UM AMOR ..........

O mar calmo, nenhuma onda quebrava na areia. Via-se apenas a espuma branca das ondas que batiam lá longe nos arrecifes e sentia-se a bruma provocada pelo vento que soprava do mar para o continente. Casais namoravam se esfregando nas pedras; algumas jangadas, com suas velas branquinhas, ainda deslizavam sobre as águas, voltando da pescaria; Ao longe pescadores noturnos facheavam com seus facões e tochas feitas com óleo queimado, ouvia-se o troque-troque dos seus tamancos de madeira ao pisarem nas pedras. Agente jogava pelada na areia sob a luz da lua ajudada pelas lâmpadas de uns postes que iluminavam a praia. Em dado momento do jogo observo que Guilherme não se encontra jogando, meu time estava desfalcado de um jogador. Chamo de imediato Ronaldo para compor a equipe... Ronaldo não joga lá essas bolas, mas Guilherme também não é grande coisa, com esforço pegaria uma vaga no time do Náutico, do Sport, nem pensar. Mas o jogo continua. Terminado o jogo, hora da cerveja, nada de Guilherme. Jorge até indaga aos demais:

- Será que Guilherme foi tomar banho e afogou-se?
- Nada! Responde Toinho. Ele já deve ta é tomando uma por aí. Ta de bola murcha mesmo!

Aí todos se dão conta que um casal conversa próximo de nós, mas como a luz não é tão clara no local, não estávamos dando conta que se tratava de Guilherme e uma moça para nós desconhecida. Tratava-se de Djanira. E, sob o testemunho daquele mar que se perdia no infinito, num cenário de indiscutível beleza, nascia mais um fatídico caso de amor. Nascia o amor de Guilherme e Djanira.

Guilherme era militar, cabo do Exército. Servia no quartel aqui da praia de Maria Farinha onde morávamos. Fisicamente era feio, mas não daquele tipo de se jogar aos tubarões, dava para aproveitar qualquer coisa. Não conheceu pai e nem mãe. Morreram de acidente de carro quando ainda tinha cerca de dois ou três meses de nascido. De início ficou sendo criado por uma tia até que foi internado numa escola da FEBEM (hoje FUNDAC), onde ficou até ir para a Marinha e depois para o Exército. Sempre foi dedicado à escola e mesmo interno na FEBEM, conseguiu terminar o ensino secundário.

Djanira era doméstica, trabalhava na casa do coronel Valentim, mas era tratada como uma dama. Sua patroa, dona Risolene, era médica do Hospital da Restauração e deixava toda administração da casa por sua conta. Era uma morena de causar inveja; pernas torneadas, olhos grandes, cintura de pilão, mãos carinhosas com unhas bem cuidadas. Quando desfilava de biquíni na praia, até o mais tímido banhista parava para apreciar a sua beleza. Com Guilherme não foi diferente, ao bater os olhos em Djanira parece que o cupido lhe feriu. Não foi diferente com Djanira, ao cruzar com Guilherme, logo se apaixonara. Daí por diante começaram a se encontrar regularmente, quase sempre na praia ou na pracinha que fica perto da casa de Djanira. Guilherme mesmo sendo um soldado bem conceituado no quartel não queria se aproximar da casa do coronel, que era o subcomandante da sua unidade. A família de Djanira morava no interior de Vitória de Santo Antão. O pai já falecido e mãe também trabalhava em casa de família.

O tempo passa e cada vez mais o namoro de Guilherme com Djanira ia se cristalizando; até que resolvem ficar noivos. Viajam até a cidade de Vitória para comunicar à mãe dela que não faz objeção.

E assim começam a se preparar para casar. Guilherme acerta com Djanira que todo final de mês quando receber o soldo do quartel lhe destina uma quantidade dinheiro para que ela vá comprando as coisas: móveis, roupas, utensílios, etc. Na opinião dos dois, um ano seria necessário para tudo ficar pronto. Djanira também ajudaria com parte de seu salário. E assim foi feito. Quando Guilherme recebia dinheiro, passava quase todo para Djanira. Ela, por sua vez, pede autorização à patroa para guardar no seu quarto as coisas que fosse comprando para o casamento. Essa autorizou sem problemas. Passado algum tempo, começamos a notar que Guilherme sequer comprava mais uma roupa ou um sapato, não freqüentava mais as farras que fazíamos nas sextas-feiras. Nada que fosse necessário gastar dinheiro. Guilherme trabalhava exclusivamente para o casamento. E sempre que conversávamos, não escondia sua paixão incondicional por Djanira. Djanira também se confessava apaixonada por Guilherme.

Com menos de um ano, como haviam se programado, Guilherme e Djanira estavam praticamente com tudo pronto para casar: móveis; eletrodomésticos; cama e mesa e tudo mais. Quanto a casa não seria difícil conseguir na vila do próprio quartel.

Passava-se o mês de novembro e Guilherme já tencionava marcar o casamento para o finalzinho do ano. Ocorre que a essa altura Guilherme começa notar certa indiferença em Djanira, que já não lhe dispensava o mesmo tratamento de antes.

- Djanira ta diferente, confidencia Guilherme a Ronaldo. Mas eu acho que é a tensão natural de vê se aproximar à data do casamento.
- Isso é normal, comenta Ronaldo, mas fica com a pulga na orelha.

A paixão de Guilherme por Djanira não deixava ele enxergar que estava numa barca furada. Ela era uma pessoa completamente diferente na realidade. Estava apenas se aproveitando da ingenuidade dele para usurpar-lhe todo dinheiro que ganhava no quartel. Das coisas que dizia ter comprado para o casamento não tinha nem a metade. Djanira tinha conhecimento que o coronel Valentim no final do ano seria transferido para o Rio de Janeiro, onde iria comandar uma base militar. Tudo já estava arrumado e Djanira acompanharia a família.

A última vez que se encontraram, na pracinha costumeira, o diálogo já não foi o de sempre, Djanira se apresenta arredia e mal humorada. Guilherme nota e pede explicações:

- Ta acontecendo alguma coisa com você? Ultimamente você ta diferente, parece não mais querer o casamento. Não acredita mais no meu amor por você?
- É nada disso não. É que ando aperreada com problemas na família e também muito serviço na casa do coronel; ta faltando uma empregada e estou sobrecarregada.
- Vamos marcar a data do casamento?
- Não. Hoje não. Tou nervosa e cansada. Na próxima semana trataremos disso com calma.
- Tudo bem; na próxima semana.

Esse diálogo foi no sábado à noite. No domingo durante o dia Guilherme fica de serviço interno no quartel. Enquanto isso acontecia à mudança do coronel Valentim para Ilha do Governador no Rio de Janeiro. Estaria assumindo a base militar na outra semana.

À noite, nesse mesmo dia, Guilherme larga do serviço, vai tomar banho e trocar a roupa - morava no alojamento do quartel.

- Porquê a pressa Guilherme? Indaga Toinho.
- Vou convidar Djanira para jantar na peixada de Dão e já ta tarde. Ela já deve ta me esperando.

Guilherme deixa Toinho falando só e segue a passos largos. A lua passeava sobre o mar, tão brilhante que dava para se enxergar a areia grão a grão, mesmo que as luzes dos postes se apagassem todas. Mas como sempre solitária. Tão solitária quanto Guilherme ficaria ao chegar na casa de sua amada. E Guilherme chega na casa de sua amada, encontra a casa vazia e apenas um soldado fazendo a segurança.

- Que aconteceu? Pergunta Guilherme assustado.
- Não estais sabendo?
- Não. Sabendo o quê?
- O coronel Valentim mudou-se hoje de manhã para o Rio de Janeiro, foi comandar a base militar da Ilha do Governador.
- Foram todos?
- Sim, inclusive tua noiva. Ela não te avisou que estavam indo embora?
- Não. Não avisou.

Guilherme se afasta perplexo sem entender muito o que acontecera. Pois Djanira foi embora sem lhe avisar nada. Segue em direção ao quartel. Não anda muito e logo encontra os amigos de sempre: Toinho, Jorge, Jonas, Ronaldo e Tertuliano. Toinho, Jonas, Ronaldo e Marcelo eram também militares, mas estavam deixando a farda e voltando para suas cidades. Toinho de Recife e Jorge de Glória do Goitá. Os outros dois de Vitória de Santo Antão. Deixariam o quartel da segunda-feira. Não quiseram seguir a carreira militar como Guilherme. Nenhum dos cinco tinham conhecimento do acontecido, pois, a despeito de Guilherme, tiraram guarda o dia todo. Guilherme, com olhos cheios de lágrimas, conta o ocorrido para os amigos. Todos ficam estarrecidos. Mas a noite era de despedidas e se dirigiram ao bar de Godofredo. Guilherme afoga a mágoa na cachaça.

Não se passaram muitos dias e Guilherme descobre através de conversa com colegas de Djanira, que ela não havia comprado nem a metade das coisas que lhe dizia ter adquirido e o que efetivamente tinha seguiu na mudança. Ela pretendia vender quando chegasse no Rio de Janeiro. Isso deixa Guilherme ainda mais abalado, num misto de tristeza e revolta.

Os dias se passam e Guilherme não consegue administrar seu pesadelo. Fora quase dois anos dedicando sua vida a namorada e a um casamento frustrado. Isso sem contar com um grande prejuízo material. Por outro lado, os colegas mais chegados do quartel foram embora e isso lhe faz sentir-se sozinho e amargurado. Toma então o caminho da bebida. Passa a embriagar-se todos os dias, tornando-se inclusive relapso no trabalho, fato que o leva a abandonar a farda. Consegue outros empregos, mas a bebida sempre atrapalhando. Guilherme passa daquele rapaz responsável, trabalhador, cheio de vida, para um pinguço inveterado.

E a bebida vai lhe corroendo aos poucos, até que adquiri uma Cirrose Hepática que lhe destrói o Fígado, sendo socorrido diversas vezes para hospitais. Na última vez, por ironia do destino, quando estar internado no Hospital Getúlio Vargas, recebe a visita de Toinho que ali estar para fazer uma consulta e o vê passar numa maca. Guilherme muito abatido, mas Toinho o reconhece com alguma dificuldade. Preocupado, Toinho procura o médico que atendeu Guilherme e este lhe informa que seu quadro de saúde é muito ruim, talvês precise operar. Toinho não consegue falar com Guilherme.

No outro dia Toinho volta ao Hospital e procura o médico.

- Bom dia doutor.
- Bom dia.
- O que vai acontecer com Guilherme?
- Há meia hora aconteceu...
limavitoria
Enviado por limavitoria em 10/12/2007
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