A ambiguidade do ser

Uma retomada em sua antiga lembrança, afligiu-lhe em melancolia. Tempos tão distintos de sua realidade. Era fugaz como a vida, mas vívida como a dor. Talvez ela já soubesse, desde aquele tempo, de sua miséria.

E então, ela me encontrou. Com lágrimas nos olhos, me perguntou: “E então, como escaparei?”. E eu lhe respondia “Ouça-te”.

E como uma criança inocente, seu olhar curioso se manifestou “Não entendo o que queres dizer.”

Sem pronunciar nada, me virei contra a falésia, retirando-me dali.

Continuei a observando, ao longe; tão distante quanto a vista de Andrômeda.

Seu corpo tremia, anunciando a chegada de pensamentos lúgubres.

Culpa.

Remorso.

Dor.

Angústia.

“A pessoa mais triste a ser considerada nessa terra”, ela pensava.

Seus pensamentos, tão pueris como eram, davam-me uma dose de divertimento. Como era interessante, assim como seus irmãos. Tais seres, incapazes de enxergar a si mesmos, caíam cada vez mais no abismo de seu ser.

Talvez eu seja igual eles.

Encontrei-me novamente com ela. Seu rosto inchado, nada dava a esconder a imensa dor da noite anterior. O rio fluía no nosso entorno; assim como a existência de tais seres. E ele fluía, até desaguar em mares profundos e depois retornava em sua origem. Repetindo tal ciclo infinitamente como a água, assim era a vida deles. Sim, a reencarnação existe. Não sabia?

Os olhos dela me fisgaram como mel, tão doces que, por muito, me arrependia de tê-la escolhido. Mas agora já era tarde. O destino não poderia ser mudado; nem mesmo eu teria tal poder.

Aproximei-me dela vagarosamente e, estendi, em cambaleios, um machado tão grande quanto uma montante. Ela não recuou. Ela não gritou. Em um estado vegetativo, seus olhos me perfuraram e meu ser hesitou, mas nem isso bastou. Seu corpo se desfez em um chafariz de sangue, molhando-me dos pés à cabeça.

Peguei seu corpo e o pus na correnteza do rio. O vi sendo levado até os subúrbios do mar profundo.

“Retorne em paz”, sussurrei para todos e para ninguém.