Te(i)ma de Lara

O jardim era imenso, uma mansão cravada no meio da cidade. Privilégio do doutor que já fora o prefeito e ultimamente atuava como senador. O rapaz era filho da cozinheira, um jovem negro acostumado à lida de serviçal na fazenda do patrão, mas se mudara para a casa na cidade com a mãe, quando a patroa, adoecida, requisitou seus préstimos para cuidá-la nas idas e vindas do hospital.
Lara era a filha caçula do casal. A rapa do tacho, ou temporona. Os outros filhos já estavam no ginasial quando chegou aquele bebê. Uma garotinha louríssima, olhos azuis e de uma energia que alterava o ambiente onde quer que estivesse. Já mocinha ainda era motivo de preocupação para os pais que, diferentemente dos demais filhos, não conseguiam controlar.
Lara sorria diferente ao cruzar com o jardineiro. Fazia questão que ele percebesse a sua presença e sempre chegava muito perto para elogiar o trabalho com as dálias, suas flores preferidas.
Francisco sentia um carinho enorme pela moça que era mais nova que ele dois anos. Brincavam desde criança nos campos da fazenda e seus olhos eram para ela, sob o protesto de sua mãe.
- Ora, Francisco! Já lhe disse para não se meter com Lara. Não misture as coisas, filho. Trate de tomar seu banho e vamos dormir pois amanhã cedo estarei no hospital com a dona Lucy.
O rapaz sentava no gramado em frente à casa dos "agregados", pegava seu violão e olhava as estrelas longínquas, mas que lhe inspiravam o coração. Aquelas mais azuladas, traziam-lhe os olhos de Lara. A moça maldosa, que se insinuava para o rapaz, sem nada de fato querer com ele.
No dia seguinte, a casa vazia, somente havia Lara que aproveitou para se refrescar na piscina.
Francisco um tanto distante lutava contra o seu desejo de vê-la em trajes tão mínimos. Aos poucos se aproximou e logo ouviu o clamor dela.
-Ei Francisco!!! Ajude-me com a toalha, por favor...
O rapaz tentou dar uma desculpa mas se aproximou mais e por fim atendeu o chamado da filha da patroa.
Foi aí que a moça se apoiou nele e fingiu torcer o tornozelo. Ela sorria com certa malícia e sugeriu que ele fizesse-lhe uma massagem no local indicado. O rapaz se sentiu um tanto tímido, parecia estar cometendo alguma coisa errada, mas também sentia uma alegria tão arrebatadora, que era impossível não se deixar levar. Atendeu o pedido.
Mas num ímpeto, Francisco ergueu-se e viu aquelas contas azuis olhando fixamente para ele como se esperassem algo mais. Rapidamente passou as mãos nos cabelo de Lara e forçou um beijo, quando ela começou a gritar.
- Saia, saia, atrevido! Você precisa saber me respeitar!
Francisco sentiu um suor frio na fronte, afastou-se rapidamente do colo de Lara e correu para os fundos da propriedade. Já estava cruzando o limite entre a casa do patrão e a área reservada aos serviçais, mas ainda soava em seus ouvidos a gargalhada malvada da moça.
Naquele dia ele não saiu para tocar seu violão. O céu tinha uma lua dourada que ele via da janela do seu quarto, mas não teve vontade de apreciá-la... Sentiu até raiva da beleza daquele céu e resolveu cerrar a janela que rangia lembrando-lhe a risada daquela mulher perversa e desalmada que ele insistia em amar.
 
Cláudia Machado
Enviado por Cláudia Machado em 08/01/2019
Reeditado em 14/02/2019
Código do texto: T6546100
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