Renitente reverência

Ernesto se formou na escola técnica e foi trabalhar na cidade grande. Na república de estudantes, não era o presidente, mas se portava como tal. Banhos longos, chegadas ruidosas tarde da noite, desleixo nas obrigações republicanas.

Simpático, comunicativo, era às vezes repreendido e emendava-se, mas por pouco tempo. A verdade é que gostavam dele e lhe perdoavam o jeitão espaçoso. Certo domingo, Ernesto foi visitar um primo que estudava no seminário. O seminarista, cuja vocação era cristalina, falou muito de Cristo, das escrituras e da felicidade que era entregar-se plenamente a Deus.

Ernesto ouviu e encantou-se sobretudo com o seminário, com o restaurante, no qual saboreara apetitoso almoço, e com a piscina, funda e limpinha. O mundo que pedira a Deus. E pensar que a segunda chegava e lá ia ele cuidar de máquinas barulhentas! Bom mesmo era rezar e viver naquele paraíso de seminarista...

Semana seguinte, ele foi ao seminário e conseguiu entrevistar-se com o reitor. Falou então de sua vocação para o sacerdócio, algo que parecia ser mesmo genético, pois, além do primo estudante para padre, a família já dera a Deus um sacerdote. Um tio, que o reitor devia até mesmo conhecer.

Aprovado na entrevista, comunicou, sob as gargalhadas dos companheiros de república, o seu novo endereço. E então começou a nova jornada de estudos teológicos, orações, meditações e - o melhor de tudo - do cobiçado conforto...

Gostavam do novo seminarista. E como nadava bem! Na certa, nascia ali um padre atleta. Mas aquela lua de mel durou pouco. Alguns dias após a matrícula, o padre reitor recebeu uma visita. Um respeitável senhor fora comunicar que Ernesto seria pai; a jovem mãe era uma mocinha, que nem chegara aos dezesseis anos.

E foi assim que o futuro padre Ernesto assumiu os compromissos do matrimônio e, com a ajuda dos companheiros, voltara às funções de técnico. Mas os amigos de trabalho, na informalidade, mantinham-lhe a reverência, tratando-o como o nosso padre...