Sim senhora

Ele ia matar a velha. Tinha que fazê-lo por uma questão de honra. Para mostrar praquela “velha chupada, maldita, mulher do cão” que ele não era um inútil. Que era um homem.

Queria ver a cara dela quando a faca entrasse naquela carne dura. Queria ver se nessa hora ela ia insultá-lo. Não, não ia não. Ia implorar pra viver, ia pedir perdão. Implorar clemência.

Sim, ele ia matar a velha. E ia fazê-lo com uma faca. Uma bem grande. Fazia parte do ritual de libertação aquela faca enorme. Assim como o discurso: “Dona Mereciana, durante muito tempo engoli seus insultos, seus xingamentos... Cala a boca! Quem fala agora sou eu! Não aturo mais desaforos de você, velha maldita, mulher do capeta, sua múmia desgraçada! Agora, velha chupada, chegou sua hora! Vai morrer...”

— Oh, inútil, cadê você? — a velha se aproximava — Tá fazendo o que aí nesse quarto, seu inútil? Preciso de você aqui na cozinha... Pra desentupir o ralo da pia. Anda logo seu pulha, animal. Cadê você seu inútil?

— Tô aqui Dona Mereciana...

E saiu do quarto e foi direto consertar a pia. Depois levou o lixo pra fora, lavou a calçada, lustrou a privada, ensaboou o cachorro Fluflu, descascou batatas, as cozinhou, serviu o jantar, lavou a louça, bateu a roupa, estendeu no varal, lavou também cinco pares de tênis, as camisas do time do netinho...

— Pronto Dona Mereciana. Tudo feito...

— Deve estar uma porcaria, né não seu inútil? Você nunca faz nada certo mesmo... Sai da minha frente, seu parvo! Agora vou ver a novela.

— Sim senhora, Dona Mereciana!

E saia de cabeça baixa.

Triste, no quarto, engraxando a coleira do Fluflu ele ia matutando: “Dessa vez passou. Mas da próxima... Mato aquela velha maldita... Com uma faca enorme. Melhor! Com um tijolo...”

— Oh inútil, vem cá na sala logo! Preciso que me faça um chá de maracujá. E vê se faz direito dessa vez, seu incompetente. Da última vez me preparou uma beberragem que nem a vagabunda da sua cachorra beberia!

— Sim senhora, Dona Mereciana!

Em menos de cinco minutos o chá de maracujá estava servido.

Guilherme Drumond
Enviado por Guilherme Drumond em 25/10/2005
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