O discurso insustentável e a prática verdadeira

Findava o ano de noventa e nove e uma avaliação do professor Honesto emanava do alunado ao coordenador Novíssimo, curiosamente naquela função complexa, porém sem experiência prévia alguma de coordenação acadêmica em cursos superiores. Tratava–se de uma avaliação subjetiva, de formulação tecnicamente falha e, por assim dizer, não guardava informações corretas sobre o objeto da apreciação que contemplava. Negavam–se os bons adjetivos alcançados por Honesto em sua vida de facilitador por décadas marcadas por atividades de professor humano e humanista. Para sua sorte, Honesto acabava de adquirir conhecimentos fartos e uma experiência razoável em técnicas avaliatórias, de modo que podia julgar e/ou emitir seu juízo de valor confiável sobre aquela avaliação deletéria, a qual fora apresentada e badalada de forma bem pretensiosa, especialmente ante Honesto. Sem dúvida, aquele relato se constituía na própria negação de tudo que poderia compor um procedimento de avaliação planejado e executado com base em critérios apropriados, exigentes e rígidos que deveria seguramente merecer, os quais precisavam obviamente estar coerentes e estar respaldados nas técnicas universais e corretas que fundamentam a comprovação da eficácia e da eficiência em jogo ou em apreciação, para então ser considerada de impacto efetivo, em consistência estreita com o grau de significância elevado dos dados amostrados para tal, o que infelizmente não se confirmava ali. Tudo, porém, havia sido negligenciado por aquele coordenador, depondo contra a sua própria imagem, ou melhor, ratificando suas vivências reais de habilidades parcas e inexpressivas.

Os festejos de final de ano em nada revelaram17A a decisão antecipada de Novíssimo afastar o professor Honesto, o qual comparecera à reunião de encerramento daquele período letivo. Então, estivera com os demais professores em momento esplendoroso de alegria e descontração, quando não podia supor que se lhe descortinaria uma decepção triste no porvir não distante, a qual somente seria aportada em seu viver em 2000, cerca de um mês depois daqueles instantes marcantes de brincadeiras memoráveis entre toda aquela gente tão amistosa. Pulga alguma atrás da orelha de Honesto até ali...

O mês de janeiro havia passado veloz como uma estrela cadente na noite celestial, sem dar ao professor um tempinho para refletir sobre a demora em ser informado sobre a programação das aulas que em breve estariam sendo retomadas. Fevereiro já dava as caras, quando Honesto fora chamado pelo coordenador para a formalização de que não se houvera bem com a turma do ano recém–findo (Novíssimo transparecia ingenuamente que acreditava se fundamentar nas conclusões tiradas de seu processo de avaliação recentemente implantado em espaço curto e mágico de tempo, com ajuda de um amigo, também agressor potente das técnicas de avaliação legitimamente recomendadas!), bem como pela razão de ainda não ter obtido uma titulação universitária maior, ficaria sem lecionar durante o semestre primeiro de dois mil. A princípio, uma tristeza para aquele professor bem comportado e que ali se mantivera sempre preocupado em ajudar os aprendizes de suas muitas disciplinas, como também ao longo de toda sua labuta enquanto professor. Configurava–se para o facilitador a perda de sua imagem perante o alunado que passaria a vê–lo como o professor que foi afastado de sua função nobre, daí nascendo especulações possíveis e inimagináveis sobre a realidade do fato que provocara aquele rompimento, etc. e tal. Mais grave fora a perda de receita para o profissional demitido. Para Honesto, um fiel usuário da Lógica, ficaram patentes as discrepâncias e arestas cortantes reveladas ao longo do semestre anterior naquela faculdade, quando alguns alunos pouco ou não afeitos à sua cadeira ministrada tentaram conflituar com aquele professor pacato.

Agravante fora o fato de que Honesto não tivera o apoio devido da experiência do coordenador (até porque ela não existia mesmo!), o qual não interveio de forma gerencialmente acertada para sanar definitivamente aqueles entraves diminutos de cunho meramente administrativo. Novíssimo somente se fizera presente em seu ato de punição final contra Honesto. Uma prática de autópsia gerencial17B por demais condenada por gerentes que trabalham sob os conceitos mais ricos do gerenciamento pelo Controle de Qualidade Total (TQC), inadmissível para aqueles que são de fato profissionais modernos e atualizados. Aliás, Honesto havia labutado em grandes empresas em que o TQC era (e, por certo, ainda continua sendo!) técnica de emprego amplo, irrestrito e continuado pelos seus integrantes – desde os diretores até os escalões mais baixos de seus quadros, capacitando–o a comparar atos daquele tipo experimentado, devidamente pautado e identificado na franqueza gerencial ora focada.

O fato daquela demissão despertara em Honesto a necessidade de empreender celeridade à dinâmica de sua carreira profissional de professor, afinal alguém havia mexido com seus brios! E, de imediato, motivou–se para efetivar sua solicitação de dispensa e sua conseqüente exoneração do cargo que então ocupava no Governo do Estado, retomando em seguida à elaboração de monografia para obtenção de um grau universitário maior para a sua carreira de magistério cobrada. Também, quase que simultaneamente, fora requisitado para ministrar aulas em mais cinco cursos superiores novos e diferentes, compensando as perdas salariais que derivaram daquela demissão sofrida, surpreendente, detestável e repugnável, de modo indevido ou por falta de competência do superior hierárquico na instituição, o que curiosamente parece ter se conformado em um paradoxo singular para um processo demissionário corriqueiro e normalíssimo!

Aquele momento deixara para o professor Honesto a ideia nítida de absurdo sobre sua ridícula dispensa por Novíssimo, configurando o fato de que, a princípio, atos isolados podem mexer negativamente com o status quo da vítima, mas se forem considerados incongruentes com as qualidades positivas do ser humano, logo são sumariamente corrigidos, depurados e vencidos. Corretamente, a Lógica prevaleceu e o discurso impróprio procedido por aquele coordenador não se sustentou diante da competência sabida e insofismável do professor Honesto – uma vítima real do jovem Novíssimo, simplesmente!

Salvador, 2006.

Conto publicado na obra do autor A caçada matinal e outros contos (2006, p. 111-114).

Oswaldo Francisco Martins
Enviado por Oswaldo Francisco Martins em 18/03/2016
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