A primeira declaração

- Daniela.

Mário sentia que precisava dizer algo para sua amiga, mas não sabia que palavras usar. Conheciam-se há anos, mas somente há algumas semanas que começara a pensar nisso, a notá-la de um modo diferente. Algo que... como colocar em palavras? Era simplesmente algo diferente. Um tipo de desejo, uma chaminha, um sentimento. Sim, acima de tudo um sentimento. Mas não sabia como dizer, que palavras usar. Como explicaria algo que não conhece?

- Sim?

Os olhos dela, dirigidos a Mário, eram as duas estrelas mais maravilhosas que ele conhecia. Não eram claros, não eram puxados, não tinham nem maquiagem, qualquer um diria que era só mais um par de olhos, mas para Mário... por que para Mário era diferente? Sempre que via seus olhos sentia-se preso a eles. Era agarrado pelos seus cílios, era abraçado pela sua córnea, era beijado pela sua íris, trancafiado pelas suas pálpebras... e que doces pálpebras que eram!

- Mário?

Quando Daniela dizia seu nome era como se fogos de artifício sonoros entrassem pelo seu ouvido, incendiando seu tímpano, solucionando seu labirinto e penetrando em seu cérebro como uma fada à procura de um hospedeiro. Os ossos ganhavam vida e regiam uma fanfarra maravilhosa que os pelos de seu ouvido externo dançavam incansavelmente um número que seria aplaudido pelo mais rígido dos críticos. Daniela, quando dizia seu nome, era como uma pomba vinda de um mundo distante com um pedacinho verde de graveto na boca.

- Que cara é essa, menino?

Seus lábios quando se mexiam eram como dois macios travesseiros brincando harmonicamente um com o outro. Bailarinos dançando, coros cantando, poetisa declarando, coelhos saltitando. Eram os lábios virgens de uma donzela, os lábios virgens de sua única melhor amiga, vermelhos, macios, lindos, ternos, lindos, atraentes, lindos, lindos, quentes, muito lindos, cálidos, saborosos, lindíssimos!

Mas como diria isso a ela?

Um beijo...

Mas Daniela colocou as mãos em seus ombros, empurrando-o e rindo o riso mais belo e cruel que esse mundo já viu.

- Ficou maluco, Mário??

- Eu... é que...

E saiu correndo para longe. Daniela foi atrás dele, confusa, mas não conseguiu alcançá-lo e o perdeu de vista. Por que ele havia feito aquilo?

Mário estava em frente ao espelho, longe de Daniela, observando sua aparência. O rosto vermelho da corrida, os cabelos suados, os ombros caídos. Se fosse como um dos astros de Daniela talvez ela gostasse dele também, mas não era. Mário era um garoto feio que estava acima do peso e tinha a pele toda suja. Seus olhos de ressaca não eram lindos como os de Daniela: tinha uma córnea indiferente, íris sem profundidade, cílios que passavam despercebidos e pálpebras que nunca seria capaz de ver, mas que sabia que não eram bonitas. Sua voz rouca de garoto entrando na puberdade espantava passarinhos e atraiam pesadelos, não tinha nem como sonhar que Daniela gostaria de ouvi-lo sussurrar em seu ouvido. Olhou para seu corpo gordo e nojento, sentiu desgosto, ódio de si mesmo. “Por que eu tinha de ser tão feio?” E ao mesmo tempo pensou em Daniela, em seus cabelos macios, seus olhos maravilhosos, em sua pele sedosa, em sua voz de veludo. Ela era tudo enquanto ele era nada.

Mas qual desgraça maior do que viver sem declarar a paixão que sente?

Mário passou a noite mal dormida pensando nisso. Estava perdidamente apaixonado pela sua amiga e tinha absoluta certeza de que ela não sentia o mesmo. Empurrara-o quando tentara beijá-la, rira de sua cara. A sala está cheia de meninos mais bonitos, mais altos e mais fortes, cheia de meninos que agradariam Daniela de modo muito melhor do que Mário.

“Mas qual desgraça maior do que viver sem declarar a paixão que sente?”

No dia seguinte, à tarde, Mário tomou banho, pôs sua melhor roupa, perfumou-se, orou por alguns segundos e foi para o local combinado com Daniela.

Lá estava ela.

Aproximou-se, fitou-a por segundos, o semblante sério. Daniela parecia nervosa. Por que seu amigo estava agindo tão estranhamente?

Mário cerrou os punhos, bravo, quase chorando, olhou para o chão e berrou:

- Eu gosto de você!!!

Malveira Cruz
Enviado por Malveira Cruz em 18/09/2016
Código do texto: T5764817
Classificação de conteúdo: seguro