A pena

Um menino que morava no último andar de um prédio qualquer, numa rua qualquer de uma cidade qualquer achou uma pena que misteriosamente apareceu no chão do seu quarto. Pegou e a jogou pela, talvez, mesma janela que havia entrado. E a pena foi caindo vagarosamente, com uma paciência incomparável. O vento a carregava cada vez mais para baixo, mas ela ainda estava muito longe do solo. No desespero tentou se agarrar em qualquer outro local que possibilitasse estar segura. O vento soprou em ângulo diferente e ela desviou, manobrou, calculou categoricamente e caiu em cima de um prédio menor. Ficou lá por um pequeno tempo. O vento não se rendeu, acumulou fôlego e forças e soprou como um furacão, a pena se segurou e não caiu. O vento não desistiu e dessa vez deu o maior sopro que já havia dado em toda sua vida e dessa vez não teve pena que se segurasse. Lá se foi ela de novo, caindo numa lerdeza paciente, mas desesperadora. Foi vendo alguns carros lá embaixo, as pessoas se aproximando gradativamente, um homem que acabava de se levantar com vergonha de um tropeção que havia tomado; um cachorro descansando em meio ao lixo, uma mulher correndo apressada para não perder o ônibus, dentre outras coisas que faziam parte do cotidiano humano. Mas a pena não era assim, estava prestes a morrer (e sabia disso) e permanecia paciente, devagar, enfrentando a morte acomodada. Fazia umas manobras no ar, umas vira-voltas; caia como uma rede que balança sutilmente, de um lado para o outro. E foi chegando cada vez mais perto do chão, caindo de maneira sutil e vagarosa. O vento resolveu apressar e ventou mais forte, deu um empurrão, um tapa, um impulso ignorante na pena e ela caiu só um pouco mais rápida, ainda com calma; e então, finalmente, caiu e se sentiu despedaçando aos poucos naquele chão sujo e pisado.

Calor do cão
Enviado por Calor do cão em 07/10/2005
Reeditado em 07/10/2005
Código do texto: T57446