Foi melhor assim...

Lá dos anos da minha pré-adolescência me vem esta lembrança, que guardo no fundo da minha alma de adulto.

Pois, recém-saídos dos cueiros, porém espertos que nem raposas, eu e meu irmão fizemos um discreto buraco na parede de madeira do nosso quarto, para observar o quarto da prima Glorinha, o que nos permitiu, ao longo dos anos, acompanhar a Glorinha se transformando em uma glória de menina-moça.

Assim, ao cair da noite, era aquela briga de unhas e dentes pelo privilégio de espreitar pela minúscula circunferência daquele filtro mágico, as nuances do maravilhoso corpo feminino, desabrochando como uma flor carnuda e vermelha.

E quando ela finalmente saía do nosso campo de visão, corríamos para o aconchego e a cumplicidade das cobertas, sob as quais finalizávamos freneticamente o processo, que aquelas visões desencadeavam em nossos corpos e mentes.

Então, certo dia houve um alvoroço na casa.

Com os ouvidos colados nas paredes ouvimos a mãe dizer que a Glorinha já era “mocinha”.

Como assim? Mocinha ela sempre foi. Quê história mais estranha...

Duas semanas depois, com aquele olhar de sabe tudo, a mãe soltou uma bomba nas nossas cabeças: “Glorinha vai estudar no colégio interno em Passo Fundo”.

No dia da partida, a danada estava com aquele vestido amarelo de bolinhas, que apertava os seios já grandinhos e fez questão de me abraçar roçando o corpo no meu corpo tremulo e magrinho.

“Eu sempre soube que vocês me espionavam... mas não vou contar para a madrinha, pois eu também vibrava depois... sob os lençóis, seus marotinhos”...

Ao voltarem de Passo Fundo a mãe e o pai nos olharam e concordaram: “foi melhor assim”...

Nem o pai e nem a mãe sentiram a tristeza que sentimos...

Porém, hoje, pensando bem, foi melhor assim.

Ondina Martins
Enviado por Ondina Martins em 26/07/2022
Reeditado em 01/12/2022
Código do texto: T7568138
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