Depois de tudo...

Depois que nasceste, pensaste em coisas vivas, em coisas lindas ou infelizes, coisas que a vida mostrava desconhecidas... mas nunca pensaste que verias coisas esquecidas. Depois que te notaste estranho, não acreditavas que sonhando conhecerias o paraíso, e que chorando perpetuarias uma mágoa invencível. Depois de saber-te inocente, não te vias amado por um véu do passado, um rosto pálido, uma menina chorosa e bonita. Quem é ela, quem é ela? Seu sorriso é uma adaga no teu peito. Depois que acordaste não escolheras a realidade, queria o sono, mas quando envolto do negro do passado escolhias a memória apagada, aquele mundo desconhecido. Depois que conheceste tua sina, perdeste-te na intenção da vida improvisada, no concílio do silêncio das coisas que te dão medo com o murmúrio do abraço protetor da esperança. Depois que conheceste uma moça, viste-te caminhar por rochedos áureos de beleza, a tatear com o tempo, e entendeste que o tempo pode ser brinquedo ou responsabilidade vitalícia, basta a escolha. Depois que amaste, quiseste não amar de um outro modo, quiseste construir uma barreira na memória, não teres o que buscar em ti mesmo. Quem é ela, quem é ela? A pergunta que não conseguiste calar, a resposta que tentaste olvidar, de repente ela, figurou-se mulher, adaga que se tornou espada, dor que se transformou amor. Depois que casaste dois tempos, quiseste aproveitar o momento das coisas felizes, como se tragédia fosse destino dos que se destinam a conhecer amores do passado, vítimas do destino... quiseste ser uma lembrança, quiseste ver o além da lembrança. Depois que sofreste um sem adjetivos, perdeste a ilusão imprecisa das coisas vivas, das coisas lindas ou infelizes, aquela idéia de que a memória ausente traz sentido ao que se ratifica no tempo. Depois de tudo isso, viste em tudo um amor que só vive no presente, mas que não seria presente se um passado triste não o tivesse maculado em corações onividentes. Só assim, tiveste-te vivo, sem saberes-te estranho, sem acreditares-te perdido...

Mar de Oliveira Campos
Enviado por Mar de Oliveira Campos em 17/10/2005
Código do texto: T60411