As guerras

Entregava-se ao trabalho como forma de fugir às lembranças tristes. Prosseguia com as domas, o cultivo da terra e o fabrico de tijolos. Acreditava nas parcerias e por isso fomentava o sistema de mutirões nas roças. Deolinda com suas atividades de parteira ia ficando cada vez mais ocupada e menos presente no Angico, o que longe de incomodar o compadre enchia-lhe o peito de orgulhosa satisfação. Aquela mulher magra, sofrida e amedrontada que conhecera havia oito anos era agora uma guerreira destemida, cujo altruísmo a fazia selar o cavalo no meio da noite e andar quilômetros para assistir uma parturiente. Quando se desvencilhava dos nascimentos, desdobrava-se na lides da fazenda. Ajudava Maria José no fabrico do polvilho e da farinha de mandioca, no que só dependiam dele para arrancar o tubérculo do chão, que esse era serviço deveras pesado.

Pelo menos uma vez por semana ia ao Cercado, havia sempre uma lista de pequenas necessidades a aviar no comércio. Essas viagens lhe faziam bem. Tiravam-no da rotina massacrante da fazenda e reavivava em seu espírito o senso de mundo. Através de suas conversas com homens esclarecidos do distrito tomava conhecimento de fatos que passavam despercebidos à maioria dos sertanejos.

A segunda Guerra Mundial estava em curso, no início do ano de 1942, os países do continente menos a Argentina, haviam decidido durante a conferência Pan-americana no Rio de Janeiro, a condenar o ataque japonês em Pearl Harbor e as declarações de guerra unilaterais da Alemanha e Itália contra os Estados Unidos.

Todas essas informações pouco lhe diziam, porque quase nada entendia dessa coisa de relações internacionais de que tanto falavam. Para ele toda a complexidade da vida se resumia no período adequado para o plantio, na lua certa para a colheita, no período fértil das vacas e das porcas. Sabia, contudo, por haver experimentado na própria carne, que os benefícios das decisões políticas dificilmente chegavam aos lares mais pobres do país, mas que as consequências desastrosas, essas os alcançavam sempre. Por isso ouvia apreensivo as notícias da guerra.

A tensão entre Brasil e as potências europeias do Eixo haviam aumentado ao decorrer daquele ano. Submarinos do eixo afundaram navios mercantes brasileiros. Em retaliação, forças aeronavais brasileiras atacaram tais submarinos. Em agosto, ouviu que um submarino alemão, num espaço de poucos dias, havia afundado vários navios mercantes brasileiros, o que causou centenas de mortes civis. Em setembro ouviu que no dia 31 de agosto, Getúlio Vargas havia declarado estado de guerra contra Alemanha e Itália.

Depois passava dias ouvindo os companheiros do eito falarem de amenidades. Das perspectivas de colheitas. Da prenhez das marroas e das patroas. Sua guerra também continuava. Contra as pragas da roça e da criação. Contra as cheias ou a escassez de chuva. Sabiam que a nação dependia também de vitórias nessas frentes de batalha.

Carlinhos Colé
Enviado por Carlinhos Colé em 08/11/2019
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