A cerejeira



A minha avó Clementina, lavradeira abastada, tinha muitas terras de cultivo.
Numa delas crescia, à beira do caminho, uma frondosa cerejeira, árvore rara na terra por causa do rigor do inverno.
Cresceu tanto e tantos frutos dava, que as ramas se curvavam, por causa do peso das lindas cerejas rubras a brilhar sobre a cabeça de quem passava: eram os trabalhadores ao sol-posto, as moças com os cântaros cheios de água, os pequenos descalços, que vinham da escola… de passagem, estendiam as mãos e ripavam uma dúzia de cerejas com que adoçavam as agruras do caminho e da vida.
Minha avó bem ralhava e ameaçava, diante dela todos se continham, com água na boca, mas mal virava costas…
- Ah, velha de um raio, que dano lhe fará uma mão cheia de cerejas, que de outro modo talvez caíssem no chão ou no papo dos passarinhos arredios?!
Numa noite de luar, mandou chamar dois criados que dormiam no palheiro.
Na manhã seguinte, havia um enorme vazio por cima de quem passava no caminho. Os passarinhos perderam o almoço e o pouso. Os meninos seguiram de barriga a dar horas para a escola.
A cerejeira tinha sido abatida junto à terra e os ramos esgalhados seguiram para lenha no lombo dos burros.
Nem sinal da árvore bendita que espalhava doçura e alegria no meio da primavera!