DRIBLAR PROFESSORA DÁ CERTO?

ELE perdera tempo na vida, mas nunca é tarde para voltar à vida escolar. Adulto, filhos jovens, e o cara no primeiro ano do Ensino Médio com mais de quarenta anos......... Palpite todo mundo dá, quando o certo seria incentivar, orgulharem-se do parente, corajoso herói! Não me consta elogio algum para ele e para mim: achavam tolice passarmos o dia inteiro de produção numa indústria - o mundo capitalista é isso! - e ainda estudarmos à noite. Éramos dois companheiros de equipe na mesma empresa e na mesma sala de aula. Talvez depois EU seguisse Direito ou Ciências Políticas (Nutrição nunca, Artes Cênicas jamais), ELE ainda 'nau sem rumo, ao sabor das ondas'... Chegamos finalmente ao terceiro ano com relativo sacrifício e fantástica facilidade - estudava-se muitíssimo, dormia-se pouco. ELE, Gigante sedutor de professoras? Sem dúvida alguma. Respeitável e cinicamente, com desagradável ou nenhuma ética! Ah, as mulheres se derretiam com "aqueles dois da metalurgia"... EU, mais discreto. Havia duas professoras de Literatura, uma exclusiva para a produção nacional e a outra que por conta própria mesclava nas aulas Português e 'pinceladas' de literatura lusitana. Rivais por causa de macho! Era assim - após horário de aula, o galã namorava as DUAS ao mesmo tempo, alternando segundas e quartas, ANA MARIA, terças e quintas, ANA RAQUEL. (Talvez a diretora da escola entre sexta e domingo, mas nunca tive certeza.) Odiavam-se: "Comigo ELE casa!!!" Uma idealizava na igreja católica, outra na sinagoga. (Bigamia como nos tempos bíblicos? A esposa estéril e a criada para gerar filho, bom exemplo no duplo sentido.) Driblava as duas, de acordo com os dias da semana - alegava ter recebido um telefonema, hora-extra, certa máquina enguiçou... Era meu supervisor de equipe, o cúmplice aqui se divertia com as estórias do trio... ou quarteto? As professoras juntas somente em reuniões pedagógicas, picuinhas e piadinhas o tempo todo ou aqueles falsos beijos de formiga-comadre. "Querida, você está linda! Só precisa emagrecer assim uns vinte quilos i-me-di-a-ta-men-te." "Seus olhos são mesmo verdes ou é lente de contato?" "Ah, casca de feijão no seu dente!" Felizmente nunca foi preciso chamar polícia, ambulância, bombeiro. EU era representante da turma, beliscavam meus braços de um lado e outro, cautelosamente sentado entre ambas quando minha presença era solicitada.

Voltemos ao "nosso" estudante malandrão e ao explorado bobo da corte. A professora de Português, mandona, determinou conto para leitura e interpretação em dupla: "O HOMEM", de SOPHIA (este nome de origem grega, significando 'sabedoria', me arrepia sempre pois recordo um antiga paquera inútil ao computador: minha tagarelice contra moça monossilábica e desinteressada porque não conhecia o galã aqui)... SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDERSEN. "Anotem no caderno para não esquecerem." Anotamos. A professora de Literatura Brasileira, apenas para rivalizar, sugeriu delicada que procurássemos para interpretação em dupla um texto qualquer de Literatura... Portuguesa... com fundo religioso. "Um texto da SOPHIA..." Não bruxa adivinhadora, por certo sabia da escolha da outra, faltando poucos dias para a Semana Santa (JESUS, judeu!); na segunda-feira após o feriadão, trouxéssemos o trabalho pronto e para ELA, "pessoa física", dois ovinhos de Páscoa (turma de 50 alunos!), daqueles bem pequenos, pois estava precisando engordar. (Ou ter uma bruta cólica de fígado e uma consequente dor de barriga?) "Anotem no caderno para não esquecerem." Anotamos.

/// No conto: Um homem de cerca de trinta e três anos caminha devagar pela rua, possivelmente no centro de Lisboa, e a narradora "sente" que é JESUS, novamente no meio dos homens indiferentes à fé. ///

Conversei com minha vizinha freira, em ligeira visita a familiares; lemos o conto (tristeza pode ser belíssima?) e debatemos, porém ideias seriam apenas as minhas a partir daí. Em absoluta escassez de tempo, visto que todos os professores de todas as matérias escalaram (impuseram!) trabalhos para este período, bolei um plano. (Sou bom driblador em futebol e em sinuca.) Fiz a primeira interpretação, gigantesca porém rápida, amo a minha impulsividade: "dupla" de um só........ Quatro páginas digitadas. Fui muito além do trabalho de SOPHIA... Comecei com ABRAHÃO e DAVI, 'familiares ascendentes' de JESUS; falei da manjedoura, perseguições de Roma, acrescentei frases casuais de poemas filosóficos (não exatamente religiosos) da própria SOPHIA; por fim, analisei o conto em exatos 13 parágrafos numerados, citei 13 aludindo à última ceia. Título e subtítulo triunfais: "O FILHO DE DEUS ESTÁ EM TODA PARTE E DIRÁ ISTO SEMPRE: // PAI, PAI, POR QUE ME ABANDONASTE?" Não descobri como é a palavra FIM em aramaico, coloquei um SHALOM um tanto fora de propósito. (Como escreveu DRUMMOND, "E agora José?") Li e reli mil vezes a minha análise subjetiva, um tanto menos estudadas frase por frase do conto... imprimi integral! Agora, segunda interpretação. Drible simples. Fui jogando a posição dos parágrafos, do início ao fim das quatro páginas - copiar, colar, copiar, colar... corrigi a numeração de 1 a 13, agora a partir da primeira linha... inverti as frases de título e subtítulo... imprimi integral! Professoras inimigas, residentes em bairros distantes, lecionando em horários alternados, manhã-tarde-noite, sem o outro da minha cretina "dupla" para dedurar, j a m a i s descobririam a minha tramoia. ELE apareceu na minha casa, assinou sem ler. Na manhã da marcada segunda-feira, levei para a empresa as oito folhas digitadas - o trabalho original e o de parágrafos montados. Ovinhos congelados. Professora ANA MARIA.

Dias depois, conceituação. 1 - A professora de Literatura Brasileira, agnóstica, justamente a quem NÓS (?) por acaso entregáramos a improvisada montagem miscelânica e que levava a vida sempre alegre, leu animadamente o conto e o trabalho em voz alta, elogiou muito, deu a nota máxima - "A" -, somente reclamou do chocolate claro, muito doce, gostava mais do semi amargo (não sou bruxo: não adivinho nada). 2 - A professora de Português, judia, recebera a interpretação original de "nosso" trabalho na secretaria, com 'minha' rosa branca do jardim da fábrica (ELE fez um serviço de rua, roubou semelhante flor na pracinha, e sem me consultar entregou na escola com bombons também amarelos); manhã de segunda-feira, mal humorada porque nessa noite ELE certamente se deitaria com a rival, após horário de aulas noturnas. Espetou o dedo com espinho da flor e fez disfarçada rubrica no alto do trabalho, caneta vermelha. Na terça à noite, perante todos, leu a "nossa" análise, voz desanimada, gostou "até certo ponto, com limites", esclareceu bem - turma respeitosa, discreta e solidária a mim e a meu "parceiro" (na metalurgia, sim!), sem distinguirem onde era o plágio de "nós mesmos"; ANA RAQUEL deu uma nota vagamente inferior, A-, o que significa "A menos" /espécie de 'nove-ponto-nove' ou '...ponto-oito', como se escuta hoje na tevê/, porém acima de B. Recebemos o papelório de volta, comentários manuscritos a vermelho, que "a dupla /que ilusão!/ conseguiu penetrar na mensagem do conto, mas faltava organização... (pois deixáramos) tudo solto"......... (Solto? Nossa análise inicial? EU caladinho, mas senti um novo injustiçado JESUS, jeans e camiseta, não em Lisboa, porém nas ruas da atual Jerusalém.)

Poucos meses depois, todos os representantes de turma chamados à diretoria... "Lá vem bronca?!" - espero sempre que um mal feito qualquer foi dedurado (delação premiada inclui nota dez?). Mal disfarçada cara de choro, ANA LÚCIA mostrou um bilhete para recado nas turmas e colagem no mural de avisos. O tal galã-aluno-colaborador que já ajudara na pintura geral da escola (quem arrumou gratuitamente a tinta?!) e conserto do telhado, acabara de comunicar o casamento (EU sabia desde o pedido de demissão na empresa), por complicadas questões de herança, com uma prima "recém-importada" de Berlim, foi o que a terceira abandonadinha nos disse, cartão azul claro convidando para a igreja e festa (incrível!)......... no pátio da escola. Fraulein lindíssima.

Logo ELAS esqueceram e, unidas as três, consta que passaram a perseguir, no mesmo rodízio, o coitado do professor de Matemática, descendente de árabes: "Comigo, ELE casa!" Acabado o Ensino Médio, EU tomei novo rumo na vida. (Pesquise, caro leitor, a palavra "harém".)

Acho que as TRÊS - ANA, ANA, ANA - engoliram melancias aritméticas simultaneamente /teoria dos conjuntos?/ porque as encontrei sábado no supermercado, horários distintos: pela manhã (fui comprar pão), à tarde (...pizza) e à noite (meu almoço para domingo). Redondinhas, redondinhas.........

F I M

Rubemar Alves
Enviado por Rubemar Alves em 25/05/2019
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