoje ela estava diferente

Algo lhe faltava

O dia passava e a lista mal acabava

De repente ela tropica naquela rua movimentada

Cai e ninguém percebe

Quem ajudaria a morte?

Ficou ali sentada, sem ânimo para reerguer-se

Uma pessoa acordou naquele mesmo dia

Diferente dos outros dias

Sentia-se alegre, iluminada

Tudo estava tão vivo para seus olhos

A sua janela refletia o sol brilhante e o céu anil

Mesmo o frio matinal lhe trazia paz

Saiu de sua casa com a sua energia contagiante

Caminhou por uma rua movimentada

De longe ela viu a morte sentada ao chão

Arregalou os olhos espantados e indignados

De cabeça baixa que seu enorme capuz cobria

De ombros curtos apoiando o foice que lhe parecia pesado naquele dia

Percebe uma sombra estacionada à sua frente

Uma mão radiante estende-se diante do seu crânio

"Levante-se, vem comigo"

Aquela voz, aquele gesto, aquele brilho

Quem ajudaria a morte?

Ali, sentada ao chão

Segundos se passaram e, então, de pé novamente, olhou para frente

Ainda de mãos dadas com aquela pessoa ficou sem reação

Apenas parada, congelada pelo calor humano daquela pessoa

A morte que morria todos, todos os dias, naquele momento vivia

A pessoa encarando, carinhosamente, a morte de frente

Ainda de mãos dadas, sorriu para ela

Estranhamente não tinha medo da morte

Puxou sua mão entrelaçada com a morte para perto de seu corpo

Trazendo a morte para mais perto

Aproximou-se demais da morte para de repente abraça-la

A rua movimentada parou

Com espanto admirável

A morte naquele momento sendo abraçada por uma pessoa

Mas a morte não morria a pessoa

A pessoa vivia a morte

Naquele dia a morte não morreu mais ninguém

Naquele dia a pessoa brilhou para a morte

A morte e a pessoa caminharam juntas, lado a lado

Só o toque da foice que foi esquecido