Um termo um tanto quanto inóspito

Na casa de Clara não tinha luz. Clara apesar do nome, coitada, vivia na mais completa escuridão, quando anoitecia, ela insistia na mania de forçar seus olhos negros para tentar achar o caminho do seu quarto, que por sinal era o mais escuro da casa, era em vão, nada era visível naquela penumbra total, entre tropeços e esbarrões no canto dos móveis finalmente achava sua cama. Era lá, deitada na sua caminha de pouco mais de um metro e meio que ela enxergava tudo que queria, aproveitava cada instante de sono pra sonhar os desejos mais internos da sua alma. Deitada, praticamente petrificada, apenas seu rosto se movia alternado entre expressões de surpresa e alegria, era fácil notar o quão agradável era seus sonhos, difícil mesmo era tentar imaginá-los.

Até seus quinze anos, Clara morava com a mãe, mas ganhou de presente, ao invés de um lindo baile de debutante entre meio aos seus amigos, um funeral triste entre meio a parentes desconhecidos que mal sabiam o seu nome, mas também, de que adiantaria um baile se Clara nem tinha amigos, já vivia ela na escuridão antes mesmo de ficar cega, sim, Clara ficou cega logo depois da morte de sua mãe, não se sabe ao certo o motivo, alguns dizem que ficou cega de tanto chorar pela mãe morta, mas há quem diga que ela mesma se cegou para nunca mais poder ver as coisas que a fazia lembrar de sua falecida mãe. Se for esta a verdade, infelizmente de nada adiantou, pois todas as coisas nostálgicas continuavam guardadas num lugar muito mais escuro e inexplorado do que a simples casa que Clara antes podia ver, todos os momentos, tudo que ela viveu, supostamente Clara revivia ao se deitar a noite, supostamente porque, se ela realmente se cegou para não ver as lembranças que aquela casa trazia, porque então ela sorria quando dormia? Como poderia ela esquecer a morte da mãe se toda noite o mensageiro do sono trazia lembranças dela? Talvez Clara não sonhasse com a mãe, ou talvez ela não sonhasse, mas se não sonhasse, qual o porque daquele sorriso espantoso no seu rosto?

A grande verdade é que os sonhos de Clara são nada mais nada menos um tanto quanto inóspitos, assim como toda a sua vida, que apesar da escuridão ainda não teve seu fim, mas, talvez infelizmente, isso ainda não explica o sorriso na face de Clara...

Vifrett
Enviado por Vifrett em 03/01/2008
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