A MISTERIOSA CIGANA DA PRAÇA INDEPENDÊNCIA

Uma vez mais Santiago estava em visita à Plaza Independencia, mesmo local onde tivera encontro fortuito com uma cigana, que inexplicavelmente o abraçou e logo sumiu.

As frequentes viagens a Montevidéu nutriam a esperança de que a confluência fosse reprisada.

Santiago nunca obteve uma explicação para o ocorrido. Seguidamente, assomava-lhe à memória o olhar fulminante que precedera o abraço para o qual de bom grado concorrera; olhar que parecia ter sido lapidado em uma convivência passada. Naquele surpreendente e rápido encontro, não houve troca de uma palavra sequer.

Exato como nas ocasiões anteriores, Santiago e Luna, ao saírem do hotel, optarem por caminhos distintos. Ela iria ao Punta Carretas Shopping, que ficava próximo de onde estavam hospedados; ele, escolhera estar ali, na praça em que vivenciou o inesquecível encontro.

Enquanto Luna relanceava a vista por vitrines e cores, Santiago mantinha a esperança de encontrar a gitana que um dia o enfeitiçara. No entanto, um bom tempo se passou, e a misteriosa mulher não foi localizada. Cabia-lhe, por ora, desistir da obstinada procura. Possivelmente, o encontro fosse reeditado em uma próxima ocasião.

Santiago acomodou-se em um banco da praça e cedeu aos pleitos da inteligência. Afinal, como seria possível localizar uma desconhecida em uma capital com um milhão e quatrocentos mil habitantes? Mais a mais, essa história de abraço enigmático, quem sabe, nunca tenha acontecido. Talvez fosse projeção de uma fantasia, que seguidamente vinha espreitar o cotidiano para abrandar à acidez da vida.

Entregue ao siso, ele ficou ali, revigorado pela beleza dos canteiros floridos. Depois, circulou pelas adjacências da praça.

Através do celular, retratou o Edificio Salvo, o Palacio Esteves, a Torre Ejecutiva e o Teatro Solis. Próximo à estátua do General Artigas, um missionário pregava a um pequeno grupo de pessoas. De passagem, Santiago recolheu uma preciosa indagação:

“?Por qué buscas en la distancia lo que siempre ha estado a tu lado?”

Nas proximidades da Puerta de la Cidadela, na entrada da Ciudad Vieja, por onde há muitos anos desapareceu a personagem dos seus sonhos, avistou uma mulher trajando roupas coloridas, que, mesmo à distância, muito se afigurava a Luna. Evidente que seria apenas uma semelhança. A atenção de Luna estaria dividia entre perfumes, confecções e outros mimos que se espalhavam pelo Shopping.

Conformado pela realidade, Santiago foi até à Cafeteria Central na 18 de julho. Pediu um capuccino cremoso e uma torrada que veio em condições ideais. Na mesa ao lado, seus ocupantes incursionavam em um proveitoso diálogo. Santiago recolheu atentamente uma das sentenças produzidas durante o cavaco:

“Nuestro mundo sin fantasía, compadre, es demasiado inhóspito.”

O aforismo soou reconfortante.

Na chegada do crepúsculo, ele retornou a cidade antiga. Ao cortar os ares da bela capital, silhuetas e olhos retiveram-lhe a cigana recordação. Afinal, o reencontro almejado poderia estar em alguma parte desses caminhos... Evidente que não estava. Impossível reencontrar uma desconhecida em uma capital que possuía bem mais de um milhão de almas. Como programado, cabia-lhe incursionar pelas sugestões literárias

Inicialmente, na Moebius Libros, caiu-lhe às mãos uma rara edição da mística esotérica de Adolph Frank. Ao abrir o livro aleatoriamente, foi atraído pela expressão:

“A veces, la demanda puede ser más importante que el logro.”

Na mesma livraria, chegou aos olhos de Santiago a homenagem que o famoso escritor argentino Jorge Luís Borges concedeu a Montevidéu. Ele logo gravou na memória fragmentos ritmados do tributo:

“... Puerta falsa en el tiempo,

tu calles miran al pasado

más leve.

Claror de donde la mañana nos llega, sobre las dulces

aguas turbias.

Antes de iluminar mi celosía

tu bajo sol bienaventura

tus quintas.

Ciudad que se oye como un verso.

Calles com luz de patio.”

Ao deixar a casa de livros, Santiago foi acompanhado por sua fiel expectativa até o hotel em que estava hospedado.

Irradiando contentamento, Luna chegou mais tarde. Preparou-se para o banho e anunciou uma surpresa, enquanto Santiago lhe alcançava a taça com o vinho rubro.

Santiago estava convencido de que o incognoscível, não raro, governava as ações humanas, e que a procura poderia ser mais importante do que o encontro. Por sorte, Luna nunca soube do abraço que teve como palco a Plaza Independencia.

Ao sair do banho, Luna deu cumprimento à surpresa. Santiago viu se aproximar uma cigana de olhar sensual e fulminante, que o beijou após envolvê-lo em um irresistível abraço. Ante o imaginativo e provocante assédio, Santiago enfrentou uma intensa perplexidade, que logo se desfez em homenagem aos impecáveis rituais da sedução. A fantasia ornava de estrelas a noite profunda e misteriosa do seu inconsciente...

Outras férias encontrariam Luna e Santiago no mesmo lugar. Ela com suas preferências. Ele, sem olvidar a Ciudad Vieja e o segredo que habitava a Plaza Independencia. Afinal, sem os retoques da imaginação, o mundo seria demasiado inóspito.