Caráter, poesia e Pitu

Era um hábito, uma mania, um dos seus prazeres de véio quase caduco ficar no seu cantinho, sentado numa velha cadeira de balanço rangedeira, assuntando a maçaranduba do tempo e conversando com os seus botões. Numa manhã amanhecera chato e meio encabulado. Uma irmã brincando lhe disse: - Acordou de ovo virado, Nêgo do Beição? Nem respondeu.

Estava pensando com repulsa nos provocadores, adesistas e, sobretudo,. nos capachos, nessa tropa de choque que está num frisson danado, alguns só faltam mesmo lamber s botas dos fascistas. Estava puto com os trânsfugas que estavam saracoteando, fazendo cabriolas, bundas=canastras e alguns balançando os quadris. Até´achava natural a renúncia deles ao caráter porque capacho não tinha honra, era pau para toda obra. O sem caráter sente, pensou, uma necessidade avassaladora, uma compulsão incrível e irresistível de fustigar os perseguidos. São as latas de lixo de qualquer poder. Mas o sem caráter e no fundo, no fundo mesmo, um infeliz. Nem a própria família tem respeito por esse traste.

Resolveu dar uma pardinha na bronca anti-capacho, foi à cozinha botou uma lapadinha de Pitu Gold num copinho, derramou a orção do santo e a de Che Guevara, tomou, fez a caretinha de praxe, lambeu o beição e se sentiu mais leve, deu uma passada na estante pegou um velho caderno escolar onde anotava versos e frases e levou para o seu cantinho. Sentadinho, abriu o caderninho na página onde tinha um poema do poeta português Sidônio Muralha que leu baixinho como se estivesse fazendo uma oração:

"Parar. Parar não paro./ Esquecer. Esquecer não esqueço./ Se caráter custa caro/ pago o preço./ Pafo embora seja raro./ Mas o homem não tem avesso/ e o peso da pedra comparo/ à força do arremesso.//Um rio só se for claro./ Correr, sim, mas sem tropeço./ Mas se tropeçar não paro, - n~çao paro nem mereço.// E que ninguém me dê amparo/ nem me pergunte se padeço./ Não sou e nem serei avaro/ - se caráter custa caro/ Pago o preço".

Então, ainda mais leve riu sozinho. A irmã mais uma vez pegou no pé dele: - Está vendo desenho animado, Nêgo do Beição? Riu mais e pediu aela um cafezinho estupidamente quente. Inté.