Chocolate amargo
Eu tinha dito que nunca mais ia pensar em você, nem deixar uma sílaba sequer do teu nome passear nos meus lábios. Prometi que não ia mais evocar a desgraça pro meu lado, que não a queria mais aqui. Mas aconteceu por acidente, só dessa vez. E foi na hora mais inoportuna.
Eu estava fazendo um bolo de chocolate, preparando a cobertura, sabe? E não queria nem podia estragar meu dia, pensando no vírus que me estraga, que me corrói por dentro. Mas pensei.
Pensei que a vida seria melhor sem você, pensei nas lágrimas que derramei por nada. Porque agora você é nada mas antes de virar nada demorou um bocado e eu tinha que chorar e te destruir aos poucos, te dissolver em lágrimas ácidas até finalmente virar nada. E de repente comecei a chorar de novo.
Pensei que chorava sem motivo, mas aí vi que chorava pra matar teu fantasma que tinha sido feito do meu ódio. E as lágrimas caíram no chocolate.
Na pele as lágrimas têm gosto de sal, mas no doce vira amargo.
O chocolate ficou amargo e eu só percebi quando o bolo ficou pronto. E o bolo ficou bom. Extraordinariamente bom. Então eu pensei que devia agradecer por te odiar tanto, e que poderia fazer fortuna com bolos de chocolate amargo. Quase te agradeci. Mas aí lembrei que se te agradecesse não mais odiaria. E os bolos não seriam mais amargos. E se eu fizesse mais desses, eu me mataria.
Eu disse que o bolo tinha ficado bom, mas me recuso a comer mais um pedaço. Havia muito de você ali dentro. Deixo para os outros, que vão apreciar sem nem perguntar o que é.