Aos princípios de Honestino

O sonho tornara-se realidade na vida de Honestino exatamente quando lhe acontecera a alforria, atípica eclosão concretizada longe dos olhos repressores de familiares que tanto lhe bloquearam atitudes e desejos próprios e inerentes àquela fase etária em que o jovem está a se tornar adulto, numa demonstração explícita e intolerável de força e de poder não acatada pelo rapaz pacato, entanto altivo, que nascera de pais pobres. Tinha, pois, a sustentação a depender quase inteiramente da boa vontade da família no que tange à formação escolar e às demais necessidades de todo e qualquer cidadão – até mesmo para ter algum trocado...!

Não figurava a preguiça e a falta de responsabilidade inexistia nos estudos escolares que realizava com afinco, coisa que a maioria dos primos, com idades próximas, havia irresponsavelmente substituído pelos degradantes alcoolismo e tabagismo; e, justamente por tal motivo, muitos deles nunca concluíram sequer o curso médio.

Honestino desenvolvera ou despertara a atenção maior dos familiares em situação de destaque ou de melhores poder econômico e situação financeira relativamente ao seu frágil ou nulo poder de compra. Havia ganhado igualmente o carinho e o amor de tais familiares, fato de provocação de ciúmes em parentes próximos.

Nascera o entendimento familiar de que se deveria desviar Honestino do contato com os tristes vícios do álcool diabólico e do tabaco fedorento, lugares-comuns naquela família e, por certo, fatores responsáveis pelo apodrecimento da saúde de muitos membros, alguns com a morte já chegada e noutros prestes a acontecer. Foram ou eram alcoólatras e fumantes inveterados, sofredores desses horríveis agravos não transmissíveis. Corroboraram, sem dúvida alguma, para a dilapidação ou destruição do patrimônio da abastarda família, cujos bens compunham-se principalmente de valorosos imóveis urbanos, integrantes de relativa e honesta riqueza, cuja construção se dera graças ao trabalho árduo e à incansável persistência na acumulação de riqueza exercida pelos patriarcas ao longo de muitas décadas em ininterrupta e competente labuta.

O tempo inexoravelmente passara rápido para todos e Honestino, exatamente ele, saíra ileso e se desvinculara ou desviara da vigilância antes em sua mira. Mudara-se para bem longe do seio da família quando do término da adolescência, limitando-se apenas a acompanhar esporádicos e descontínuos acontecimentos fora daquele palco, se lhe descortinando, portanto, um novo cenário ou caminho desvinculado dos familiares que tanto lhe tolheram os modos de vida quando nas fases da infância e da adolescência.

Deterministicamente e com acentuada aceleração, o teatro apodrecido desandara para a maioria dos seres sem valor algum ou desabituados com a vida dura e séria legada pela experiência exemplar dos corretos ascendentes trabalhadores, cujas imagens magníficas não foram seguidas pelas segunda e terceira gerações, de forma lamentável para aquela família. Em tempo paralelo, abutres espertos ou do nada fazer para a construção do bem, entes de má índole e alguns até perigosamente letais, sempre próximos das fracas vítimas, surrupiaram bens e joias remanescentes daquela história para então gozarem de privilégios de ricos que procuraram cinicamente imitar. Essas mesmas aves de rapina acabariam por voltar às próprias origens após terem 'queimado' o fruto podre ou o produto imoral de suas ações abomináveis e moralmente condenadas pela sociedade e, em particular, por Honestino, ser humano frontalmente avesso às coisas deletérias.

Dinheiro muito não combina com preguiça e incompetência cultural! Fora tudo pose!... Sim, o caminho de rico a pobre açambarcou a todos e o melancólico retorno à mera vidinha de economias limitadas ganhou tão-somente historietas de efêmeras passagens por momentos de riqueza ou pseudorriqueza, como se milionários fossem. Por conseguinte, de nada lhes valera a imoralidade das ações falsas e aproveitadoras da fraqueza dos decadentes herdeiros, além das manchas morais impostas ao nome da família assaltada, cujas vítimas desgraçadamente empobreceram com maior celeridade...

Apesar da esperteza imposta para 'garfar' os menos capazes, posto que disfarçados assaltantes são normalmente viciados na moleza de vida que costumam levar, no repugnante e intolerável fazer pose de indolente, com facilidade destruíram igualmente quase tudo do legado material dos patriarcas, mostrando ou revelando truculenta incompetência – tão estreitamente associada à falta de princípios morais e humanitários nas desonestas, fétidas e agressoras vidas que experimentavam àquela ocasião, quando do cometimento dos atos criminosos levados a cabo.

Honestino continuara a labutar e a viver feliz em seu mundo e a sentir-se emancipado da influência familiar, sem passar por lixo na senda de valores positivos que individualmente construíra e levara para o seio da pequenina e humilde família durante anos a fio, passando inegavelmente por muitos e complicados momentos de dificuldades dantescas, ao contrário de se atolar no ócio doentio e improdutivo, de se impregnar do fedor das fraquezas destruidoras da vida humana, muitas delas pautadas em maracutaias deploráveis – alicerces da felicidade mentirosa exercitada por alguns parentes demasiadamente canalhas, cinicamente aproveitadores daquela cena favorável à lama em que muito bem se atolaram e se conformaram ao transferirem o patrimônio alheio para o interior da fronteira do reduzido ou insignificante domínio material próprio, o qual sempre procuraram engordar de forma leviana ou rasteira ao se apropriarem de modo ilícito de bens alheios, valendo-se da fraqueza ou incapacidade da vítima surrupiada, cinicamente por eles chamada de 'besta'.

Todavia bens materiais não asseguram suficientemente a felicidade e o respeito entre humanos, particularmente entre pessoas moralmente apodrecidas, ditas espertalhões, safadas, pilantras; e, conforme se sabe da matilha que preda unida para assegurar o sucesso da caçada e, por conseguinte, do alimento diário, todos os lobos selvagens são sempre ferozes em demasia, além de brigarem entre si e até se matarem por quererem cada vez mais do alimento momentaneamente conseguido. Tem-se aí típica discordância assemelhada ao comportamento humano egoísta dos larápios e seres falaciosos mais sujos que se conhecem... Sim, a metáfora é tão forte e tão óbvia que inclusive pode ser considerada uma comparação direta!

Jamais perdão conceder-se-á aos insaciáveis bichos humanos, que ora se desagregaram sob o título de lobos sabidos, canalhas e desonestos, que muito se morderam. Colocaram, por conseguinte, uma pá de cal no antigo e saudável nome da família enganada ou – quem sabe? – covardemente aniquilada pela violência dos gatunos de fortíssimas mandíbulas de afiadas presas caninas.

Salvador, 03/08/2004.

Oswaldo Francisco Martins
Enviado por Oswaldo Francisco Martins em 06/03/2016
Reeditado em 07/03/2016
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