Reflexões do reflexo

Todavia, havia eu entrado no quarto e me deparado com uma figura robusta e assombrosa, de rosto farto porém pálido, entorpecido talvez, meio desequilibrado, notoriamente apavorado, repentinamente não me intimidei diante da figura que me entreolhava torto, estremeci, senti-me esmagado pelo próprio intestino, que se fingia de nó dentro do meu quase ventre, estupidamente perguntei ao cadáver vivo, “O que queres de mim pobre esmolado?”, não ouvi retorno e apelei para um tom menos cordial, “Diga logo o que queres defunto fétido!?”, quando quase perguntara novamente o presente rompeu o silêncio, “O que quero?! Oras, já tenho o que quero”, confundido, insisti “Se já tens, porque permaneces diante de mim?”, com um olhar sádico e carnal o homem alargou um sorriso de escárnio e replicou, “Bom homem!”, ele riu “Não me reconheces?!!”, continuou a criatura, “Sedes tu responsável por isso”, ao ouvir isso me aproximei do pobre homem, pude observa-lo mais de perto e tentei toca-lo, meus dedos se estenderam e pude sentir a superfície lisa na ponta do dedo indicador, gelada e sem reações era, tal qual se representava diante de mim aquele sujeito destorcido, caindo de costas no chão, vivi uma alucinação, começara a perceber a tolice que cometia, dialogava eu com o próprio espelho, pouco a pouco, enquanto recobrava minha falida consciência me transformava em tudo aquilo que havia dito e pensado da imagem que se espelhava na minha frente, esparramado no chão sobre o tapete embolorado, me sentia como uma carta de baralho no “morto”, totalmente sem defesa, me obrigava a ouvir as palavras que ecoavam em minha mente, abrindo longas aspas “Me chamastes de fétido, me chamastes de pobre, me chamastes de defunto, e pensastes muito mais do que falastes, mas falastes de ti mesmo, tu sim, és pobre, fétido e morto, não foste capaz de reconhecerdes a si mesmo no espelho, justo você que sempre fora quem sempre dizia ser, austero, prepotente, sagaz, hoje se derrama aos meus pés, pés estes acostumados com o luxo, ouça o que digo, perderá toda sua vida sem antes mesmo conhece-la, cairá em desgraça antes mesmo de acordar do teu parto, viverá uma forma de vida não muito diferente da que se vive no inferno e nunca se recuperará, pois serdes um fraco, um verme asqueroso...”, antes mesmo da conversa terminar, ainda sem movimentos próprios lancei-me contra a mim mesmo, como um golfinho que se enterra nas ondas do mar, desabando-me sobre toda a minha vida, senti cada caco de vidro penetrando na minha epiderme e atingindo por final meus ossos, afoguei-me em lascas de espelho, que espalhadas, refletiam todos os momentos desordenados da minha vida, adormeci sobre o espelho quebrado, acordei horas depois, dispostos a apagar da minha mente todo o acontecimento noturno, tentando recolher as faias do espelho quebrado , mas a cada caco recolhido, era me relembrado os erros do meu passado e sempre um novo caco era encontrado espalhado pelo chão, até que a mais surpreendente revelação me veio de um outro reflexo, não uma reflexão provinda de um espelho, mas uma reflexão da mente, que me fez perceber que não importa quantos cacos hajam sido encontrados e apanhados, sempre haverá um que nunca poderá ser recolhido, o meu próprio corpo, que agora desfalece perdido dentre tantos cacos que perfuram minha alma e me torna morto como sempre sonhei...

Vifrett
Enviado por Vifrett em 07/11/2007
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