Anjo Caído: Ela ou Eu?

Correndo.

Correndo sempre.

A dor me impulsiona pra frente.

Não posso deixar que me peguem.

As penas se espalhando pelas ruas, como se fosse uma rinha de pombos, e eu mal podia olhar para trás e me divertir com o espetáculo das caras assustadas, confusas.

Já nos encontramos antes?

É, com certeza.

Um bar qualquer, uma chuvinha chata, aquele clima estranho de Sampa.

Vamos correr!

Nada é o que parece.

Clichê, certo?

Fui seduzido

Jovem, linda, virgem.

Inocente.

Olhos e cabelos morenos, pele pálida, quase doentia, voz suave, passos leves.

Uma beleza simples, perdida entre as bundas grandes, peitos caídos e palavrões de um puteiro fuleiro no centro de uma cidade qualquer.

Qual mesmo?

Sei lá, nem lembro mais.

A moça era a faxineira do lugar.

Estranho, mas os clientes tinha medo dela, do olhar casto (ou seria homicida?). Até mesmo os malditos pedófilos fugiam dela, pois sabiam que ali havia uma inocência genuína e enfastiada.

Quando ela percorria os corredores acarpetados de vermelho manchado com seu balde e esfregão, surda para os sons que vinham detrás das dezenas portas, urros, gritos, gemidos, palavrões, cega para as fantasias, fetiches, e bizarrices sem fim, era como se caminhasse sobre rosas, e seus ouvidos pareciam ouvir somente o som de águas cristalinas.

Eu tropecei nessa ninfa um dia, em circunstâncias que ficarão para ser contadas numa outra hora, e ela soube, de imediato, quem eu era e eu soube, de imediato, que estava perdido.

Eu não tinha vindo por ela.

E ela me contou, num sussurro, que implorava pela morte todas as manhãs.

Seu pecado era enorme, dizia, e a cruz, pesada demais.

Amei cada pelo daquele corpo. Suas unhas roídas, seus cabelos limpos, mas maltratados, suas roupas simples e sem vida, a curva do pescoço, a sombra dos cílios.

Ela era proibida.

Noiva.

Prometida.

Quase cometera um erro, e pagava sua penitência ali, em silêncio, vendo de perto a iniqüidade, sentindo o cheiro da lama da devassidão e dos vícios, dos pecados cometidos em nome de sabe-se-lá-o-quê.

Sua castidade tinha um preço alto demais.

Sangue, seu e de outros.

Bem, numa noite particularmente quente, daquelas em que até o sangue parece pulsar com mais vigor, nos encontramos na rua e bastou um olhar para que eu a seguisse, em plena madrugada.

Ela não tinha medo de assalto ou estupro, dizia não ter mais espaço no coração, e a dor que sentia já lhe bastava.

Eu ri, tomei-lhe as mãos, e entramos no primeiro hotel-pulgueiro que encontramos.

Já não ouvia mais o som da rua, somente o pulsar do meu sangue, e a ereção torturante.

A mãozinha suava, enquanto segurava a minha com força, e desviava os olhos tímidos do recepcionista maconhado.

Fiz com que ela subisse as escadas na minha frente, pois tinha medo de possuí-la ali mesmo, de simplesmente rasgar-lhe a saia, erguer suas pernas e penetrá-la, fazendo com que meu pau angélico e profano deslizasse para dentro daquele corpo casto e venenoso, úmido.

A simples visão daquelas pernas subindo as escadas, a bundinha rebolando, a respiração entrecortada, os pés delicados, as mão segurando no corrimão, o cheiro do sabonete barato. Eu estava enlouquecendo!

De súbito, fui tomado de um sentimento bastante estranho para a situação: timidez. Ela poderia não me achar bonito, ou poderia não gostar do meu beijo, do meu toque, ou meu corpo poderia não agradar, meu cheiro poderia ser forte demais...

Eu lhe parecia desproporcional, monstruoso?

Mal entramos no quarto, no oitavo andar, e vi suas roupas deslizando para o chão.

Havia serenidade e entrega nesse ato, nada de mecânico, nem premeditação, pois ela havia sido feita somente para isso, ficar nua diante de mim. Sua pele branca brilhava, pálida, e eu acreditei, por um momento, que ela poderia caminhar na rua assim, nua, que seria adorada como deusa e flores seriam jogadas a seus pés.

Todas as fantasias devassas sumiram da minha mente, e só consegui pensar em como eu era abençoado só de ver tamanha beleza.

Minhas roupas também estavam se amontoando no chão, peça por peça, suavemente à princípio, com pressa e sofreguidão em seguida, enquanto nossas bocas de uniam em beijos alucinados.

A língua quente me invadia a boca, e eu me afogava naquela saliva.

Ela me puxava os cabelos enquanto enlaçava meus quadris com as pernas, e joguei seu corpo pequeno sobre a cama.

Suas unhas roídas me arranhavam as costas e os braços, enquanto eu lhe beijava o pescoço, os bicos dos seios rosados, a barriguinha lisa.

Suas mãos inexperientes seguravam meu pênis duro, com força, e tive que me conter para não gozar. Não ainda, não daquele jeito.

Mergulhei meus dedos naquela umidade feminina, seu cheiro me invadiu e fui tomado de visões do paraíso, me inclinei para sentir seu gosto.

Curiosamente, ela não tinha vergonha, e me esforcei ao máximo para dar a ela esse prazer supremo, queria vê-la gozar, e minha língua explorava bem todas as partes do seu sexo pulsante, e ela estremecia. Enlouquecida, inverteu as posições, e foi a minha vez de sentir a sua boca, chupando, lambendo, saboreando cada centímetro do meu pau, já intumescido e pulsante.

Não podia mais agüentar.

Eu tinha que possuí-la, inteira, dar a ela o gozo, o céu, e o silêncio.

Coloquei-a sob mim, encostei meu pênis na entrada encharcada, e fui deslizando devagar, pouco a pouco, sentindo a resistência do hímen. Ela, a minha princesa estava enlouquecida de tesão, e não se fez de rogada: ergueu os quadris para facilitar a minha entrada. Por um momento, pude ver um brilho fugaz de dor, logo substituído pelo fogo do prazer, e seu corpo já me acompanhava em movimentos ritmados.

Um cheiro forte de ferrugem, certamente o sangue que empapava os lençóis, misturado ao suor e secreções, me deixavam embriagado.

Ela era tão apertada!

Num sussurro, como sempre, ela me disse que era esse o sangue que sempre buscou.

O animal inferior que havia em mim não tinha pena dela.

A cada golpe, um gemido alto, um grito, as veias do pescoço mais e mais dilatadas.

Eu queria machucar, trespassar, empalar, queria invadi-la, e preencher todos seus orifícios, vulva, boca, ânus, poros, com a minha porra quente e atemporal.

A cada golpe, o olhar sublime, vermelho, paixão.

Eu queria passar horas ali, mas o desejo me deixava cego, e eu só pensava em gozar com ela.

Pecado.

Penitência.

Para mim?

Para ela?

Pude sentir o clímax se aproximando, seus olhos ainda mais injetados, meu pênis ainda maior e mais duro... gozamos juntos, agarrados nos cabelos um do outro.

As marcas nos corpos, mordidas, arranhões, indícios óbvios da batalha, foram beijadas e acariciadas com ternura, e fomos invadidos pelo amor mais puro.

Molhados de suor, sangue, sangue e secreções, mergulhamos em beijos castos e no sono inevitável..

Mergulhado no torpor, pude ainda sentir seu corpo deslizando para fora da cama.

Ouvi as folhas da janela correndo no trilho, e mal tive tempo de vê-la pular.

Oito andares abaixo, seu corpo quente, estatelado, e um sorriso de triunfo.

Eu soube, de imediato, que ela havia mentido para mim.

O noivo, pasmo, de pé ao lado daquela deusa alquebrada e nua.

Ele me lançou um único olhar.

Uma promessa: nunca mais, eu teria paz.

Eu deveria saber que, seu um cara tem coragem de castigar uma moça daquele jeito, fazendo com que ela trabalhasse como faxineira num puteiro de quinta, não deveria ser lá muito boa-coisa.

Bem, hoje eu corro por aí, o cheiro de pólvora nas mãos, o zunido de balas no ouvidos, meu sobretudo preto, um clichê básico que eu me permito, sempre perfurado, carros pretos me seguindo, capangas burros demais para entender o que perseguem.

Ele sabe quem eu sou.

E sabe que eu não posso voltar para casa.

Ainda.

Roberta Nunes
Enviado por Roberta Nunes em 07/01/2008
Reeditado em 08/01/2008
Código do texto: T807006
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