A MORTE DA VELHA

Eram três crianças: dois meninos e uma menina. Viviam harmoniosamente como se fossem três legítimos irmãos que juntos brincavam, cantavam, corriam, brigavam, se ofendiam, se xingavam, se inimizavam, mas tudo sempre voltava para a mais profunda amizade.

O espaço para eles brincar era muito grande, tendo em vista que o terreno onde viviam media uns sessenta metros de comprimento por vinte de largura e dentro dele existiam duas casas sendo que uma delas era ocupada por dona Rosa - a matriarca e autoridade máxima da família -, uma idosa de noventa e nove anos que era a mãe dos irmãos Joan e Chico, ambos proprietários e moradores de terrenos vizinhos. A casa de dona Rosa ficava no terreno de Chico, o filho mais velho e mais cuidadoso. O restante do terreno era ocupado por árvores frutíferas, hortaliças, plantas, poço d'água, jardim e alguns animais de criação, de forma que ainda sobrava muito espaço para o lazer das crianças. A casa de Joan era vizinha da casa do irmão Chico.

Os dois meninos, filhos de Joan, tinham ambos, respectivamente, cerca de sete e nove anos de idade e atendiam pelos nomes de Nona e Hailton. Já a menina, de sete anos, se chamava Mahy, e era filha adotiva de Chico.

A vida das três crianças prosseguia na maior normalidade, sendo que o Nona apresentava um comportamento com muita esperteza e uma incrível habilidade de persuasão. Ele, aos sete anos de idade, fazia o possível para demonstrar que não gostava da sua avó Rosa, isto pelo fato dela não lhe dar nada que ele a pedisse. Constantemente ele pedia alguma coisa, mas a saúde frágil da idosa não lhe permitia ouvir nada e o menino achava que tudo não passava de ruindade.

Certa vez a velha passou mal e alguém, desesperado, gritou:

- Seu Chico, corre aqui, depressa! Dona Rosa está passando muito mal. Parece que ela está morrendo!

O filho saiu em disparada para socorrer a mãe, mas vendo que a situação dela era muito grave, ele gritou para que alguém fosse rápido chamar o padre para dar a extrema-unção à sua querida mãe.

A casa paroquial era relativamente perto. A vizinhança foi avisada e o corre-corre era desesperador. Dona Rosa era estimada por todos. Em pouco tempo o quintal encheu de gente. As três crianças ficaram distantes, sentadas num banco de areia que tinha num canto do terreno, bem próximo ao portão da rua.

Quase nada demorou quando o vigário chegou apressado, vestido na sua batina preta e causando espanto nas crianças que nunca tinham visto certa cena no quintal de sua casa. Pouco tempo se passou e o padre saiu calado, vagaroso e cabisbaixo.

Frente a esta rara cena o Nona inquietou-se e falou:

- Será que a velha morreu? Morreu nada! Essa velha ruim nunca vai morrer. E concluiu dizendo: - coisa ruim não morre e esse padre veio aqui rezar ela à toa.

Hailton lhe repreendeu dizendo:

- Cala essa boca, aí, Nona! Você só fala besteira. Cala essa matraca e respeite a vó Rosa

Mahy ficou furiosa com Nona e também repreendeu dizendo-lhe:

- Isso é pecado, Nona! Fique calado que é melhor. Deus odeia isso! Você sabia que quem peca vai pro inferno? Você quer ir pro fogo do inferno? Então cale essa boca!

E Nona replicou:

- Besteira nada! Pecado nada! Inferno nada! Calado nada! Essa velha é muito ruim mesmo. Ela ganha tanta coisa gostosa mas não me dá nada, nem uma bala. Dão tanta coisa boa pra ela: é comida gostosa, é fruta gostosa, é pão doce, é broa, é bolo de milho, é tudo de bom, mas eu não ganho nada. Quero que ela morra. Vou lá pra ver se ela já morreu. Nona desceu do monte de areia, limpou as mãos esfregando uma na outra, limpou o fundo da calça com as mãos e correu até a casa da velha. Lá ele tentou entrar no quarto, mas tinha muita gente na porta. Ele olhou por baixo das pessoas e viu a velha sentada na cama comendo bolachas com chá. Depois ele voltou para o monte de areia e falou bem alto:

- Eu não disse a vocês? Eu não disse? Essa velha nunca morre! Coisa ruim não morre. Ela não presta.

- Esquece. Vamos brincar - Disse Hailton.

As pessoas que estavam na casa saiam em grupo e Nona olhava tudo que acontecia.

De repente ele avistou o pai Joan trazendo para a velha um jarro com suco de laranja e uma bandeja repleta de maçãs, goiabas e uvas. Nona não se conteve e, correndo, foi lá no quarto.

- Vó, me dá uma uvinha dessas?

A velha nada lhe disse. Por um bom tempo ela ficou quieta, olhando para o menino com um olhar de tristeza sem sequer mexer um dedo. Era o efeito da doença junto com a idade avançada que a impedia de qualquer esforço.

Nona voltou para o monte de areia e descontente, urrou:

- Eu não disse pra vocês que essa velha não presta? Ganhei nada. Nem uma uva. Quero é que morra!

Dias depois dona Rosa deu seu último suspiro. ELA FOI PRO CÉU, dizia Chico anunciando a morte aos parentes e aos vizinhos.

Ao enterro foi muita gente e o lamento foi triste e comovente.

Das três crianças, Nona foi quem mais chorou.

José Pedreira da Cruz
Enviado por José Pedreira da Cruz em 02/05/2020
Reeditado em 22/06/2021
Código do texto: T6935380
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