Todos os amores levam pelo mesmo caminho.Capítulo 1, 2., 3 e 4

Prólogo

Era a nossa história uma linda rosa,

que agora estava despedaçada pelo caminho

Um momento que começou

A muito tempo atrás

E se acaba agora, pelo destino.

Era nosso amor,

A tristeza de uma pequena flor,

A solidão do Pequeno Príncipe

E seu medo, seu pavor

Era nosso amor.

1-O começo de tudo...

-Você já amou alguém que não te ama de volta?- ele pergunta, como se fosse algo comum de se perguntar. Estamos em uma sala, em um evento sem graça que eu não queria estar. Estou com os cabelos trançados, num macacão de flores e uma cara que afastaria qualquer um, exceto ele.

-Já, acho que todos em algum dia- respondo olhando para baixo, não quero encarar seu rosto que me olha fixamente.Parece estar fazendo um esforço enorme para continuar aquela conversa.

-E como foi?- terrível, penso. Terrível, pois o pior era estar perto da pessoa todos os dias e eu não poder dizer nada. O pior era saber que agora, ela estava bem longe de mim, enquanto eu estava presa, numa conversa aleatória com essa pessoa que acabei de conhecer. O cara em minha frente é alto, de cara pálida, com um sorriso um tanto encantador e um rosto arredondado. Seu nome é Marcos.

-Nada de mais. E você?- pergunto, a fim de não ficar um silencio sem graça.

-Acho que eu nunca me apaixonei e não sei o que é amar- ele pensou um pouco- quer dizer, eu amo minha mãe, isso conta?

-Claro que conta- digo com um sorriso- eu também amo minha mãe.

-Que bom- ele diz balançando as mãos- por que você está aqui? Está com o rosto de quem gostaria de sair daqui- ele diz, lendo minha mente- quem te obrigou a estar aqui?

-Na verdade foi minha mãe- digo para ele, que ri segurando os dedos e balançando o corpo.

-Minha mãe também me obrigou a estar aqui, queria estar em casa lendo meus livros - ele diz e dessa vez eu rio, pois queria estar fazendo o mesmo.

-Vamos, então- e puxo seus braços e apesar de reclamar um pouco no inicio, ele me segue. Levo ele até a garagem, onde minha mãe guarda alguns de seus livros antigos. Ele se aproxima devagar, passa uns cinco minutos escolhendo e pega um exemplar de Sherlock Holmes, enquanto eu pego Eu sou o mensageiro. Sentamos próximo ao portão e lemos.

Depois de uns dez minutos lendo, minha mãe se aproxima:

-Por que você está aqui? Era pra você esta com os convidados, Marina.

-E eu estou-disse apontando para o lado.

-Oi, Marcos- ela cumprimentou e, logo voltou a falar- vamos, nada de ficar aqui, assim vocês parecem anti-sociais desse jeito- e depois de muita insistência, nós a seguimos. As vezes ela podia ser muito sem graça, justo quando estávamos nos divertindo.

Fico sentada naquela sala, vejo as pessoas conversarem e me espanto com aquilo. Nunca conseguiria ser igual a elas. Ou pelo menos parecida. Acho que na verdade nem queria, quer dizer, não sei o que pensar, eu só queria poder ser eu de uma melhor forma e que as pessoas gostassem do que vissem. A maioria parecia não gostar.

-Voltamos para o mesmo lugar- ele diz.

-Sim.

-Não dá para escapar, não é mesmo?

-Nem pensar nisso.

-Você gostaria de poder ser igual a eles? Digo, não na aparência, porque ninguém vai ser sempre igual. Mas no jeito de ser, de interagir com os outros. Eu gostaria. Parece ser muito mais fácil para eles do que para mim, principalmente quando se é igual a mim.

-Você tá interagindo comigo.

-E você é a primeira que responde normal. O resto me olha estranho, como se eu fosse sempre um pouco demais. Sincero demais, falante demais, pergunto coisas estranhas que não sei o que significam e eles me respondem com receio ou não respondem. Você respondeu. Obrigada.

-Não tem que agradecer, você é legal- respondo.

-Você não respondeu a minha pergunta. Você gostaria de ser igual a eles?

-As vezes sim, as vezes não. É muito difícil definir meus sentimentos a respeito disso. Eu gosto de ser eu. Me sinto confortável comigo mesma, mas acho que as vezes seria bom sair da minha zona de conforto, tentar algo novo. Mas... tentar algo novo as vezes é muito difícil.

-Por que? Eu estou tentando algo novo conversando com você e até agora, tem sido fácil.

-Acho que eu to facilitando um pouco- digo rindo, ele me olha sério- deixa eu fazer as minhas perguntas esquisitas.

-Vai em frente- penso em algo. É muito difícil pensar quando você está na frente alguém que te olha fixamente. E ele nem percebe o quanto isso é estranho. Peço para ele não me olhar assim e ele meio sem jeito, para e começa a olhar para baixo. Respiro e então pergunto.

-Qual foi sua primeira amizade verdadeira?

-Acho que nunca tive uma. Como disse, não consigo é muito difícil para mim esse negócio de interagir. Eu espero as pessoas chegarem perto, mas ela nunca vem. Parece que eu assusto.

-Você assusta, só que de um jeito bom.

-Como é isso?

-Sabe, você parece querer saber tudo ao mesmo tempo e isso é muito bom, mas as vezes é assustador. Pessoas intensas assustam.

-Eu sou intenso- ele parece se perguntar- qual o significado disso?

-Pergunta difícil. Acho que você parece gostar de se importar demais, isso é bom e ruim.

- É verdade- ele só parece concordar. Nós ficamos o resto da festa em silencio. Quando finalmente acaba, nos despedimos e ele, junto das demais pessoas, vai embora.

Assim que ficamos sozinha, minha mãe se aproxima.

-Gostei que você fez uma amizade hoje, sinceramente, estava esperando por isso- ela diz- só... toma um pouco de cuidado- por que ela estava falando isso? Me pergunto- ele vai querer voltar, ser seu amigo e o Marcos é muito... sensível. Não é o tipo de pessoa que você vai querer machucar ou simplesmente... deixar de lado.

-Mãe- digo me sentindo insultada.

-Que foi? Você faz isso- só viro as costas para ela e vou embora. Cansada, deito em minha cama e espero o sono chegar

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2

Tudo é silencio quando se está sozinho no meio de muita gente. Ouvi essa frase em algum lugar, não me recordo aonde. Talvez em um livro. Ou numa música. Só sei que passei muito tempo pensando nisso. Imaginando. Eu sempre me senti assim, só não sabia como explicar. Nada na minha vida fazia sentido e eu não sabia como lidar. O maior problema é que estava sozinho nessa. Minha mãe até tentava, mas era impossível até agora.

Pego meu celular, abro as redes sociais e começo mexer. Se tem uma coisa que me encanta nesse negócio de rede social é que ninguém lá sabe interagir de verdade, se soubessem, não estariam lá. Isso é um pouco agradável, porque me sinto em casa, como se alguém abrisse uma porta e me dissesse ''olha só, todo mundo aqui é um pouco parecido com você''.

Quando percebo, estou olhando perfis aleatórios que aparecem para mim. Entre eles, vejo um perfil de um desenhista e, me encanto com seus desenho. O último postado era uma reinvenção de ''O grito", um desenho todo feito a caneta bic. Observo cada detalhe.

-O que você quis dizer com aquela pintura?- mando mensagem perguntando da sua última pintura. Demoro a receber a mensagem, mas recebo.

-Ah, sei lá, acho que estava com raiva na hora e queria mostrar isso, quem é você?

-Meu nome é Marcos, prazer. Eu senti um pouco de raiva, marcado principalmente pelo rancor e tristeza. Achei uma pintura bonita. Como você consegue? Eu sou fascinado por isso, mas já tentei e não deu certo. Ficava morrendo de raiva e parei.

-Obrigada, eu acho que foi bastante treino e prática, sem isso você não consegue e, tem também o que você deseja passar com aquilo. Tem que ter sentimento, senão não basta. Senão não é arte. Me chamo Marina- tinha um monte de Marinas no mundo e não tinha chance de ser a mesma; penso assim que leio o nome, pois minha primeira memória foi voltar na Marina que havia acabado de conhecer a cinco horas atrás.

-Você já desenhou sobre o amor?

-Essa pintura é também um pouco sobre o amor, sei lá, acho que todos os meus desenhos e pinturas tem um pouco desse significado.

-Quer dizer, é assim que você vê o amor? E sua família?

-Eu estava falando do amor romântico, mas minha família cabe um pouco aqui também. Minha mãe é meio chata as vezes. Ela fala coisas que deixam a gente sem graça.

-Eu sei como se sente, minha mãe as vezes é meio protetora demais. E seu pai?

-Não sei. Não o conheci.

-Você fica triste com isso?

-Nem tanto, sabe? Eu sinto muito por ele não estar aqui comigo, mas não tem como eu sentir saudade de alguém que eu não conheci.

-E por que você não gosta do amor romântico?

-Ah, sei lá. Você é bem direto, não é mesmo?

-Eu tento fazer amizade assim...sendo direto. De resto eu não consigo.

-Você quer ser meu amigo?- pergunta ela e eu, sem entender direito o tom daquela pergunta, digo que sim- então, somos amigos.

-Ok- respondo, meio sem saber o que dizer.

Passamos a noite conversando sobre pinturas e seus significados. Ela fala sobre suas inspirações e suas aspirações. Eu somente leio e vou conversando. Perguntando. Minhas perguntas geralmente parecem uma lista de apresentação, mas eu não ligo muito. Assim eu verdadeiramente posso conhecer o que eu quero das pessoas e, realmente, ter um contato com elas e conhecê-las.

É dia e eu tenho mais uma consulta. Acabo de sair do psicólogo e dessa vez é com um psiquiatra, minha mãe diz que pode ser bom para mim. Duvido um pouco disso. Chego no consultório e espero minha vez chegar andando de um lado para o outro. De um lado para o outro. De um lado para o outro. Então paro, pois chega a minha vez.

-Querido, venha- minha mãe diz. Eu sigo ela.

-Olá, Marcos. Como vai?- ele é seco. Se aproxima de mim devagar para me cumprimentar.

-Como você sabe meu nome?- pergunto para ele que logo se volta para minha mãe, sem me dar uma resposta. Nós nos sentamos nas cadeiras que ele aponta. Ele começa a dizer um tanto de coisas que simplesmente não entendo e eu olho para os lados, então ele se vira para mim.

-O senhor não respondeu minha pergunta-digo para ele.

-Ah, me desculpe. Seu nome está na sua ficha.

-Ah, entendi. Por que estou aqui?

-Você que vai me dizer. Como vai a vida?

-Não sei, por que você me pergunta coisas desse tipo?

-Eu quero saber como você está, só isso.

-Estou bem.

-Então por que está aqui?

-Minha mãe achou que seria bom para mim

-Tenho algumas perguntas para te fazer, sua mãe me disse que você tem dificuldade para interagir, como é isso para você?

-Normal, sempre fui assim. Mas as vezes me chateia um pouco. Queria ser igual aos outros, as vezes é tudo que eu sinto. Pois parece que eu sou de outro mundo. Ninguém me compreende direito. Sou chato demais, esquisito demais, tudo demais. Sou intenso em um nível que assusta as pessoas- começo a me balançar para frente e para trás querendo me acalmar, mas parece não funcionar, minha mãe pega minha mao e segura forte, é tudo o que eu preciso no momento para me sentir bem. Seu toque pesado e quente. Sua mao é macia de um jeito que me deixa feliz.

-Querido, está tudo bem?-ela pergunta em meu ouvido-quer continuar? Podemos ir embora- ela diz.

-Se estou aqui, vou continuar-é tudo que respondo.

-Te amo, querido- é tudo que ela diz.

-Podemos continuar, está tudo bem?- pergunta o médico.

-Sim, está.

-Ótimo, eu queria te dizer, estamos progredindo. Você tem dificuldade para lidar com mudanças de rotinas?

-Sempre, parece que vou morrer. É uma das piores coisas para mim.

-Você tem algum assunto que considere seu favorito?

-Músicas. Amo ouvir músicas. É minha coisa favorita. Eu escuto o tempo inteiro.

-Você frequentemente se incomoda muito com uma coisa especifica?

-O cheiro do perfume da minha mãe, o barulho dos carros e muitas outras coisas.

-Ei- minha mãe diz, mas sei que ela não está realmente brava. Está fazendo isso só para me fazer rir um pouco, ela sempre faz isso quando falo algo relacionado a ela. Perguntei da primeira vez se ela realmente ficava chateada e ela me explicou.

-Acho que sua mãe pode estar certa. Você já ouviu falar sobre autismo?

-Já, mas não sei o que pode ser. Em que minha mãe poderia estar certa?

-Bom, é um transtorno do neurodesenvolvedor que, digamos assim, mexe principalmente com seu modo de interagir, seus interesses, seu jeito de reagir a certos estímulos e sua resistência a mudanças de rotinas, mas pode variar de pessoa para pessoa. Por exemplo, o que você acabou de fazer agora a pouco se chama, stimming, ''estereotipia'' como é conhecido aqui. Achamos que você possa ser autista, especificamente, o que era conhecido como aspenger antes, mas foi mudando o nome aos poucos, até por uma questão ética que não vem ao caso agora. Nisso sua mãe estaria certa, ela me procurou alguns dias atrás para falar a respeito disso, até por indicação da sua psicóloga.

-Não acredito em você- digo e saio da sala.

-Filho- minha mãe vem atrás de mim. Nos sentamos na escada e conversamos.

-Não, eu não quero nem posso ser diferente. O que as pessoas vão pensar de mim, mãe?

-E desde quando você liga pro que as pessoas pensam? Você é você e é só isso que importa pra mim. Eu te amo e nunca vou deixar de te amar. Isso só vai vim pra você aprender a lidar com as suas dificuldades, que são muitas, você tem que admitir- então começamos a rir. É sempre bom estar ao lado da minha mãe, mesmo com toda dificuldade do mundo, ela sempre me ajuda e eu a amo por isso. Voltamos para a sala do médico.

-Só para constar, eu ainda não gosto de você- digo

-Obrigado pela sinceridade. Podemos continuar?

-Podemos.

-Então, gostaria que você fizesse alguns testes para comprovar nossa hipótese.

-Quais testes?

-Com uma neuropsicóloga. Já tenho uma indicação para dar, ela é muito boa. Você vai gostar bastante dela.

-Espero- eles continuam falando e eu me distraio com tudo lá fora. Desde as pessoas conversando até o barulho dos carros do lado de fora. Eles me incomodam, mas me deixam feliz. Espero eles terminarem de conversar e então vamos embora.

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3

Respiro fundo e então me levanto da cama. Acabo acordando 10 da manha, porque fiquei acordada até tarde conversando sobre arte com uma pessoa que conheci. Ele até que falava bem, mas era muito direto. Isso me incomodou um pouco. Eu gostei dele.

Vou escovar os dentes e me arrumar, tenho um almoço para ir com minha mãe. Olho para ela, ainda meio sentida pelo que ela falou na noite passada pensando, o que aconteceu entre mim e o Pedro não foi culpa minha, eu não queria deixá-lo de lado simplesmente, ele fazia mal para mim e mesmo assim ela ainda insiste em dizer que eu deixei um tão bom partido simplesmente passar. Ele não era um bom partido e agora, ela pensava que só porque eu tive uma conversa com o filho da chefe dela, eu estava interessada nele. As vezes não dava para entender minha mãe, sinceridade.

-Oi- recebo uma mensagem. É do garoto de ontem. Marcos- como está sendo o dia na sua casa?

-Oi, para mim, acabou de começar, acordei agora. E você?- pergunto para não o deixar sem resposta. Odeio quando fazem isso comigo.

-Está indo bem, tive uma notícia um tanto surpreendente e estou chocado até agora.

-O que houve?

-Eu descobri que tem grandes chances de que eu possa ser autista. E até alguns minutos atrás eu não fazia ideia do que poderia ser isso. E agora eu provavelmente sou, em carne e osso.

-Faz sentido, isso explica o porque de você ser tão direto. Eu gosto dessa característica em você.

-Obrigado. Eu só tento ser eu, eu acho. Você gosta do meu jeito? Estou surpreso, quase ninguém gosta.

-Claro que eu gosto, senão eu não seria sua amiga, não é?

-Você estava falando sério aquele dia?

-Claro que estava, seu bobo. Somos amigos! Ou você não quer ser meu amigo?

-Claro que quero.

-Ok, então.

-Tenho que ir para um almoço agora. Tchau.

-Tchau.

-Mãe, com quem vamos almoçar hoje?

-Nós vamos almoçar com minha chefe e seu filho e outras amigas. Quero que você e o Marcos se tornem amigos- o que será que ela ta tentando fazer? Me pergunto. Não faz sentido que ela quer que eu seja amiga dele, sendo que ela tem tanto medo disso.

Seguimos de carro para o restaurante que com toda a certeza não foi minha mãe que pagou para estarmos ali. Era um lugar enorme, cheio de lustres e extremamente chique. Ela só estava aproveitando a chance.

-Oi- digo quando chego , cumprimentando os convidados na mesa. Estão todas com roupas extremamente chiques e só eu estava de vestido de flores e uma sandália simples.

-Olá, querida. Como vai?-pergunta uma das mulheres sentadas a mesa. É a única que me cumprimenta além de Marcos, que me olha com o canto do olho e sussura um oi. Ele está sentado ao lado de sua mãe do outro lado da mesa. Nos sentamos nos únicos lugares vazios e eles começam a conversar. Fico sentada esperando acabar. Quando saímos, ele vem até mim.

-Oi- diz sussurando e aproximando o rosto de mim.

-Oi- o imito.

-Como você está?

-Normal, sabe? Como sempre.

-Já adivinho, você não queria estar aqui.

- Tu nem me conhece direito e já sabe. Você é bem legal, sabia?

-Verdade?- ele pergunta com um sorriso no rosto. Respondo que sim. Quando vamos embora, ele me dá um tchau pela janela do carro e eu retribuo, agradecida por ter saído de lá.

Chegamos, minha mãe me deixa em casa e vai direto para seu trabalho. Quando vejo, tem um monte de mensagens em meu celular. Do misterioso Marcos. Estranho, converso com ele como se fossemos amigos, porém nunca o vi. É complicado entender relações.

-Oi, estou num almoço extremamente chato. Queria conhecer você. Você parece ser legal. É uma das únicas pessoas que conversa comigo normalmente, além da minha mãe e outra pessoa- mudo de assunto rapidamente, antes que ele venha com o papo de me conhecer de novo. Não quero conhecer ninguém. Não gosto de conhecer pessoas novas, só a internet está bom para mim. Tenho medo de conhecer pessoas novas, elas só atrapalham.

-Você gostaria de morar nas nuvens? Eu gostaria. Imagina, estar lá no mais profundo do céu, sem ninguém pra te atrapalhar, só você e a paz.

-Isso é porque você não é, as vezes se torna chato viver sozinho, sem ninguém ao seu redor, alguém para te abraçar, te confortar quando você está triste. Imagina? Deve ser muito ruim viver mais que solitário... - de repente fico triste, quanto tempo ele viveu sem ter um amigo de verdade? Penso. Ele parecia estar triste, sozinho. Me sinto no impulso de abraçá-lo, mas lembro que ele não está ali. E então espero.

-Não tinha pensado por esse lado, é realmente triste.

-Eu sei- ficamos sem mandar nenhuma mensagem, até que resolvo perguntar- você gosta do que?

-Eu gosto de músicas, especificamente letras de músicas. Me encanto pela escrita, tento sempre ver o significado por traz de cada letra. Considero isso extremamente importante.

-É como nas pinturas e desenhos - eu falo e ele concorda.

-É, é como nas pinturas e desenhos . Só que nelas, por exemplo, é muito mais difícil. Você precisa se fazer entender por meio de formas, nas letras não, nas letras você se faz entender por meio das palavra que são mais entendíveis, mais palpáveis. Pelo menos eu acho. Você gosta de ler?

-Eu amo. É simplesmente meu refúgio das coisas ruins da vida. Tudo que me ajuda a descansar. Depois da arte- digo para ele.

-Qual o seu livro favorito?

-Acho que ''Eu sou o mensageiro" do Zusak. E o seu?

-Sherlock Holmes.

-Eu tenho um amigo que gosta de Sherlock.

-E eu tenho uma amiga que gosta do Zusak. Quer dizer, acho que ela é minha amiga, ela nunca deixou isso claro. Mas eu a considero como se fosse. Acho que nunca tive muitos amigos, então considero qualquer um que converse comigo como se fosse um.

-Quer dizer que eu sou qualquer um?- respondo ele, rindo.

-Não, quer dizer... você me entendeu.

Ficamos novamente sem falar nada. Então respiro fundo e volto ao meu dia.

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4

-Vamos entrar, filho- minha mãe diz para mim e eu apenas a sigo. Ela parece estranha, mas enquanto isso estava tudo normal. Entro na sala do médico e ele me cumprimenta, eu vou direto para a janela e fico lá enquanto minha mãe e o médico conversam. Quando percebo, minha mãe está atrás de mim, simplesmente me observando. Ela está parada com uma cara que parece assustada e isso me dá medo.

-Mãe, o que está acontecendo?- ela só continua a me observar. O médico se aproxima devagar e faz o mesmo. Eles se aproximam. Se aproximam. Se aproximam, até me engolir por inteiro.

Acordo do pesadelo assustado e me ponho a escrever o que acabei de presenciar. Será que estou com medo de algo? Penso, enquanto escrevo. Não é o que me parece. Tudo está normal. Exceto uma coisa. Aquela notícia. Talvez eu esteja realmente com medo, não sei, mas me atenho somente aos detalhes do sonho enquanto isso. Tudo me pareceu tão real, eu não queria ter vivido isso, realmente, não queria.

Recebo uma mensagem. É Marina, filha da amiga da minha mãe. Ela diz oi.

-Como você está? Então, eu queria te convidar para a minha festa de aniversário. Vai ser hoje, aqui na nossa casa. Minha mãe me passou seu número. E ai, você vem?

-Claro que vou, só para constar, o que você gostaria de presente de aniversário? Não, pode deixar, eu escolho lá.

-Te espero.

-Eu vou.

Quando termino de escrever, me levanto da cama, escovo os dentes, vou para cozinha e cumprimento minha mãe que está preparando o café da manhã.

-Tive um sonho terrível. Nós estávamos no consultório daquele médico e vocês dois me engoliam.

-O que?- minha mãe perguntou, parecia assustada. Não sei. Pego o de sempre, como e vou me arrumar para sair. Eu sempre saio nesse horário, vou para o parque e fico sentado lendo. Hoje estou lendo Assassinato no expresso do oriente, uma história sobre um detetive que entra em um trem para viajar e, sem querer, acaba se metendo em um assassinato. Vou andando pela rua com o meu abafador no ouvido, não gosto nada dela e se eu pudesse, não andaria por ela. É tudo tão barulhento; é carro passando, pessoas gritando, cachorros latindo, barulho por todo lado, fico simplesmente exausto.

Sento-me na praça em silencio puro. Só eu e o meu livro. Leio e espero.

A única coisa que gosto nas ruas são os pássaros que voam por elas. Eu amo me sentar e tirar varias fotos da natureza. Respiro fundo o ar não tão puro e, assim que termino de ler, vou embora.

Chego em casa e minha mãe se aproxima, ela está com aquele mesmo rosto do sonho e isso me assusta. Saio correndo. Ela vem atrás de mim.

-MARCOS, volta aqui- ela grita e depois abaixa o tom, não gostava nada de gritar comigo, mas tinha vezes que ela dizia ser necessário, mas ela sempre fazia isso: gritava, depois ia abaixando o tom- eu tenho uma coisa para te dizer, Marcos, senta aqui, é importante- eu sento do lado dela e vou me aproximando devagar.

-O que é tão importante que você precisa me olhar daquela forma?- pergunto, ainda com um pouco de medo. Minha respiração está ofegante e eu olho para o relógio, me desviando do rosto dela.

-Eu queria te dizer uma coisa que é muito importante e que acho que está na hora de você saber.

-O que? Fala logo- eu digo para ela.

-Eu também sou autista, por isso comecei a desconfiar que você fosse. No geral, acontece o contrário, mas se aconteceu assim, então é assim que é pra ser. Aquele seu sonho me deixou assustada e queria te dizer que você não está sozinho nessa, pode contar comigo, filho. Se estiver sendo difícil pra você, pode me contar.

-Que? Quando isso aconteceu?

-Foi ano passado, a minha psicóloga que desconfiou. Eu decidi não te contar, talvez por medo de não saber como você ia lidar, mas agora com a notícia que você também possa ser, eu decidi te contar. Tinha que contar pra você em algum momento e sabia que agora era o certo a fazer.

-O que?- eu não estava entendendo nada, parecia que tinha um buraco na minha cabeça e nada fazia sentido. Começo a andar pela sala. De um lado para o outro, de um lado para o outro, buscando me acalmar. Primeiro eu, depois minha mãe? Ou primeiro minha mãe, depois eu? Nada daquilo fazia sentido. Procuro na minha cabeça um motivo para tudo aquilo.Era tudo muito novo e eu não gostava nada de mudanças. Começo a me desesperar, minha respiração começa a faltar e eu sinto o peso na minha cabeça me jogando para baixo. Minha mãe corre até mim, me ajuda a levantar e me leva para o hospital. Eu sinto como se fosse morrer, é muito difícil para mim compreender tudo que está acontecendo no momento e então desmaio.

Acordo. Estou deitado numa cama de hospital azul clara enquanto minha mãe conversa com a médica. A luz bate forte em meus olhos e preciso fechá-los para me manter sentado. Ambas se aproximam de mim.

-Oi, filho como você tá?

-Não sei. Acho que bem. Por que estou aqui? O que aconteceu?

-Você teve um ataque de pânico e tive que te trazer para o hospital. Você estava sem respirar e quando nós estávamos vindo para cá, você desmaiou.

-Então foi tudo real?- começo a lembrar aos poucos do que tinha acabado de acontecer. Procuro me acalmar, tudo está mudando tão rápido e eu não tenho como parar. É tão difícil para mim compreender o sentido de tudo isso. Assim que liberam, me levanto e juntos, vamos para casa.

-Mãe?

-Oi, filho.

-Como você se sente a respeito de tudo isso? Eu estou errado por sentir tudo que estou sentindo?

-No começo foi difícil para mim compreender também, filho. Mas eu estava tão acostumada a fingir ser quem eu não era, que quando eu parei para pensar, não era tão ruim assim. Eu estava finalmente tendo a chance de ser eu de verdade e eu não podia deixá-la de lado. Era uma oportunidade imperdível que eu tinha que aproveitar. Então, não se estranhe por estar tendo todos esses sentimentos, são coisas normais e você precisa acolhe-los para chegar realmente no lugar que você deseja.

-Obrigado, mãe.

-Por nada, meu filho.

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Debora B Ribeiro
Enviado por Debora B Ribeiro em 06/11/2021
Código do texto: T7379958
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