NAYARA

Na terra onde o dia é Sol e todas as trevas se afugentam ante a claridade que emana do astro rei, uma jovem despontava da infância com uma beleza ímpar. Seu nome - doce como mel nos lábios do amado -, soava débil na pronúncia apaixonada de quem estremecia nas carnes sob o inenarrável frenesi do desejo e sentia o coração acelerar apenas por contemplar aquela beleza estonteante nas manhãs de verão. Enquanto espreitava de longe a mulher que estava a emergir do casulo de uma pubescência sedutora, sua mente arquitetava um plano de aproximação, sedução e posse.

O jovem via, a cada dia, o seu desejo mais aguçado. Desejava intensamente tê-la como mulher e tudo faria para conquistar o coração da amada, que nem sequer desconfiava de seu secreto amor. Nayara, este nome que provocava risos de alegria e júbilos inauditos na face trigueira do jovem apaixonado. À passagem da menina-moça, o não menos belo rapaz brasileiro, deixava-se envolver pelo tom de sensualidade e prazer que emanava do corpo jovem da bela Nayara; misteriosa como uma índia brasileira a trafegar alegre e faceira pelos montes ondulantes de sua aldeia nas noites de procura de seu amado.

A jovem morava na periferia da Grande São Paulo e, desde cedo aprendera a movimentar-se, quase que só, nos embates da vida. A mãe falecera na prática de seu hobby predileto, ao ser projetada sobre as pedras quando o Corcel em que praticava suas caminhadas na Fazenda, assustou-se com um tiro estrondoso de AR-15 e galopou desgovernado durante segundos fatais.

O pai, abatido e sem rumo, embrenhou-se pela Amazônia à busca de aventura e esquecimento, deixando a pequena menina sob os cuidados da avó, que lhe ensinou muito da cultura espanhola e da arte cigana, remontando ao passado, na escavação mental das origens da família na região Ibérica.

A linda Nayara cresceu sob o signo de uma inquietação interior, posto que a ausência da mãe a fizera sonhar com o modelo de mulher que conhecera na primeira infância e que deixara marcas indeléveis na sua psique. Queria ser mulher como sua mãe. E a imagem da mãe esbelta, corpo moreno bem torneado, a espichar-se altaneira sobre o Azulão da Fazenda, volvia seus sonhos para o passado e para o futuro, fazendo uma ponte intrincada entre sonho e realidade, que ela, nos seus treze anos, ainda não conseguia definir direito.

A menina tinha o corpo esguio e sensual da mãe, mas trazia na face os traços nórdicos do pai. Cabelos louros como um trigal florido, rosto fino em cuja expressão um belo par de olhos indagava eternamente sobre o amor. As maças coradas da pequena Nayara expressavam a sua vitalidade, na exuberância matinal de sua existência. E com que agilidade aquela gazelinha brasileira transitava pelas calçadas do bairro, indo para a escola ou mesmo até a padaria da esquina para buscar um pão ou um leite que a avó encomendara com presteza.

Do outro lado da rua, o jovem Beto observava candidamente a sua doce e bela amada no frescor de sua adolescência. E a jovem deslizava quase flanando no ar de seus sonhos ao longo da avenida. O rapaz acompanhava costumeiramente o ir e vir de sua amada, perdendo-se nos devaneios que a contemplação do ser amado lhe propunha em plena luz do dia.

E dessa forma, passaram-se os treze, os quatorze e os quinze anos de Nayara, e os anos equivalentes de Beto, sem que um desse a conhecer ao outro os íntimos sentimentos de seus corações. Beto sonhava com Nayara que sonhava com o Amor.

II

Como explicar que tantos anos se passassem sem que houvesse uma aproximação real desses vizinhos que pelo tempo de convivência fortuita à distância já possuíam uma vida em comum? Beto, dois anos mais velho que a jovem, abraçava os ideais da classe média, devotando-se ao trabalho do pai no escritório jurídico e Nayara colara nas necessidades da casa da avó, tentando recompensá-la pelo acolhimento e cuidado. Sua família substituta precisava batalhar a cada mês o sustento que não sorria espontâneo para eles.

Até que um dia, novas emoções seriam agregadas ao flerte ingênuo de uma adolescência que se deixava para trás. Beto prestara provas para o vestibular e deliciava-se rejubilante com a aprovação que lhe abria o cenário para uma formação acadêmica à semelhança dos pais, propondo-lhe o seguimento da carreira familiar. Já sonhava com um futuro iminente em que seu próprio escritório ostentaria uma placa cor preta com dizeres dourados: DR. ROBERTO ARINOS PATROCÍNIO VILLAS BOAS & ASSOCIADOS.

A leveza e graciosidade de Nayara, deslizando suave em frente à calçada oposta, fizeram Beto voltar à realidade. Do local privilegiado em que se encontrava junto à janela de seu apartamento, podia ver, sem ser visto, a amada do seu coração. E uma leve ruga de preocupação esboçou-se em sua testa: Não posso estudar na capital e deixar para trás o meu amor indefinido como as sementes que se escondem na terra adubada, mas que não sabem ainda se serão plantas vivas na lavoura do mundo.

Beto dera-se conta de que estava na hora de revelar o seu amor para a mulher de seus sonhos, que, com dezesseis anos, ganhara a forma e a graça de uma deusa grega no Pathernon do seu amor. Não haveria dificuldades em fazê-lo. Amadurecera. Sabia muito bem o que queria da vida, e, por certo, saberia usar as palavras adequadas para pronunciar-se ante aquela que lhe conquistara o coração e arrebatara a alma.

A dúvida era outra. E se ela não partilhasse de suas emoções e sentimentos? E, enquanto pensava, percebia tristemente que não tinha só uma dúvida: Como suportar os dias longe dela? E se ela encontrasse um outro rapaz? O namoro subsistiria apenas com encontros de fins de semana? Se casasse com ela, ela toparia ir para a capital com ele, deixando a avó sozinha? Eram tantas perguntas que Beto ficou um pouco confuso e embaraçado, levando as mãos à cabeça e denunciando certo desespero de amor.

Logo concluiu, porém, que estava antecipando pensares que não deviam sobrecarregar a sua mente. Precisava dar o passo inicial, que era conversar com a jovem e revelar seu amor. Como e quando fazê-lo? Essa se tornou a sua obsessão, desde então.

III

Semana seguinte, o destino parecia sorrir-lhe à porta, quando ao entrar na lanchonete do bairro divisou Nayara assentada em uma mesa dos fundos, solitariamente pensando na vida, sem abandonar a graça angelical que sua face juvenil lhe emprestava. Viu nisto a oportunidade que esperava e tomando seu lanche pediu licença para assentar-se ao lado da moça.

Com olhar assustado e um tanto desconfiado, Nayara permitiu que aquele rapaz - que até então conhecia apenas de vista -, estivesse com ela na mesa da lanchonete. Ele foi rápido e objetivo, depois das apresentações de costume:

- Desculpe-me assustá-la com a minha declaração, mas gostaria que você me desse a chance de conhecê-la melhor, pois há algum tempo a venho observando e sinto que meu coração está ligado ao seu por um sentimento que ainda não consigo descrever totalmente...

A moça assustou-se com o peso de seriedade e espontaneidade que Beto emprestou à sua declaração e ficou por breves segundos a meditar se tal coisa já havia lhe acontecido antes. Mesmo que vasculhasse sua memória não encontraria nada como aquilo, pois o máximo que até então ouvira, foram galanteios indiscretos de “donjuans” de ocasião que não conseguiam se conter ante a sua beleza.

O máximo que conseguiu dizer foi:

- Mas, assim, tão rápido? Eu nem te conheço direito?

- Sei disso. Comigo, porém, é diferente. Pelo que já pude conhecer de você, você reúne tudo de bom que gostaria de ver na pessoa que será minha amada.

O rosto de Nayara foi tomado de intenso rubor que tentou disfarçar de todo jeito, mas, quanto mais o fazia, mais complicava sua espontaneidade. Beto percebeu e mudou de assunto tentando descontrair o ambiente.

- Vou pegar um milk para você. Pode ser de morango?

- Sim.

Nayara respondeu evasivamente e seus olhos se perderam no horizonte, tentando compreender tudo o que estava lhe acontecendo. “O que fazer?” Pensou consigo mesma. “Daria uma chance para aquele rapaz que parecia ser tão sincero e que vencera todos os inconvenientes de timidez e desconhecimento para falar-lhe de algo tão puro e bonito?”

E enquanto refletia tentava chegar a uma solução do coração para a surpresa daquela tarde.

- Espero que você goste. O meu está uma delícia!

A figura de Beto diante dela, com o milk na mão a oferecer-lhe, trouxe-a de volta à realidade e à necessidade de dar uma resposta para o rapaz. Experimentou o leite batido e o sabor inconfundível do morango alcançou o êxtase do paladar, fazendo-a lamber os lábios no doce saboreio gelado do milk. “Ele merece uma chance”. Pensou ela de si para si. Era bonito. Tinha classe, parecia ser um bom rapaz e seu coração palpitara quando ouvira a declaração de amor do moço.

- Tudo bem. A gente se encontra no Shopping na próxima sexta-feira. Mas agora tenho que ir...

E agarrando seus pertences - uma mochila com o material escolar e um agasalho de moletom -, saiu apressada da lanchonete, deixando um Beto boquiaberto e surpreso ante as informações últimas recebidas.

“Ela topou, topou. Uau! Mas, por que saiu tão apressada?” Beto não encontrava razões para a saída repentina de Nayara, mas estava tomado de uma felicidade tamanha que quase ia esquecendo de pagar a conta. Foi para casa radiante com a possibilidade de trocar umas idéias mais avançadas com a dona de seu coração.

IV

Quando chegou a sexta-feira, Beto acordou já sonhando com o encontro daquela noite. Seu coração disparado sabia-se flechado pelo cupido do amor. Mas o murchar do sol no horizonte com os sinais de chuva que avançaram tarde adentro, trouxe outras notícias que não desejava ouvir. Ao passar na calçada em frente ao seu prédio, na volta da franquia de perfumes onde fora comprar um ‘Sintonia’ para Nayara, ouviu uma voz suave que lhe chamava. Era Nayara, que debruçada na janela de sua casa, o chamava insistentemente. Que doce voz. Que música era ouvir seu nome pronunciado pelos belos lábios da amada de seu coração.

E quando chegou ao portão da casa da jovem, mais disparado ainda ficou seu coração, quando ela o convidou a entrar jardim adentro e acercar-se da janela onde ela, debruçada sensualmente, exalava um perfume suave que se confundia com o perfume da roseira em flor no jardim de sua casa. No frescor de um banho que acabara de tomar e na leveza do conjuntinho de malha que encobria seu corpo, Nayara transpirava sedução e o coração de Beto não dava garantias de se conter em seu corpo estrepitoso.

- Como és linda, amada minha!

E Nayara, novamente pega desprevenida enrubesceu fremente diante do jovem que já estava mexendo com suas entranhas sonhadoras. E Beto tomando as mãos da moça nas suas, balbuciava apaixonadamente:

- Como são finas e bem tratadas estas mãos que as minhas retém. Delicadas mãos que conservam a suavidade e a meiguice da amada de meu coração. Os tecidos mais preciosos não se comparam a delicadeza de seu toque e os perfumes que emanam de seu corpo me entontecem.

A jovem encontrou forças para retribuir as palavras carinhosas do amado que já começavam a causar efeitos positivos em seu coração.

- São seus olhos, Beto. É seu coração. A beleza do seu interior o faz enxergar-me mais do que sou, e a beleza de seus sentimentos dão beleza a tudo que sua alma põe a visão.

E enquanto Nayara pronunciava tais palavras, o coração enamorado de Beto batia no compasso de canções de amor que os anjos faziam vibrar na sua alma. Apertou levemente os dedos da amada em suas mãos, intentando penetrar mais fundamente nas constelações de estrelas luzentes que o brilho da amada projetava em seu olhar.

Nayara não passava de uma frágil adolescente, nos seus dezesseis anos, de um rosto puro e angelical, cabelos compridos bem aloirados, corredios e brilhantes que lhe caíam pelos ombros como um véu. Mistérios inexplorados como dos grandes lagos sagrados que escondem segredos imemoriais pareciam refletir de seus grandes e penetrantes olhos verdes. Sua boca, grave e triste naquele instante repentino de observação de Beto, apresentava curvas encantadoras, onde lábios bem torneados expunham jovialidade e sedução.

“Que sombra passara na fronte de Nayara agora, para seus lábios se contraírem e apresentarem uma tristeza fugidia?” Perguntou-se Beto no mesmo instante em que, simultaneamente, segurava as mãos da moça e a observava extasiado do posto privilegiado de observação ao pé de sua janela. Largando momentaneamente as mãos de Nayara, e distanciando-se a meio metro para poder melhor observar a totalidade da amada que estava a sua frente, emoldurada pelas janelas azuis de seu quarto, Beto indaga:

- Vais encontrar-me hoje à noite no Shopping?

O olhar triste de Nayara pousou nas gramíneas rastejantes que se espalhavam por todo o quintal e após este ligeiro passeio de tristeza, voltou a repousar sobre Beto, para acompanhar o que tinha a lhe dizer:

- Infelizmente não! Foi por isso que lhe chamei insistentemente agora a pouco. Minha avó não está passando bem e precisarei ficar com ela, para atendê-la em alguma necessidade.

O semblante de Beto transmudou-se repentino. Do êxtase de felicidade pelo encantamento da presença da amada, para a frustração da notícia que lhe afastava o objeto de seu desejo em noite tão esperada. Mas Beto percebeu logo que não poderia deixar-se tomar pela tristeza. Disfarçou o máximo que pode sua decepção e procurou relevar a situação, não deixando transparecer para a amada qualquer sentimento ruim. Resignou-se e recriminou-se. Não estava ele desfrutando da possibilidade de um sonho? Já não estava tendo acesso àquela que lhe roubara o coração? Que queria mais dessa vida, se não a atenção daquela que agora estava a um toque de suas mãos? Beto concluiu ser o homem mais feliz do mundo!

Tomando a mão esquerda da amada em suas mãos, queria a mão do coração para que ela fosse a condutora de seus sentimentos até o coração de Nayara, depositou o mais terno e afetuoso beijo que poderia dar, olhando em seguida para os olhos embaraçados da jovem que estava prestes a se derreter de amor para com ele. Com olhos embaçados e voz embargada, Nayara simplesmente balbuciou algo como “até breve” sussurrando do coração palavras de carinho que Beto imaginou ser “meu amor”. As mãos de ambos acenavam enérgicas e felizes nas despedidas daquele encontro.

V

Tendo desaparecido do outro lado da rua, Beto nem percebeu que Nayara ficara dominada por uma perturbação indescritível, sendo só acalmada pelo bálsamo sagrado do silêncio do coração que somente a solidão de um coração que ama pode experimentar. Tão logo ficou só com seus sentimentos, Nayara descobriu-se amando ao identificar o toque de Eros em seu corpo, tal como a sensação úmida do orvalho matinal que adentra escorregadio o coração da flor. Lançou-se solta e benfazeja sobre sua cama, depois de fechar as janelas, e adormeceu com um sorriso nos lábios. Em seu leito virginal sonhava, enquanto miríades de anjos e estrelas salpicavam de brilho e festa seus sonhos nas asas de ouro do pensamento primitivo do amor.

Quando chegou a casa, Beto encontrou seus pais esperando-o, como se já tivessem acertado entre si uma conversa com o jovem. De há muito que os progenitores de Beto o vinham observando e percebendo as mudanças que se operavam no dia a dia do moço. A preocupação momentânea que tinham com ele, poderia ser desfeita se a conversa pretendida tivesse êxito.

- Como vai, Beto? Surpreso por nos encontrar a esta hora em casa?

O jovem consentiu com leve menear de cabeça e quis saber logo a razão da gravidade e da solenidade do encontro.

- Ah, não é nada. Vai ser só uma conversa à toa, para colocarmos em dia alguns assuntos...

O pai tentou descontrair o ambiente, mas o terno preto que usava com gravata escura de detalhes laranja, em relevo, tornava-o ainda mais grave. Tão logo percebeu a gafe, retirou o paletó e apoiou-o no recosto da cadeira.

- Bem, filho, queremos saber como está seu coração... Disse a mãe.

- Mas a senhora não viu os resultados de todo o check-up que fiz na semana passada? O médico disse que estava tudo legal...

Beto queria ganhar tempo, mudando o foco da conversa que ele já pressentia ser sobre sua amada vizinha. Ambos os pais riram e Seu Bartolomeu Castanheda retomou a conversação:

- Você está ficando cada vez mais espirituoso, meu filho. É a paixão, não é? Fala a verdade, você está amando alguém meu filho?

O jovem se encolheu, mas decidiu-se por contar toda a verdade. Foi uma longa conversa, quando os pais puderam expor seus pensamentos e alertar o filho quanto aos estudos que pretendia fazer na capital já para o ano seguinte. A mãe resumiu todo o proveito daquela conversa familiar inspiradora:

- Filho, saiba que você sempre poderá contar com seus pais, para o que der e vier, e que nosso desejo sempre será sua felicidade e realização como indivíduo e profissional. Tenha sempre sabedoria no lidar com as questões do coração. Saiba dosar razão e emoção e você será feliz!

Beto recebeu beijos e abraços calorosos dos pais e sentiu-se protegido em uma família que sabia dar carinho e amor aos seus. Era com esse background afetivo que ele pretendia iniciar seu relacionamento com Nayara e torná-la uma mulher feliz.

- Estás, então, resolvido a investir todo seu sentimento e energia para conquistar essa moça?

- Sim, mãe.

- E já tem algum vislumbre de que ela goste de você?

- Tenho, um pouco, pois ela tem sido muito amiga e companheira.

O pai interveio:

- E seu futuro?

- Ambição não possuo... e, mesmo é mais prudente ter mais amadurecida as questões do coração, pois o que é material sempre se pode suprir com outras coisas...

Um breve e gozoso sorriso de satisfação percorreu os lábios do pai, por debaixo do grosso bigode que o tornava ainda mais hilário. Seu Castanheda sabia o filho que tinha e orgulhava-se disso. Estar disposto até mesmo a abrir mão, mesmo que temporariamente, dos estudos que poderiam lhe garantir seu futuro, para ter certeza de que sua vida afetiva estava segura era um gesto nobre da parte de Beto.

- Foi por Nayara que você resolveu escrever aquela carta para a Universidade?

- Sim, por ela, a quem meu coração está atrelado eternamente e a quem eu amo mais do que qualquer outra coisa ou criatura neste mundo...

Beto escrevera uma carta para a Universidade solicitando informações sobre se poderia garantir a vaga para o ano seguinte, caso decidisse por esperar mais um ano antes de ingressar na Faculdade de Direito. Como o reitor conhecia seus pais, ligou para eles, dando ciência do ocorrido. Daí a razão daquele encontro surpresa. O pai simplesmente disse:

- Oh! Que alegria!

- Está, assim, tão alegre mesmo, pai?

- Sim, porque dessa forma posso ter uma demonstração clara e inequívoca de que meus esforços e de sua mãe em repassar-lhe valores espirituais e morais não estão perdidos.

- Casarei com ela, pai, e serei feliz!

E Beto saiu correndo e saltitante para seu quarto, onde trancou a porta e ficou a olhar a casa da frente, na espreita de uma silhueta que não parava de dançar harmoniosamente na retina de sua alma.

VI

No outro dia, ao acordar bem cedo, Nayara estava tomada de uma sensação diferente, tal qual nunca sentira. O romper da aurora trazia ventos de esperança, mas seu coração inquieto hesitava entre o desabrochar do amor e a incerteza da paixão avassaladora que se desenhava em seu corpo virginal.

Ao olhar-se no espelho de seu quarto, não gostou do que viu e, ajeitando os lindos fios de cabelos loiros, trançou com eles duas belas cordas que enfeixavam fios doirados, tais quais Julieta seria capaz de devotar ao seu amado Romeu. Se teve todo o cuidado do mundo para trançar os fios loiros do cabelo; redobrada atenção dedicou em embeber as tranças num óleo aromático e dispô-las simetricamente em volta do pescoço, deixando as pontas caírem sobre os seios ardentes.

Tomou um vestido fino de seda da Índia e deixou-o assentar-se em seu corpo nu, como quem desejasse fazer do fino traje a extensão do seu amor. A seda branca, com detalhes em azul turquesa e fios prateados, apresentava bordados divinos que delineavam com fidelidade cada parte dos contornos harmônicos, tendo um cinto do mesmo tecido a moldar-lhe a cintura e realçar sua beleza.

Em seu quarto, solitária, Nayara refletia sobre sua nova condição já que a avó doente lhe obstruía o caminho e exigia dela maior reclusão. Não havia combinado nada com Beto sobre vê-lo nesse dia, só lamentava consigo mesmo o que poderia ter sido o encontro da noite anterior no Shopping, quando o amado lhe faria declarações enaltecidas de afeto e carinho e seu coração se regozijaria nas belas palavras que o amado tinha para lhe dedicar.

Enquanto pensava tais coisas - absorta num certo tom de saudade que a ausência de Beto já lhe fazia sentir -, ouviu um barulho fortuito no jardim e olhando em direção à janela pensou perceber uma sombra movimentando-se e uma silhueta de homem a deslocar-se sorrateiramente.

- É você, Beto?

Não houve resposta a sua indagação, por isso insistiu:

- Apareça meu amor. Sou como uma rosa no canteiro do amor.

E enquanto falava tais palavras, dirigia-se até a janela na convicção de que era Beto quem estava no jardim, preparando-lhe alguma surpresa que ela ainda não conseguira decifrar. Chegou as cortinas para o canto, escancarando a janela e permitindo que uma golfada refrescante do ar da manhã invadisse o ambiente. Qual não foi sua surpresa ao ver Beto semi-escondido, com as mãos para trás e um ar de moleque no rosto sorridente.

- Surpresaaaaaa!

E Beto estendendo a mão que escondia por trás de seu corpo apresentou-lhe um lindo presente. Era o perfume que havia adquirido para a amada. Ela tomou-o nas mãos embevecida e tímida.

- Esperavas-me, Nayara?...

A moça baixou os olhos e enrubescida olhou para o próprio corpo como a dizer que não estava em trajes adequados para receber alguém. Mas exatamente na beleza e suavidade daquele vestido sensual Beto viu uma oferta de amor e graça para seu coração apaixonado.

- Esperavas-me?... A felicidade que sinto neste momento não tem comparação com nada que já tenha vivido até hoje!

- Não paro de pensar em ti.

Beto sorriu satisfeito com aquela singela demonstração de afeto e desejou ardentemente estreitar o corpo da amada junto ao seu. Mas havia uma janela que os separava e uma certa altura que os distanciava e algumas conversas que ainda não haviam sido entabuladas. Ela interrompeu seu olhar sonhador que vagava pelo universo da paixão.

- Ainda não falei com vovó sobre você. Hoje ela acordou um pouco melhor e acho que vou abrir meu coração com ela a seu respeito. Por que você não me liga depois do almoço? Por volta de treze horas?

- Farei assim, querida.

E estendendo a mão para pegar a pequena tira de papel onde ela escrevera o número do telefone, não resistiu e reteve aquela preciosidade por mais tempo entre a sua mão, sentindo o contato suave daquele corpo que lhe apetecia e lhe convocava os mais fortes desejos e paixões, revolucionando seu interior como se um rio caudaloso de amor tivesse passado sobre si. Beijou com vagar a mão da amada, sentindo o perfume que lhe dera e que ela já experimentara nas costas da mão. Despediu-se.

- Até breve, querida!

VII

Enquanto olhava Beto afastar-se pelo caminho de pedras que se alongava por entre os jardins, o coração de Nayara experimentava uma forte sensação de abandono, como se tivesse encontrado o amor da vida e nada mais pudesse impedir a realização dos seus desejos ocultos.

Mas logo-logo deixou o sonho na percepção da realidade. A jovem retomou as atividades caseiras e envolveu-se de tal forma nos compromissos que tinha para com a casa, com a preparação do almoço, e com o atendimento à sua avó em sua higiene pessoal e mesmo na administração dos remédios, que nem sequer notou a passagem do tempo e o avançar das horas. Quando se deu conta, estava a lavar as louças do almoço e a guardar os últimos potes na geladeira.

Dirigiu-se, após enxugar as mãos e retirar o avental florido que utilizara, para o quarto da avó e espiou para saber se estava acordada.

- Vó! Vovó!

A jovem chamou a avó para ter certeza de que ela estaria acordada. Não queria incomodá-la, por isso não imprimiu volume ao chamado. Mas, uma voz tênue e opaca respondeu:

- Sim, minha filha. Entre.

Nayara entrou pisando em ovos e acercando-se do leito da avó disse-lhe:

- Queria conversar uma coisa com a senhora...

- Já até imagino!

A jovem fez cara de surpresa e apreensão com as palavras da avó.

- Não precisa ficar assustada. Ou será que você não sabe que tenho percebido a modificação de seu comportamento nos últimos dias? Minha netinha, já tenho experiência suficiente de vida para saber o que está acontecendo com você!

Nayara arregalou os seus grandes olhos verdes, que naquele instante tornaram-se ainda maiores, como se desejasse enxergar logo toda a insinuação da avó com relação aos segredos do seu coração. Mais assustada ainda ela ficou quando a avó perguntou:

- Qual é o nome dele?

Nayara precipitou o olhar para o sinteco do chão, e mais enrubescida que um tomate maduro, desconcertou-se sem palavras diante da avó a quem respeitava com uma reverência sagrada, por tudo o que ela fizera para ela. A avó percebendo como a netinha achava-se sem graça, tomando-lhe as mãos nas suas, disse:

- Não precisa ficar assim querida. Vovó tem todo o apreço do mundo para com você e deseja que você seja intensamente feliz. Tenho observado seu comportamento nos últimos dias e como você está mudada, feliz, com um ar de alegria e exaltação que quando a vejo andar pela casa em suas tarefas é como se uma linda borboleta estivesse revoluteando pelos ares, carregada de leveza e beleza, em cores multifacetadas que enchem os olhos e agradam a alma.

E a bondosa senhora tomou fôlego para mais uma investida:

- Isso é normal! É resultado de um coração amante e, desde, que notei as mudanças em seu comportamento, deduzi logo que seu coração havia sido flechado pelo amor.

- Você não está triste, vovó?

- Como estar triste minha filha, se a sua felicidade é a minha felicidade?! Meu coração sabia que a qualquer dia isso iria acontecer. Você não é mais uma criança! Você cresceu, sua cabeça mudou, seu corpo ganhou novas formas e percepções hormonais e além do mais, você se fez uma linda mulher, agradável aos olhos e os garotos da rua devem estar todos paquerando você. É ou não é verdade?!

Novamente os tons róseos tomaram conta do rosto de Nayara que sorriu tímida...

- Pois bem, querida. Diante desses novos fatos da vida que se apresentam a você, só lhe peço que tenha muita sabedoria em resolver as questões relativas a relacionamento afetivo em seu coração. Não se deixe levar pelo impulso e não faça nada de que você venha a se arrepender mais tarde. Você está numa fase da vida de muitas escolhas. As escolhas acertadas que você fizer agora vão conduzi-la à vitória. As erradas também vão acompanhá-la por toda a vida e constituir-se-ão fracassos que nem sempre deles nos livramos.

Nayara ficou pensativa com s palavras da avó que interrompeu o silêncio com a pergunta que não queria calar:

- Qual o nome dele?

- Beto. Roberto Villas Boas.

Balcuciou Nayara, sentindo os lábios repicarem um no outro, no leve tremor que passou por ela naquele instante de revelar o seu secreto amor para a avó. Era a primeira vez que admitia que o amava. E aquela sensação de estar amando alguém se tornou ainda mais verdadeira naquele instante em que sentia convicta a aprovação da avó para os desígnios de seu coração.

- Ele é gente boa? Mora onde?

- É nosso vizinho. Um rapaz muito decente, estudioso e bonito. A senhora vai gostar dele...

Mal terminou de pronunciar estas palavras, o telefone tocou. Seu coração disparou na lembrança de que Beto ficara de ligar. E se fosse ele? O que faria? Intencionou atender na sala ao chamado, mas a avó não permitiu:

- Atende aqui mesmo!

Deveria obedecer. Foi o que fez.

- Alô! Alô! Alô!

Nayara repetiu pausadamente a onomatopéia, enquanto seu coração disparado parecia querer saltar do corpo. Do outro lado, um feliz Beto paralisava-se ao ouvir a bela voz da amada, enquanto a moça pensava: “É você, Beto? Responda, por favor!”

- Alô. É da casa de Nayara?

- Sim!

E um sorriso largo formou-se no coração de Nayara que tapando o gancho do fone sussurrou para a avó:

- É ele!

Um longo silêncio se fez no ambiente enquanto a jovem atenta ouvia as palavras românticas de um apaixonado Beto. As expressões de regozijo que se estampavam em sua face denunciavam toda a alegria daquele momento, interrompido somente pela observação derradeira da jovem:

- Você sabe que eu penso da mesma maneira...

Em seguida, dirigindo-se para a avó, perguntou:

- O Beto pode vir aqui em casa daqui a pouco? A senhora gostaria de conhecê-lo? Deixa ele vir, vovó, deixa.

A avó consentiu com um leve aceno de mão e a moça desligou o fone depois de combinar com o Beto sua vinda mais para o final da tarde.

- Vovó, a senhora vai gostar de conhecê-lo. É um excelente rapaz!

A avó deliciava-se silente na alegria da netinha. Do seu leito de enfermidade torcia para que o tal de Beto fosse tudo aquilo que os olhos e o sorriso de Nayara transmitiam.

VIII

Eram quase seis da tarde quando o forte som da campainha ecoou casa adentro. Nayara ajeita a roupa, verifica seu visual no espelho da sala, e corre célere ao encontro do amado que se antecipa a ela e já está caminhando pelas pedras do jardim. Recebe-o gostosamente, pela porta lateral da residência - uma antiga casa de fazenda que fora preservada em meio aos arranha-céus do bairro -, na expectativa de um contato mais caloroso com o amado.

Um exuberante buquê de flores silvestres é estendido em direção à jovem que pronuncia um gritinho de euforia e deixa sua face banhar-se de alegria. Com extrema confiança na sinceridade do amado, Nayara levanta para ele os seus enormes olhos verdes, tomados de um carinho afetuoso, e quando o corpo tremente de Beto se aproxima do seu e os lábios do rapaz que ama se insinuam para dar-lhe um suave e amoroso primeiro beijo, não o repele, ao contrário, o recebe com a paixão e a ternura da mulher que ama e sabe ser amada.

Enquanto apertava com alegria esse enorme peito musculoso do rapaz junto a si, sentia o palpitar de emoções que tumultuavam sua mente. Tinha consciência de sua fragilidade como mulher e sabia da sua condição de menina órfã, criada pela avó, com poucos recursos financeiros e que, mesmo consciente de sua beleza física, não nutria grandes pretensões quanto a casamento. Beto, de família abastada e um futuro promissor era-lhe a sorte grande, tirada da cartola na hora certa, que lhe acenava com esperanças nunca dantes almejadas e sonhos sequer sonhados.

Ao apertar o peito do amado junto ao seu, e sentir os lábios de Beto repousarem langorosamente num beijo cheio de paixão intensa, sentia uma proteção que nunca sentira e uma alegria que lhe assomava o corpo e a extasiava por inteiro causando uma revolução interna sem tamanho nem medida. Nayara respirava agora o mesmo ar que Beto. Era o ar que os amantes respiram solidariamente, ao juntarem suas faces no encontro do beijo feliz e partilharem da intimidade de dois corpos que se atraem e se querem mutuamente.

Um aroma de âmbar saía dos cabelos loiros de Nayara e Beto deixava-se embriagar por aquelas emoções. Os lábios de Beto percorreram também os cabelos da amada, numa silente sensação de entrega e abandono junto aquela que escolhera para amar. Parecia inacreditável que tinha o corpo da amada neste instante junto ao seu. Sob o tecido delgado do vestido que ela portava, o corpo de Nayara se esculpia graciosamente, despertando intensas volúpias em Beto. Como rebentos cheios de seiva, despontando da árvore dos desejos, os seios da jovem pontuavam por sob o vestido fulgurante que trajava.

Uma frescura jovial como a primavera de encantos mil emanava de Nayara e o jovem pressentia os idílicos momentos que a amada lhe propiciaria. Mas, um limpar insistente de garganta proveniente do quarto da avó, os trouxera de volta a realidade.

Tomando o buquê nas mãos, a jovem simplesmente disse:

- Vamos, acabe de entrar. Minha avó está esperando você e quer conhecê-lo.

Beto adentrou o recinto sagrado do lar de Nayara e orientado pela moça dirigiu-se aos aposentos de Dona Ephigênia ainda com um pouco de receio acerca de como se daria aquele encontro, nas formalidades de duas famílias que se aproximam e de sentimentos que envolvem o coração de pessoas que se amam.

A simpática velhinha o recebeu tão bem que Beto descontraiu-se logo nos primeiros contatos. O rapaz foi ganhando a confiança e a desenvoltura necessárias para se expressar e mostrar a inteireza de seu coração e a veracidade de seus sentimentos.

O jeito como a avó olhava para o rapaz, lidava com ele, perguntava sobre sua vida, não só aparentava uma intimidade como se fora de velhos amigos, mas também emitia sinais de que Beto passara no teste e estava inteiramente aprovado para namorado da netinha. E o coração de Nayara estava exultante com todos estes acontecimentos.

Um beijo afetuoso de Beto na avó de Nayara selou a amizade e o acordo de respeito e proteção que a velha senhora pedira ao apaixonado rapaz para com sua neta. Saíram do quarto e foram direto para a cozinha experimentar o delicioso lanche e a gostosa sobremesa preparada pela jovem para o visitante ilustre.

Os dois estavam felizes como dois pombinhos amantes no encontro do sentido para a vida. Na simplicidade da casa de Nayara e dos jeitos da moça e da singeleza do momento com o compartilhamento de mundos tão díspares quando ela atinava para a pobreza quase que iminente de seu lugar, diante da opulência e riqueza de seu amado já percebida nas roupas de grife e na elegância de seu porte, via-se que a comunhão que se estabelecera entre os dois, fugia aos estereótipos mais convencionais do amor moderno, onde dinheiro e bens, status e poder se associavam numa luta insana para conquistar corações e fabricar relacionamentos de fachada.

O que se via ali naquele compartimento da casa era a união de dois mundos num só; o transbordar exultante de uma alegria incontida que extravasava de corações amantes. Nayara e Beto sabiam ser só deles a felicidade. Após uma longa carícia, Beto perguntou inseguro:

- Então, você quer casar comigo?

A jovem assustou-se com a pergunta direta, esquecida de que já tivera demonstrações anteriores desse jeito impulsivo e franco do rapaz.

- Bem sabes como eu te quero!

- É verdade!... Ah, como teus beijos e teu olhar me embriagam de forma extraordinária. Nos teus braços perco a consciência... Por isso não quero partir para a capital sem a certeza de seres minha.

- Você já tem alguma situação nova por lá?

- Sim, passei no vestibular e só estou dependendo de fazer a matrícula para garantir meu ingresso na Faculdade de Direito.

- E como fica a gente?

- Estarei todo fim de semana aqui. Vamos deixar que este primeiro momento nos leve a confirmação de nossos projetos e, assim que você terminar seu Ensino Médio no ano que vem, podemos tomar alguma outra decisão que seja de nosso interesse.

O coração de Nayara estava apertado e sua respiração, entrecortada de suspiros profundos, denunciava toda a carga de emoção que aquele diálogo traduzia.

Beto sentia o ardor rubro do desejo que lhe dominava o corpo, e sem que Nayara protestasse, sufocou-a com um beijo ardente tal como desejara de há muito oferecer-lhe. Todas as dúvidas e incertezas quanto ao futuro se dissiparam naquele instante de afeto e os céus responderam concordes com uma chuva torrencial que despencando do firmamento, produzia sons estridentes sobre o antigo telhado colonial da casa da jovem.

O corpo esbelto e flexível de Nayara junto ao seu, produzia em suas carnes frementes um desejo ardente de senti-la ainda mais e Beto a estreitava junto de si, aumentando o desejo e tornando mais significativa a sua paixão. Beto não queria ser audacioso, embora o corpo belo e perfumado da amada lhe inspirasse emoções fortes e desejos intensos sobre os quais não sabia-se de todo capaz de controlar.

Pousou novamente seus lábios naquela boca sensual que ávida deixava-se conduzir em um beijo ardente. Sentia o hálito virginal daquela que com lábios trementes se oferecia aos encantos do amado. A lua que emergia por detrás do manto negro de um céu estrelado após a limpidez provocada pela chuva, testemunhava candidamente dos enleios sinceros daqueles corações amantes. Beto aproveitou o momento para dizer à amada o que ainda não pronunciara em palavras:

- Nayara, meu amor! A quero mais que o Sol pelo aconchego das montanhas no cair da tarde; mais que as águas pelo leito do rio onde possa chacoalhar-se com vida e regar o mundo; mais que a semente pelo solo fértil onde possa encontrar abrigo para germinar e fazer dos campos um painel colorido de flores e frutos; mais que a criança pelo regaço acolhedor da mãe, onde concilie seu sono após o aleitamento reconfortador da saúde. TE AMO!

Os verdes olhos da moça estavam lacrimejantes de amor ao ouvir o sussurrar do amado nos seus ouvidos destreinados. Tinha certeza de que a partir de agora, seria objeto de um amor puro que só recebe quem doa, só tem quem partilha. E da mesma forma que se extasiou no encanto da declaração do amado, juntou forças para devotar-lhe a mesma inspiração. Recostou-se no peito de Beto e, inebriada pelo sopro magnético do amor, replicou:

- Também quero que saibas que o amo! Sou como a rosa que nasce fechada como um botão promissor, mas que na medida em que alcança a maturidade vai se abrindo para as percepções encantadoras da Natureza. Você é o jardineiro do meu coração e nele terá todo o tempo do mundo para cultivar o que seus sonhos e ideais propuserem. Seremos felizes juntos, pois o amor se compartilha no amor, a felicidade na felicidade e a esperança na esperança.

O casal enamorado selou a noite dos deuses com um beijo ardente de paixão em cujos corpos frementes Eros depositava, a cada dia, a volúpia de um desejo incontido que buscava sua plena realização.

IX

Era um sábado. 24 de setembro de dois mil e cinco. Início da primavera. O Dr. Roberto Arinos Patrocínio Villas Boas tinha obtido há poucos dias o registro da OAB como o mais novo advogado a ser autorizado a exercer a profissão no tumultuado e competitivo mercado da Grande São Paulo. No final do ano anterior, completara com louvor a Faculdade de Direito. Seus pais estavam orgulhosos do filho querido. Mas havia um motivo mais contundente ainda para a alegria da família. Dr. Roberto iria casar-se.

O Templo estava repleto de parentes e amigos. A beleza da decoração, e o sorriso estampado no rosto dos convidados, revelavam a alegria do momento solene. Junto ao altar, Beto aguardava ansioso a chegada da noiva.

Uma carruagem cenográfica estaciona em frente ao Templo. Parecia um conto de fadas. Dela sai a mais linda jovem que o Brasil viu nascer. Num vestido importado de Paris, Nayara, desce amparada pelo ajudante de ordem e empertigando-se no tapete vermelho estendido desde a rua, caminha solene dando os passos solitários da realização de seus sonhos de mulher.

Uma princesa. Bela, como igual ainda não se vira. Feliz, como só os corações que amam podem ser sem as pressões das injúrias e dos ódios da sociedade. Cursando o terceiro ano da Faculdade de Psicologia, a jovem dera um tempo nos estudos para concentrar-se nos preparativos do casamento. Tão logo possível retornaria para a obtenção do Diploma e início de sua carreira profissional.

Quando disse “sim” para o Beto e ouviu dele o seu “sim”, um beijo romântico do amado fez Nayara transportar-se para a ilha de Fernando de Noronha, onde as escolhas do melhor hotel e das melhores locações propiciariam ao casal a Lua de Mel que só tem direito quem ama de verdade. Ainda de olhos fechados, recebendo o beijo do amado no altar da aprovação de Deus, a jovem transportava-se feliz para o prazer que viveria dentro de poucas horas.

Nayara e Beto formaram um par sinônimo de amor.

Se possível fora nunca mais abriria os olhos, entregue que estava nos enleios afetuosos do amado seu...

ALEX GUIMA
Enviado por ALEX GUIMA em 21/12/2005
Reeditado em 13/01/2024
Código do texto: T88978
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