DESAMADA

Era dada a amores servis, desses que maltratam a luz do dia – com consentimento – e se redimem a noite, entrelaçando-nos o corpo e a alma. Sem palavras nem gestos, sem qualquer crença de alegria mansa, ela passava o dia a esperar o repouso nos braços dele, após o pânico da demora. Não é suficientemente bonita, não tem profissão, é mal sucedida. A falta de sorte a fazia aguardar todos os dias a fúria inexplicável daqueles braços feudais, os insultos sutis e repetidos seguidos de rapidíssimos momentos de prazer. Nada estanca a dor de suas células desamadas. E nada emudece as vozes que gritam seu nome.