320 - A Rendilheira

Apoiou as mãos no rebolo, firmou o pique e fez avançar os alfinetes no desenho. Aprendeu com a avó que Deus tinha e nunca mais parou de fazer renda de bilros. Agora acabava, em desenho caprichado, a gola e os punhos de um trajo de noiva. O nome não lhe disse nada e aceitou fazer o trabalho sem conhecer a cliente. Isso era raro acontecer porque, para começar, importava que quem encomendasse a tarefa, gostasse da sua obra e a destinasse a algo memorável. O casamento era uma cerimónia que lhe parecia bem e a noiva, desta vez, ia de roupa escura, luto aligeirado para o dia que seria simples e com poucos convidados. Soubera depois que perdera o pai há poucos dias e que o rapaz ia para Londres a seguir. Mais tarde a viria buscar, tão depressa ajeitasse casa por lá. Veio a blusa de seda dourada e ela aplicou a gola que ficava soberba. A seguir os punhos, vivacidade que dava requinte a um todo sóbrio, diferente e elegante. Pagaram tudo quando levantaram o trabalho e junto ao dinheiro havia um cartão que a convidava a estar presente na cerimónia civil que teria lugar no único cartório da cidade. Chegaram os parentes de luto carregado e o notário batia o pé e olhava repetidas vezes para o relógio. Preparara um discurso breve, libertara meia dúzia de cadeiras onde se lia, bem visível, a palavra reservado. Era raro haver casamentos ali e ele aprimorara tudo das palavras que diria, à posição do livro dos registos. Cá fora a moça que ia casar aguardava que ele chegasse dentro do carro parado perto da porta. Quando depois de hora e meia de espera o noivo chegou e ela saiu do carro admirada por o ver tão desportivo ele disse: - Estive para nem vir aqui avisar mas pela consideração que devo a todos tinha de não vos fazer penar mais. Hoje, não haverá casamento. Se ela gostar de mim, espera que eu volte de vez, lá para Agosto. Dito isto, correu para o Táxi e seguiu para parte incerta.

Edgardo Xavier
Enviado por Edgardo Xavier em 18/11/2020
Reeditado em 21/11/2020
Código do texto: T7114734
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