A VIAGEM

Quando a tarde caia envolta em nuvens alvas e o céu azul claro, quando o silêncio hipnótico esgueirava-se nas horas tomando de conta os cantos da casa fazendo todos mergulhar naquela cesta rotineira. Daquele transe vespertino saia o moleque sorrateiramente do colo da mãe e descia da rede para o chão. Engatinhando chegava à porta do quintal, que se abria como se o paraíso começasse alí.

Por uns segundos vislumbra a amplitude do horizonte com os pés no chão. Via que seu pedaço de terra era pequeno, mesmo admirando, se lançava a outros quintais.

Enquanto a Liberdade, a liberdade aconselhava o moleque a descobrir terras. Matreiramente ele seguia os instintos, saia de casa, invadia terras... Passa pela cerca danificada do quintal da vizinha e corria a descobrir um novo mundo. Alí cercado pela emoção olhava a imensidão do céu azul, via o sol perder a cor por causa de uma chuva tênue taciturna, entre os galhos de árvores e o único e maior prédio da cidade, Manoel Pinto da Silva.

De repente a chuva, chuva e sol, sol e chuva, o faziam viajar num passado, lembrando o que a sua avó dizia:

- Chuva e sol, meu filho é casamento da “Mucura”.

Nessa simultaneidade de passado e presente, bem a sua frente o mundo, aos poucos, parecia crescer e feito Colombo, em sua descoberta, entrava num deposito de madeira, que guardavam restos de construções com outros utensílios sem utilidades para casa.

De rei a pirata, aventureiro, ele se sentia o dono do mundo com os pedaços de lajotas brilhosos, vidros, adereços e tantas bijuterias, assimilando pra si as bugigangas e balangandãs como riquezas, a financiar aquela expedição e futuras invenções.

Do deposito, após a chuva, tomava posse daquela vastidão de quintal alheio, com uma imensa fauna e uma flora doméstica, envolta numa imaginação. Brincava com as flores azuis, das Marias moles, se aliava a gafanhotos, Saúvas, lagartas, Louva deus, Grilos, Besouros, Vaga- Lumes, Cigarras, Minhocas, Borboletas e Joaninhas. Entravam também em cena seres imaginários, Impérios e muitos mares, até que assimilando aquela atmosfera magistral numa simbiose harmônica de cheiros, toques e contato, sua mãe acordava do outro lado da cerca e o chamava daquela dimensão de sonhos e tudo se esvaia paulatinamente, ficando mais na memoria latente.

O céu meio rosado, com fulguras no horizonte já começava a rastrear a noite, que em prece se despontava, enquanto os madrigais das cigarras, grilos e pássaros anunciavam o fim daquele dia.