OS PERGAMINHOS

Alguns fatos nos ficam retidos na memória e sem que saibamos o motivo nos vêm à tona.

Já se vão alguns anos, quantos?! Não importa, o importante é o fato em si. Foi no Museu Histórico Nacional, onde costumava ir, normalmente às quintas-feiras, por ser um dia de pouco movimento, aparecendo somente freqüentadores a buscarem mais que simples entretenimento.

Como dizia, tinha eu o hábito de ali recolher material de pesquisa necessário aos meus estudos de egiptologia. Sendo um iniciado naqueles estudos, cada peça ali exposta chamava-me atenção o suficiente para não perceber o que se passava ao meu redor.

Mas, naquele dia, tive minha atenção voltada para o agradável perfume que pairava no ar.

Pude então perceber, a alguma distância, parada em frente a uma vitrine em que se expunha um sarcófago, uma mulher de singular beleza.

Não direi o assombro que me causou a vista de tal criatura, pois julgava estar ali totalmente só.

Depois de alguns segundos fui andando em direção da bela criatura.

Já então bem próximo, pude observar melhor suas roupas que pareciam estranhas para os dias de hoje, pois traziam uns traços de um passado remoto.

Rí-me, naturalmente dessa observação, nunca fui atento a esses detalhes. Mas estava longe de saber que tudo se ajustava para o que estava por vir.

Vendo que a jovem se esforçava em ler alguns hieróglifos existentes no sarcófago, aproximei-me na esperança de travar algum diálogo com intuito de uma futura amizade. Arrisquei-me:

- Costuma vir sempre aqui?

- Sim, quando posso. Murmurou ela, baixando e erguendo os cílios, como que envergonhada.

Confesso que fiquei um tanto embaraçado com tal receptividade. Eu, acanhado, não achava nada que dissesse, nada, coisa alguma. Olhava para a peça ali exposta, à toa. E assim ficamos por algum tempo. A expressão de seu rosto não era propriamente de constrangimento, e sim de ansiedade, pude observar depois, recapitulando as palavras e os gestos. Fosse como fosse, não me passou pela idéia que aquilo poderia ser um simples recurso de ocasião.

- Bem, disse-lhe eu, é sempre agradável termos companhia num lugar tão solitário, principalmente tratando-se de uma pessoa com os mesmos interesses culturais.

- Sim, como é difícil encontrar um tempo disponível para vir aqui, moro muito distante.

- Mas tem suas compensações... , disse-lhe.

- Creio que o senhor poderia prestar-me um grande favor, - murmurou. Vejo que tem grande estima pelas coisas do Velho Egito, pelo contrário não me atreveria a lhe revelar um grande segredo que trago comigo. Posso contar com sua discrição?

- Realmente, tenho grande interesse por tal ramo da ciência, disse-lhe. Se o que se propõe a revelar se relaciona com esse assunto, me sentiria honrado em conhecê-lo, mas será que mereço tal confiança, pois afinal mal nos conhecemos.

- Será tão egoísta que não possa me ajudar? Não conheço outra pessoa em quem confiar, não tenho qualquer amizade no Rio de Janeiro. Por favor, ajude-me!

E a linda jovem falava baixinho, com medo de que nos ouvissem; chegou a caminhar e ir espiar a uma das portas, que dava para uma sala contígua. Não julguei mal sua precaução, era natural, pois afinal tratava-se da revelação de um grande segredo. E voltando a interrogar-me, respondi que poderia confiar em mim. Pôs-se então a revelar-me o segredo.

- Há muitos anos meu avô, velho professor de história, se encontrava no Cairo, em suas pesquisas junto aos vendedores de antiguidades, principalmente de objetos encontrados em escavações, de procedências um tanto duvidosas, com o simples objetivo de adquirir alguns objetos que melhor servissem para ilustrar suas aulas em uma importante universidade. Foi quando teve a felicidade de ter em suas mãos antigos pergaminhos que se encontravam jogados a um canto da loja, completamente empoeirados, mas em perfeito estado de conservação. Sim, ali estava algo de grande valor, mas sua sagacidade fez com que não revelasse ao vendedor seu real interesse por um velho pergaminho, para não ser extorquido. Assim, adquiriu tal preciosidade por uma verdadeira bagatela.

Tão logo saiu da loja, pôs-se a examinar com atenção tal documento. Pôde então deduzir tratar-se de um mapa feito por algum arqueólogo, indicando importante descoberta.

No dia seguinte teria que partir sem que pudesse fazer qualquer pesquisa junto às autoridades competentes a fim de constatar a autenticidade de tal documento. Mas seu espírito de estudioso não tinha a menor dúvida quanto à sua autenticidade.

Assim, de volta à sua vida de rotina, traçou planos, afagados durante os momentos de folga na universidade e à noite, pois lhe parecia um prodígio possuir tão importante documento sem sair a procura de tal tesouro ali tão facilmente indicado, e que grande contribuição traria à humanidade.

Mas não quis o destino que meu avô saísse em busca daquela fortuna, pois sofria do coração. A moléstia agravara-se rapidamente, vindo a falecer logo em seguida.

E assim, o seu empreendimento jamais foi levado a cabo. Para encurtar os fatos, devo dizer que o pergaminho foi dado ao meu pai, juntamente com outros papéis de anotações e alguns livros. E foi o que recebi de herança.

Aí está toda a história a respeito de tão valiosa documentação que guardo com grande cuidado e dedicação.

Bem, disse-lhe eu, esboçando um sorriso de incredulidade, não vejo qualquer motivo de apreensão possuir tal tesouro, agora é sair em busca da fortuna e da fama.

- É aí que se encontra o âmago do problema, não me atrevo a fazer nada, pois simplesmente não possuo o menor recurso para tão grande empreendimento. Como ficaria tranqüila em saber que os ideais de meu avô finalmente seriam realizados. Assim, poderia ceder-lhe os pergaminhos, pois além disso...., bem,......eu.... necessito de algum dinheiro. Afirmou-me ela, com a voz trêmula.

Bem, verei o que posso fazer, disse eu depois de alguns instantes de reflexão.

Marcamos para o dia seguinte o encontro onde seriam tratados os detalhes a respeito da transação.

Fui dali para casa, impressionado com os fatos ocorridos naquela tarde, com a imagem daquela mulher retida na mente.

Na manhã seguinte, levantei-me mais cedo do que o costume, com pensamentos dispersos e confusos.

Algum tempo depois, ouvi a campainha tocar... Sim era ela.

Deixou-se cair numa cadeira, ao canto da sala, e rompeu em lágrimas, dizendo que sofria muito em ter que se desfazer de objeto de tão grande valor estimativo. Enxugou os olhos. Estava realmente digna de lástima. Sentei-me ao seu lado, peguei suas mãos e disse-lhe que não precisava sofrer tão grande desgosto, pois se estava em dificuldade financeira poderia contar com minha ajuda, sem precisar desfazer-se dos pergaminhos. Ela ouviu-me com os olhos parados e disse:

- Não, não é justo, se vim para tratar de negócios, assim será.

Tirou da bolsa um envelope pardo com os pergaminhos e alguns manuscritos e entregou-me.

Era impossível, ou pelo menos indelicado tentar cancelar essa transação. Assim, pus termo à conversa acertando o quanto a ter que dispor. Fiz um cheque com o valor combinado e entreguei-lhe. A jovem agradeceu-me e afirmou que não haveria de me arrepender.

Tentei falar de outras coisas, na tentativa de retê-la por mais alguns instantes sem, no entanto, conseguir. Sem mais uma palavra retirou-se deixando no ar aquela agradável fragrância já minha conhecida.

Passaram-se alguns dias. Tinha visto e revisto os pergaminhos e tomara a decisão de mostrá-los a alguém que pudesse avaliá-los, e certificar-me de que realmente eram autênticos. Assim, levei-os a um amigo que possuía profundos conhecimentos de documentos antigos. E qual foi meu espanto ao ouvir tratar-se da mais perfeita falsificação, pois seu aspecto antigo não era mais que um simples truque de envelhecimento de papéis, usado pelos falsários.

Laerte Creder Lopes
Enviado por Laerte Creder Lopes em 10/01/2008
Código do texto: T810672
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