Adeus Eloá

1ª Parte

Eloá era uma moça de classe média, estudante de curso médio no Ginásio Três de Agosto, seus pais tinham bancos de confecções na feira livre. Mesmo não se tratando de uma moça de classe abastarda era bem educada e se dava ao luxo de ser uma jovem de rara beleza. No auge de sua mocidade, 16 ou 17 anos, tinha boa altura; corpo sinuoso; cabelos negros nos ombros; olhos castanhos; boca carnuda e olhar pungente e apaixonante. Quando não estava estudando, Eloá costumava ajudar seus pais no pequeno negócio de confecções na Praça da Bandeira.

Abílio era um rapaz pobre, morava no Engenho Galiléia onde seus pais tinham um pequeno sítio e viviam, com dificuldades, do cultivo de hortaliças. Abílio chegara a estudar um pouco, lia de forma razoável e escrevia com alguma dificuldade.

Com 15 anos, trabalhava o dia todo no sítio e por algumas vezes tentou estudar a noite, mas o cansaço da labuta diária não lhe permitia grande aproveitamento e sempre desistia. Como sempre ocorre com as pessoas da Zona Rural, tinha estatura mediana, era magro e com a pele queimada pelo sol. Os jovens de sua idade, mesmo nos sítios, costumavam ter uma bicicleta, um cavalo, mas Abílio sequer tinha uma “roupa boa” para passear na cidade. Era um jovem triste. O bem que possuía era “Fiinha” e uma gaiola. “Fiinha” era uma patativa, daquelas goladas que cantam sem parar. Abílio adorava aquela patativa; ela cantava para seu deleite. Nos domingos pela manhã costumava dedicar-lhe horas de atenção e ela em recompensa, cantava ininterruptamente.

Ocorre que certo domingo, por puro infortúnio, ele resolveu segurar sua “Fiinha” entre as mãos e quando lhe acariciava as penas as mãos se abriram num passe de mágica, e sua patativa tomou vôo e partiu para uma terra distante.

Acometido de grande tristeza e desgosto, Abílio resolve abandonar o sítio e a casa de seus pais para tentar uma melhor sorte na cidade.

Pede abrigo a uma tia, dona Marlice, moradora do Bairro de Redenção, pessoa de boa índole, enfermeira de um hospital local e mãe de duas moças muito bonitas, cobiçadas pelos rapazes da redondeza. dona Marlice reluta um pouco em aceitar o jovem rapaz em casa, teve medo de expor suas duas morenas, mas aceitou. Abílio se alojou num quartinho no final da casa. Pequeno, mas acomodava bem; tinha até banheiro. Para quem vivia no sítio aquilo parecia um paraíso. Abílio parte então em busca de emprego.

Não demorou muito e conseguiu trabalhar numa borracharia ganhando pelos pneus que consertava. Muito pouco, pois pretendia ajudar a sua tia nas despesas de casa e quiçá, mandar um dinheirinho para seus pais. Lá na borracharia conseguiu fazer alguma amizade, pois tinha facilidade para conversar, fazer amigos. E dado dia um freguês lhe convidou a trabalhar como vendedor numa lojinha da feira. Era uma lojinha de confecções na Praça da Bandeira.

Começando novo emprego, Abílio começou a fazer o seu caminho de forma que passava na frente do local onde os pais de Eloá negociavam. E dias se passaram, e Abílio sempre passava pelo mesmo local. Certo dia, ao voltar do trabalho, Abílio percebe que uma moça sempre o observava à distância. Ele gostava. Mas, tímido, fazia que nem via.

Contudo, como ninguém é de ferro, Abílio resolve passar pertinho da moça e cumprimentar, no que ela não se fez de rogada. E daí por diante, todas as vezes que ele passava ela se aproximava, surgia aí uma grande amizade. Com o passar dos dias Abílio vai tornando mais solto e chega a acompanhar Eloá até a sua casa, lá para as bandas de Maués. Eloá, moça nova, da cidade, não tem muito que conversar a não ser as coisas da televisão o que não interessa muito a Abílio. Já Abílio encantava Eloá com suas estórias do sítio. Das aventuras de seu pai que sempre caçava o maior “bicho”, que no rio pescava o maior peixe, que seu cavalo corria mais que os do outros. Eloá, às vezes, demorava horas na calçada proseando com Abílio. Abílio lhe contava que viu a ”Caipora” fazendo tranças nas crinas do cavalo de seu pai; que viu o Saci Pererê roubando o cachimbo de sua mãe para fumar na mata. Eloá adorava seus contos da Carochinha.

Com o passar do tempo Abílio vai se apaixonando por Eloá que parece não entender os seus sentimentos. Mas Abílio, mesmo sentido o seu coração completamente flechado por aquele olhar pungente de Eloá, não tinha coragem de falar do seu amor por ela. Eloá, por sua vez, sentia grande amizade por Abílio, mas longe de ser uma paixão. Mas os encontros de Abílio e Eloá vão se tornando cada vez mais íntimos e a paixão de Abílio cada vez mais se acentua. E cada vez mais Eloá gosta de Abílio, chegando às vezes a procurá-lo para conversar no seu local de trabalho. E já se encontravam para conversar todas as noites. Abílio já freqüentava normalmente sua casa e desfrutava da amizade de seus pais. Meses e meses se passaram. Abílio observava que Eloá não arrumava um namorado e ele na sua ingenuidade, tava convicto que ela por ele tava também apaixonada. E assim, Abílio se achava o dono da situação. Ele não lhe falou namoro, mas ela também não namorava outro. Era uma situação de certa forma cômoda. Na cabeça de Abílio, ele já era um verdadeiro dono de Eloá. Chegava em sua casa ela corria para recebê-lo. Nunca tinham uma discursão. O que Abílio falava Eloá concordava e vice-versa. Mas Abílio nada de falar do seu verdadeiro amor por sua amada que, àquela altura, também já se sentia enfeitiçada. Mas ele não se decidia e ela, como ocorre com a maioria das mulheres se achava acanhada de falar-lhe de seus sentimentos.

Mas, como na vida nem tudo são flores e o tempo passa rapidamente, Eloá torna-se maior e resolve abandonar a casa de seus pais. E numa certa noite, Abílio chega à casa de Eloá e a sente fria, sem aquele fulgor nos olhos que he eram característicos. Naquela noite a luz da lua estava tão intensa, que beijava as pétalas das margaridas plantadas num canto do pequeno jardim. Abílio pega uma margarida pelo talo, oferece a Eloá e pergunta: algum problema Eloá?

– Não. Apenas uma surpresa para você, responde ela com os olhos a lacrimejar.

– Fala! Insiste Abílio.

- Ela diz eu vou embora. Vou para casa de um parente no sul, trabalhar e estudar.

- Mas eu te amo, retruca Abílio.

- Não acredito, nunca me falaste, responde ela.

Abílio vê tudo desmoronar em sua volta. Seu coração dispara; sua garganta arde e seu peito dói como em doença. Mas Abílio, meio tonto ainda do choque, toma as mãos de Eloá e diz nada farei para te impedir, mesmo com o coração sangrando. O amor que sinto por ti é tão grande que não me dá o direito de me sentir teu dono, agora entendo que nada nos pertence e que ninguém é de ninguém. A dor que sinto agora no meu peito não é diferente da que senti com a partida de “fiinha”, o único bem que naquele tempo também pensava que possuía. Se vais é porque tens um destino que Deus te reservou e minhas mãos não terão forças suficientes para prender-te. Leva contigo o meu amor que fico aqui com tua saudade.

E uma semana após Eloá parte não pretendendo mais voltar.

- Adeus Abílio!

- Adeus Eloá!

2ª Parte

Com a partida de Eloá, Abílio sente-se um trapo. Pois seu grande amor escapou-lhe por entre os dedos, tal qual, outrora, escapou-lhe a patativa que criava com carinho. A dor em seu peito era igual, talvês mais aguda.

A paixão de Abílio se alicerçou na amizade, na cumplicidade de duas pessoas ingênuas, sem conhecimento prático do que significa a flecha de cupido quando espeta o coração de duas pessoas. Ele foi aquele rapaz tímido, que achava que seus gestos simples eram suficientes para prender sua amada.

Acometido de grande tristeza, Abílio não vê motivos para continuar morando na cidade, os dias se tornam cada vez mais tristes com a ausência de Eloá. Abílio abandona os amigos e passa a viver uma vida isolada, limitando-se a casa e ao trabalho. Eloá sequer lhe manda uma carta para aplacar a saudade. Ele por sua vez não procura a família para saber notícias, pois, acha que foi abandonado. Mas, no fundo do coração Abílio nutre esperanças de Eloá um dia voltar.

Triste com a separação de Eloá, Abílio resolve voltar para roça e ir morar novamente com os seus pais. Acha ele que a tranqüilidade do campo, a mudança de rotina, lhe fará esquecer o passado e passar a viver uma vida diferente ao lado de seus familiares. Mero engano. Abílio pede demissão do emprego, despede-se da tia e das primas com quem morava, e numa quinta-feira chuvosa do mês de fevereiro, arruma suas coisa e parte para o sítio de seu pai no Engenho Galiléia. O ônibus deixa Abílio não muito perto de casa e é necessário andar cerca de meia hora para chegar na propriedade. Abílio caminha triste estrada a fora. Já tardinha, e ao tempo que a noite já ameaça com seu manto fúnebre, ainda se ouve os últimos acordes da voz dos passarinhos, mesmo escondidos e se agasalhando sob as folhas da jaqueira por causa da chuva que cai intermitentemente. A cada passo uma lembrança e de todos os pássaros ouve voz de patativas e em todas as flores do caminho vê os olhos de Eloá acompanhando seus passos.

Finalmente Abílio chega em casa. Ainda do lado de fora sua mãe vem ao seu encontro e abraça Abílio que tem os olhos molhados, num misto de lágrimas e pingos de chuva. O reencontro com a mãe também colabora para aquele estado de êxtase. Os dois entram em casa abraçados. Abílio cumprimenta o seu pai que já não goza de boa saúde e diz que veio para ficar ao seu lado e ajudar tomar conta do sítio e das plantações.

Após tomar um banho quente preparado por dona Zefinha, sua mãe, Abílio cansado e se considerando um lixo humano, toma sua saudosa cama e dorme profundamente pensando em Eloá.

3ª Parte

Enquanto isso em São Paulo...

O tio e o primo de Eloá a aguardam no aeroporto. O vôo marcado para chegar às doze horas já apresenta um atraso de duas. Uma quinta-feira de tarde fria, nublada, deixa tio e primo preocupados, pois o Aeroporto Internacional de Congonhas, em face de sua péssima localização e conservação, não oferecer boas condições de segurança para o poso de grandes aeronaves em dias de mau tempo.

Às dezesseis horas, com um atraso de quatro, pousa o Airbus 330 da TAM trazendo Eloá a bordo, que ao descer logo identifica seu tio e segue em sua direção.

- Benção, tio; oi Anderson.

- Seguem para o carro. Partem para casa de seu Livino, seu tio.

Anderson dirige, seu Livino puxa conversa, mas Eloá não diz uma só palavra, certamente ia lembrando dos contos de fada e histórias da carochinha que Abílio lhe contava, ao tempo que um mundo novo vai se formando em sua cabeça diante daquele amontoado de carros no caminho e arranha-céus fantásticos, com alturas a se perder de vista.

O tempo segue nublado, a temperatura desce dos dez graus e a chuva fina, mas intermitente, parece umedecer o tapete asfáltico. Uma hora e pouco de viagem chegam ao destino.

A nova residência de Eloá fica na Rua Hilário Pinto de Almeida, em Interlagos... jardins e flores a contemplar sua beleza. Um bairro calmo em relação à correria de São Paulo. Porém muito agitado se comparando a pacata cidade de Vitória de Santo Antão, berço de nascimento de Eloá. Os novos familiares de Eloá não se constituem numa família abastarda, mas levam uma vida socialmente ajustada, posto que o patriarca, seu Livino, com seus cabelos brancos denunciando seus setenta anos, é aposentado da Capitania dos Portos, onde trabalhou trinta anos como apontador de cargas. Tem um bom salário, e para complementar à renda dois táxis alugados aos sobrinhos Demócrito e Diógenes, que fazem praça no Murumbi. Dona Isaura é bem mais nova que seu Livino, aparenta uns cinqüenta e cinco anos, cabelo pretinho – pinta de quinze em quinze dias – adora ir ao autódromo dançar forro na Casa Nordestina, mas não descuida da casa, tudo é limpinho e arrumado. Os primos, Anderson e Célio trabalham no supermercado Carrefour e estudam na FUVESP. A prima, Arabelly Karla, é casada e mora do outro lado da cidade, em São Miguel Paulista. Um ponto negativo para Eloá. Não tem uma mulher com seu nível de idade na casa para lhe fazer companhia. A empregada já ta quase caducando, é Filomena, uma negra descendente de escravo, sem família e que trabalha na casa havia trinta anos, hoje apenas ajuda nos afazeres da casa como lavar as roupas, arrumar a casa, etc, com a supervisão de dona Isaura, mas é uma negra de boa índole, educada, um coração maravilhoso e ajudou criar todos os filhos de seu Livino com dona Isaura. A residência, mesmo não sendo uma casa rica é de causar inveja. Fincada no encontro das Ruas Hilário Pinto com Avenida Inácio Cunha Leme, dando a frente para represa Guarapiranga, da Sabesp, que abastece toda região, de quem recebe a brisa trazida pelo vento com o cheiro dos frondes das diversas árvores existentes em seu entorno. No inverno não se sente muito, pois o clima frio inibe. No entanto, no verão e principalmente na primavera quando as árvores estão floridas, é delicioso sentir o frescor e o aroma que de forma mágica é soprado pela barragem.

- A benção, minha tia.

- Seja bem vinda minha filha... A casa é sua.

Eloá ri, mas não parece feliz. Primos e primas vêm lhe cumprimentar. Todos desejam boas vindas. Moram próximos.

Dona Izaura leva Eloá para conhecer a casa, diversos cômodos e num corredor comprido muitos quadros pendurados com fotos da família e de amigos próximos. Parentes inclusive que Eloá dos quais nunca tinha ouvido falar. Mas a foto que mais lhe chamou atenção foi de seu avô, barbas brancas, chapéu quebrado na testa, botas de cano longo com estrelas de lado, com as esporas de prata bem atacadas e que fora proprietário de muitas léguas de terra nas cidades de Taquaritinga do Norte e Santa Cruz do Capibaribe, onde criava gado leiteiro e de corte, e abastecia as feiras da região, chegando inclusive a vender carne e queijo para capital. Fora um homem rico no passado, mas uma epidemia de febre Aftose disimou sua criação ao ponto de não conseguir mais reunir um grande rebanho e, aos poucos, seu patrimônio foi acabando, tendo morrido quase sem dinheiro. O coronel Enoc Bandeira, era um homem conhecido na região por sua valentia, não arriava seu “Tauros” de cano longo da cintura, enfrentava um touro bravo como quem enfrenta um cordeiro e era sempre visto nas campinas no lombo de seu puro sangue rudado, uma de suas paixões que não negociava por dinheiro algum. Nem os filhos ele autorizava montar. Após a perca do rebanho e tentativa de restabelecer, ainda tentou a sorte na agricultura; chegando a plantar alguns hectares de algodão, feijão e milho consorciados, mas não teve sucesso. Fazia pouco tempo que a região tinha sido castigada pela praga do Bicudo e uma outra praga popularmente chamada de “Mijão”, acabava de se instalar. Foi um período terrível para a agricultura na região do Agreste de Pernambuco. Praga e seca ao mesmo tempo.

Após o passeio pela casa e pelo jardim, dona Isaura instala Eloá no quarto de hóspede que fica mais para os fundos da casa. Um quarto grande, com banheiro, aquecedor e assoalho em Sucupira bem envernizado. De um lado uma grande estante de madeira repleta de livros para todos os gostos, sendo que os autores nacionais como: Lima Barreto, Vinicius de Morais, José de Alencar e outros, ocupavam praticamente a pequena biblioteca. Seu Livino tinha bom gosto para leitura; dava preferência aos romances; passava horas e horas sentado em sua cadeira de balanço se deliciando com os lindos contos de Zíbia Gasparetto; as poesias de Olegário Mariano ou da portuguesa Florbela Espanca. Do outro lado do quarto uma grande janela de alumínio ocupando a metade da parede. Da janela, olhando-se de lado, vê-se as árvores ao redor da represa. Não chega ver a água em razão da posição enviesada. Mas a brisa entra janela à dentro. Eloá fica no quarto arrumando suas coisas. Dona Isaura vai para cozinha ajudar Filomena terminar a janta, pois a família de Enedino fará parte da mesa como forma de dar boas vindas a Eloá. Enedino é o tio mais velho de Eloá. Vinte horas chega à família de Enedino: dona Lia; esposa e filhos: Demócrito, Diógenes, Maria de Fátima, Consuelo e o genro Zé Mamão. Pouca conversa e seu Livino os enxorta para mesa. A janta por sua recomendação, consta de galinha de capoeira à cabidela e assada, carne de bode guisada, feijão Xoxa-Bunda, arroz refugado e verdura de tudo que é qualidade; tem até beterraba, vixi!... Ah! Uma cachacinha Pitu também, que seu Livino toma com os sobrinhos. Demócrito é quem toma a lapada maior; Diógenes só faz “tapiá”, faz que bebe mas não bebe. Dona Isaura também gosta, nas evita tomar na frente da hóspede.

Com a presença de Eloá à mesa, Enedino começa a recordar a sua vida no campo junto com o pai e os irmãos que eram em quatro: Ele; Livino, o pai de Eloá e Virgínia, que morreu de parto ainda jovem.

- O pai de Eloá, conta Enedino, nunca foi de trabalhar na fazenda, logo cedo começou a negociar como mascate vendendo tecido de porta em porta e mais tarde nas feiras de Taquaritinga, Santa Cruz do Capibaribe, Caruaru, Bezerros, Pombos e Vitória de Santo Antão, onde fixa residência logo depois do casamento e continua no mesmo ramo de atividade até os dias atuais. Eu e Enedino, depois de perdemos os gados, passamos a plantar algodão, milho e feijão nas terras da fazenda deixada por nosso pai. De início tudo foi bem. Até que ganhamos dinheiro, pois tínhamos em Pernambuco muitas fábricas de tecidos para quem vendíamos nossa produção. No entanto com uma grande crise instalada no setor têxtil, as fábricas foram fechando, ao ponto de termos que vender o algodão para outros estados próximos, como: Alagoas e Paraíba. E foi isso que inviabilizou nossa produção, o frete e os insumos cada vez mais caros, a falta de financiamentos, os incentivos oferecidos pelo Governo para compra de algodão importado, que fizeram a demanda interna do produto pela indústria têxtil nacional, entrar em franco declínio e, por cima, a chegada do bicudo, responsável por sérios prejuízos à cultura. Vendemos a fazenda, dividimos o dinheiro entre os irmãos e vinhemos tentar a sorte aqui em São Paulo.

- Meu pai porque não veio? Indaga Eloá.

- Manoel, nessa época, prossegue Enedino, já estava estabelecido e morando na cidade de Vitória. Com a sua parte na venda da fazenda comprou a casa que mora e melhorou o seu comércio de confecções na feira. Eu e Livino chegamos aqui em São Paulo ainda numa época boa. Não tivemos dificuldades para conseguir empregos. Casamento também. Tivemos um grande amigo aqui que nos orientou e ajudou em tudo. Foi o nosso amigo Ananias de saudosa memória. Também de origem nordestina. Livino voltou a estudar e conseguiu emprego bom no Estado. Comigo teve moleza não, trabalhei muito até me aposentar. Mas não tenho o que reclamar, tenho uma família ajuizada e você também começa a fazer parte dessa família. Não querendo ficar aqui na casa de Livino, nossa casa também ta aberta.

- Fico muito agradecida.

Conversa vai, conversa vem, a hora avança rápido. Filomena serve um cafezinho passado na hora para todos e Enedino diz que é hora de recolher. Já passa da meia noite. Todos concordam. Dona Izaura convida Maria de Fátima para dormir com Eloá por ser a primeira noite fora de casa, ela aceita. Despedem-se. Fátima e Eloá recolhem-se ao quarto. O quarto é grande e tem duas camas de solteirão, daquelas grandes. Filomena traz roupas novas para cama de Fátima.

- Foi bom você ficar comigo, já tou com saudade de casa. Não sei até quando vou agüentar essa distância.

- Vou ajudar você a se acostumar.

Eloá explica que seu tio já conseguiu um emprego para ela no mesmo local onde Fátima trabalha, Supermercado Extra Tenda, que fica na Rua Inácio Cunha leme. Pretende também fazer um cursinho pré-vestibular para poder chegar à faculdade. Quer estudar psicologia na faculdade pertencente a USP. Fátima começa a contar a história de um filme que tinha assistido na noite anterior – Eloá ouve calada e sem Fátima perceber adormece.

Novo dia, e Eloá vai se apresentar no emprego acompanhada pelo tio que a apresentará na administração do supermercado, onde tem um amigo de pescarias na represa da Sabesp. Eloá Iniciará trabalhando na embalagem. Por sorte o dia amanhece quente, nublado, mas não chove. Vão caminhando. Deixam a Rua Hilário Pinto, atravessam a Avenida Presidente Kennedy e seguem pela Rua Francisco Gomes Figueira até atingirem a Inácio Cunha Leme e chegarem ao supermercado Extra Tenda. A rua Inácio Cunha Leme congrega todo o comercio do bairro: vários salões de cabeleireiros, duas padarias, açougues, mercados, lan house, farmácias, bazar, etc. Eloá parece um pouco acuada frente ao vai e vem das pessoas na rua. Seu Livino volta para casa e Eloá já fica trabalhando. A prima, Maria de Fátima lhe ensina os primeiros passos no emprego. Ao meio dia saem juntas para o almoço e bem na frente do mercado encontram-se com Demócrito deixando um passageiro, e ele as leva em suas casas. À tarde a rotina foi à mesma. À noite, depois do jantar, Fátima chega com Diógenes para ajudar Eloá a conseguir um cursinho e se matricular. Vão até o Cursinho Santo Antonio, na Rua Antonio da Silva Sandoval, distante para ir andando, Eloá faz a matrícula e ao saírem Fátima convida Eloá para conhecer uma amiga sua, também com familiares em Pernambuco, sendo que no Município de Flores. Trata-se de Ana Maria, um doce de criatura e que tem um comércio de lanches e refeições rápidas no Autódromo de Interlagos. Diógenes vai embora com seu carro e as duas ficam conversando com Ana no terraço. A casa de Ana é na mesma rua, distando uns quinhentos a seiscentos metros. Fátima mora na Francisco Gomes, por trás da Hilário Pinto. Vizinhas, portanto. Cerca de vinte e uma horas o tempo começa a esfriar e Eloá e Fátima despedem-se de Ana e vão para casa. Ana convida Eloá para no domingo conhecer o bairro e se coloca a disposição caso ela necessite de alguma coisa. O fato de Ana ter família em Pernambuco deixou Eloá interessada na amizade. A distância curta, vão caminhando para casa, mesmo sendo à noite. Fátima deixa Eloá em casa. Ainda sem ambiente Eloá entra em casa. Mal consegue falar de tanto frio. Fala com tios e corre para o quarto. Treme de frio e nem consegue chegar na porta do banheiro, volta e se enrola na cama com a mesma roupa que chegara da rua. Mesmo embaixo do edredom parece ta dentro de uma geladeira. É a primeira noite que dorme sozinha no quarto e aí vem a saudade de casa, as lembranças. As lágrimas lhe descem copiosamente dos olhos. Mas logo adormece. Filomena ainda arrumando a cozinha, observa que Eloá não jantou e vai até o quarto oferecer-lhe alguma coisa. A encontra dormindo, coloca mais dois lençóis sobre ela e fecha a porta. Passa a noite fria. O sábado amanhece com sol e temperatura mais agradável. O dia todo de trabalho. À noite os primos de Eloá saem para passear nas redondezas, convidam-na, mas ela prefere ficar em casa assistindo televisão com os tios. Pretende passear no domingo com a prima Maria de Fátima e a amiga Ana Maria, conforme combinado. O domingo amanhece quente e ensolarado e Fátima chega cedinho para tomar café com Eloá e depois saírem para o passeio combinado. São oito horas e caminham para encontrar Ana e a filha Cristiane que já devem ta esperando.

- Bom dia Dona Ana.

- Bom dia Eloá, essa é minha filha Cristiane, irá conosco. Mora comigo e trabalha ali na casa lotérica. Fátima como ta?

- Bem. Vamos levar Eloá para conhecer a represa?

- Vamos sim. Depois iremos ao Autódromo; o dia vai ser pequeno.

E lá se vão. Deixam para trás a Rua de Ana e tomam a Avenida Presidente Kennedy que termina na margem do reservatório. Ainda cedo do dia, poucas pessoas circulavam por ali. Mesmo muitas nuvens se formando no horizonte o dia era alegre. O campo ao redor da barragem estava florido, exalando um perfume de tom amadeirado que se espalhava com um vento suave que no momento soprava em direção ao ocidente. Nas árvores maiores os pássaros pulavam de galho em galho procurando alimento e olhando de cima para baixo aquela paisagem bucólica. Num remanso um casal de lavandeiras se banhavam baixando e levantando a cabeça, como quem dá boas vindas aos visitantes. Eloá a tudo contemplava enquanto Ana, a mais falante do camboio, ia lhe falando sobre a história do bairro e a construção da represa, uma das maiores de São Paulo.

- Para morar, esse é o melhor bairro de São Paulo, diz Ana.

Eloá presta atenção, e caminham devagar em direção a uns banquinhos plantados no pé de uma árvore de invejável fronde. Os passarinhos já começam desaparecer entre as folhas e a barragem já se enche de moleques tomando banho. As carrocinhas de pipoca, os vendedores de picolé e cachorro-quente já se aglomeram na espera dos visitantes, que, certamente, não serão poucos para um dia de sol. Ana se afasta para comprar amendoim torrado numa carrocinha e conversadeira como ela é, fica conversando com Reginaldo, o vendedor, que lhe chama para contar a história de um namoro novo que arrumou com uma freguesa de pipoca escondido de sua mulher. São conhecidos de velhas datas. Cristiane confidencia com Eloá que Ana já teve um chamego com ele, mas acabou quando soube que ele era casado. Ana retorna e sentadas no banquinho de concreto ficam comendo pipoca, observando a paisagem e se divertindo com os meninos que nadam na represa – a água não é lá muito limpa, mas dá para tomar banho. Ao longe ainda se houve algum passarinho cantando e chama atenção o cantar melodioso de uma patativa que parecia cantar com saudade ou para quem com saudade tivesse. O cantar daquele pássaro penetrava de forma mágica na alma de Eloá que parecia se transportar para Vitória de Santo Antão. Vem à saudade do pai, da mãe, das amigas, dos fregueses da feira e, sobretudo, das histórias de seu melhor amigo. Aquela patativa parecia cantar com vontade de voltar às mãos de Abílio... Daí seus olhos começarem ficar vermelhos e lábios apertarem quase que perdendo a fala. Seu corpo treme como em doença e com as mãos no rosto soluça em inconsolável pranto. As amigas tentam conforta-la, sem muito sucesso e sem saberem na realidade a razão de seu desgosto.

Eloá se controla. Vai até um pequeno riacho que corre para dentro da barragem, e banha o rosto ainda meio coberto de lágrimas. Passado o susto, Ana conta a Eloá que se ela quiser poderão fazer um passeio de barco pela represa, pois um tal senhor Herbert presta esse serviço há mais de quarenta anos e é muito seguro. Poderão ir até a Ilha dos Macaquinhos, que além de ser um passeio agradável margeando a Mata Atlântica, terão oportunidade de conhecer o templo Messiânico, conhecido como solo sagrado. Assim o fazem, tomam o barquinho e rumo à ilha. Alguns minutos represa à dentro e já se avista o templo com toda a sua pomba e beleza. - O Templo Messiânico foi erguido pelos membros de diversos países da Igreja Messiânica Mundial do Brasil, tendo como seu fundador Mokiti Okada, estando aberto a visitação pública. Tanto Eloá quanto Maria de Fátima ficam encantadas com o templo e com a paisagem em seu entorno, destacando-se o orquidário com Orquídeas de todas as cores e tamanhos; Ana e a filha já conheciam. O relógio já apontando quase treze horas, Cristiane lembra que combinaram almoçar no autódromo e terminar à tarde por lá. Tomam então o rumo da volta e não demora aportam na marina. Pagam e despedem-se do canoeiro. Bem próximo está a parada do ônibus, que não demora. Embarcam no ônibus do Terminal Varginha, descem em Rio Bonito e embarcam novamente no da Vila Mariana, que leva até o autódromo. Descem na Avenida Carlos Roberto da Silva Sandoval que vai direto ao autódromo. Seguem conversando e logo chegam ao pátio do autódromo já repleto de gente visitando. Os bares cheios, muitos jovens disputando acrobacias nos skates, grupos de ginástica se formando, muito som com a turma do samba. Um ambiente excelente para quem quer se descontrair. Eloá a tudo assiste demonstrando certo espanto. Todavia, a companhia das amigas a deixa calma e tranqüila. Ana Maria indica um restaurante nordestino para almoçarem. Trata-se de uma casa que serve comidas tipicamente nordestinas como: carne de sol na brasa, bode assado e guisado, fava com charque, feijoada, buchada, macaxeira, batata-doce, etc. Eloá aproveita para lembrar das comidas feitas por sua mãe, saboreando um “baita” prato de fava com bode guisado. Terminado o almoço, Ana leva Eloá para ver um conjunto de sanfoneiros que se apresentam ao ar livre sob os olhares de muitos curiosos, e Fátima fica com Cristiane em outro local conversando com outras moças conhecidas que também ali passeiam em busca de fisgar algum namorado. Já cerca de dezessete horas, se encontram e hora de voltar para casa. Ana aproveita e conduz Eloá até um ponto mais alto do autódromo para mostrar-lhe a represa vista daquele local. Um cenário de rara beleza.

- Vamos embora? Indaga Cristiane.

- Vamos sim, responde Ana, sua mãe.

Resolvem voltar andando. Tomam novamente a Avenida Carlos Roberto da Silva Sandoval voltando e com cerca de meia hora todas estão em suas casas. Eloá exausta, vai para seu quarto e adormece. Dia seguinte: rotina, trabalhar e cursinho à noite. E assim os dias se passaram.

Enquanto isso, Abílio continua no sítio com seus pais plantando verduras e cuidando de seus animais. Porém levando uma vida desconsolada, pouco sai de casa a não ser para trabalhar, fato que em muito preocupava a sua mãe, que não tem conhecimento dos motivos. Meses já se passavam e nada de notícias de Eloá. Abílio pensa em procurar o endereço de Eloá para escrever-lhe uma carta. Mas pensava:

- Não sei escrever uma carta bonita. Eloá já deve ta se formando de doutora, e não tenho por quem mandar escrever, lamenta-se sempre Abílio com seus botões. E assim seu desgosto vai mais e mais aumentando.

Eloá por sua vez, também não encontra meios para escrever para Abílio, o fato dele ta morando no sítio impossibilita o correio de entregar a correspondência. Limita-se apenas a perguntar por ele quando escreve para mãe. Ocorre que desde a partida de Eloá que Abílio não freqüenta a casa de seus pais. Isso deixa Eloá também sem notícias. Mas, a amizade de Eloá com Ana Maria foi aos poucos se cristalizando, sempre se falavam, pois moravam na mesma rua. Além do mais, Eloá sempre que tinha um tempo disponível freqüentava a lanchonete de Ana para comer cachorro quente com suco de graviola... delicioso o cachorro quente de Ana... Aos domingos quando não estava estudando sempre aparecia junta com Fátima e levava Ana para passear na represa. Às vezes ia sozinha. E numa dessas vezes que passeava sozinha com Ana, Eloá lhe diz da vontade de visitar seus pais, ver os amigos e, principalmente, se encontrar com Abílio, seu melhor amigo.

Não vou poder fazer isso tão cedo. Estou no primeiro ano da faculdade e tem o problema do trabalho. Minhas férias não vão coincidir com a parada da universidade. Não sei como ta Abílio, ficou muito triste quando me afastei dele. Não fomos namorados, mas tivemos uma história juntos. Se ele morasse na cidade poderíamos nos corresponder, porém mora no sítio. Mamãe me disse que ele voltou para companhia dos pais e lá o correio não vai.

- Quanto à carta posse resolver. Tenho uma surpresa, explica Ana.

- Como assim?

- Estarei indo numa excursão para Recife no Carnaval. Eu e mais quatro colegas passaremos uns oito dias por lá. Poderei levar uma carta e tentar localizar esse Abílio. Se é seu desejo.

- Você é uma Santa, diz Eloá.

Eis que chega a semana anterior ao carnaval. Eloá vai visitar Ana na lanchonete:

- Chegou em boa hora, diz Ana. Estarei viajando para Recife na próxima sexta-feira pela madrugada. Prepare a carta que acho ele de qualquer jeito.

- Vou preparar e entrego amanhã mesmo.

Ana, já de passagem comprada e hospedagem acertada num hotel em Boa Viagem, onde pretende passar todo carnaval, toma vôo para Recife junto com as amigas. Chega no aeroporto dos Guararapes ainda cedo da manhã e de táxi se dirigi para o hotel. Na cabeça somente uma coisa: encontrar o Abílio de Eloá. Passa o dia entre o hotel e a praia. As amigas de Ana nunca tinham vindo em Recife, mas ela já conhecia de outros carnavais. Ana convida a amiga Formosina para no sábado visitarem a cidade de Vitória de Santo Antão. Sendo o dia da feira, ficaria fácil localizar os pais de Eloá e, através deles, localizar Abílio e entregar-lhe a carta. Assim fizeram. Logo às sete horas do sábado, as duas pegam o ônibus de Boa Viagem e descem no centro de Recife. Localizam a estação do metrô e seguem até o TIP, lá pegando o transporte para Vitória de Santo Antão. Chegando em Vitória e com orientação do motorista do ônibus, Ana e sua amiga Formosina não encontram dificuldades para chegar no centro da cidade. Sendo um dia de sábado, imaginemos a bagunça que Ana encontrou: trânsito engarrafado, barracas por cima das calçadas, carne verde sendo vendida na rua junto com banana e verduras e outros atropelos. Quando chegam no sinal da avenida, vem desfilando o bloco Acorda Corno do Cajá puxando uma multidão de foliões abrindo o carnaval. Ana puxa a amiga pelo braço e saem dando uns pulinhos para desenferrujar. Acompanham até a Igreja do Livramento e voltam para localizar a barraca de seu Manoel, pai de Eloá. Informam-se da localização da Praça da Bandeira e pela descrição localizam a barraca com facilidade. Apresentam-se aos pais de Eloá conversam pouco e Ana conta à mãe de Eloá da missão de entregar a carta ao seu amigo Abílio. Seu Manoel ensina a Ana como chegar ao Engenho Galiléia e localizar a família. Ana prefere não esperar o horário do ônibus e pede a seu Manoel que consiga um táxi conhecido para levá-la e trazê-la do engenho. Seu Manoel encaminha Ana juntamente com a amiga até o táxi de Manga Rosa, seu velho conhecido e recomenda cuidado com as duas por serem visitantes. Parte então Manga Rosa com as duas em direção ao Engenho Galiléia. A viagem dura cerca de uma hora. Manga Rosa já conhecia o pai de Abílio, mas não conseguiu encostar o carro na casa... havia chovido. Parou a cerca de cinqüenta metros e as duas seguiram andando até a casa de Abílio. Ana bate palmas.

- Alguém em casa?

- Tem. Já vai, responde a mãe de Abílio que se aproxima da porta meio espantada. Diga moça.

- Bom dia! A senhora é a mãe do Abílio?

- Sim, sou. Algum problema?

- Quero falar com ele. Tou chegando de São Paulo e trago um recado e uma carta de uma amiga dele.

- É de uma tal de Eloá?

- É sim.

- Ele sempre fala nela. Vamos entrar, já já ele chega, foi botar ração para os animais.

A casa de Abílio é bem modesta, mas se destaca entre as demais na região. Mesmo sendo uma construção de pau-a-pique, metade da casa é de tijolo e metade de barro, porém bem rebocada e pintada de branco com um tom de azul; as portas e as janelas de verde escuro, fazendo um conjunto bonito e agradável. Móveis muito poucos: um sofá pequeno na sala acompanhado por duas cadeiras de balanço é o destaque. No terraço bancos de madeira de fabricação artesanal. Chama atenção a grande quantidade de quadros dependurados nas paredes, inclusive muitas fotos de animais. Ao redor da casa muitas gaiolas também com pássaros de diversos tipos, porém nenhuma patativa se observa. Ana não quis entrar e continua sentada num banquinho no terraço. Enquanto isso Formosina passeia ao redor da casa observando as plantações.

Não demora muito e chega Abílio. Nota a presença de gente estranha na sala e entra pela porta da cozinha.

- Abílio vem falar com as moças, vieram de São Paulo.

O coração de Abílio quase pula pela boca. Ele corre para sala e vendo Ana com uma carta não mão, logo imagina de quem seja. Não segura a emoção e se descompensa totalmente.

- Eloá ainda se lembra de mim! Exclama Abílio tentando “engolir” o choro.

-Tanto lembra que me mandou vir até aqui nesse fim de mundo. E quero levar a resposta.

Abílio concorda. Pede licença e vai para o quarto ler a correspondência e conseqüentemente escrever a resposta. Enquanto isso a mãe de Abílio serve um refresco de manga para Ana e sua amiga e depois um cafezinho torrado em casa. Formosina faz cara feia para engolir o café, mas Ana já conhecia. Não demora e Abílio logo aparece com um envelope lacrado destinado a amiga paulista. Ana convida Abílio para visitar São Paulo e oferece sua casa para ele se hospedar se quiser. Abílio diz que vai juntar dinheiro para passagem e depois escreve uma carta dizendo se resolveu ir ou não. Ana e Formosina despedem-se e tomam o caminho de volta para cidade. Vão direto para rodoviária e tomam o ônibus em direção a Recife.

Ana chega de volta em São Paulo na quinta-feira à noite e, imediatamente, vai procurar Eloá para entregar a carta de Abílio. Não se demora, tem pressa para desarrumar a bagagem que já deixara em casa. Marca então com Eloá para conversarem sobre a viagem no sábado à noite.

Eloá recebe a carta de Abílio das mãos de Ana, agradece e se encaminha para o quarto a fim de ler com mais privacidade, era cedo da noite e todos estavam acordados. Acomoda-se em sua cama. Abílio conta sua vida desde o momento da separação quando Eloá toma o ônibus na rodoviária e parte em direção à sua nova vida. Relembra o desgosto quando perdeu sua patativa. As histórias de trancoso que contava para ela.

- Ainda sinto o cheiro do fumo quando a comadre Fulosinha ta fumando na mata e aqui, a meia noite, no oitão da casa, ouço as pisadas do Saci Pererê pulando num pé só para fazer medo aos cavalos. Sabe Eloá? Descobri porquê o Saci só tem uma perna: ele cortou a outra para facilitar na compra de sapatos. Aliás, não sei se você sabe, mas o Saci Pererê tem um dia dedicado a ele, que é 31 de outubro. Esse dia foi criado através de um projeto do deputado Aldo Rebelo, aí de São Paulo.

Eloá emocionada lê com todo cuidado a carta de Abílio. Parece transportar-se para Vitória de Santo Antão. Adormece e mergulha em sono profundo.

Novo dia, mesma rotina: trabalho durante o dia e escola à noite. No final da semana, como combinado, Eloá encontra-se com Ana que lhe conta sobre a viagem a Recife e o encontro com Abílio na sua casa em Vitória de Santo Antão. Fala-lhe do seu deslumbramento com o carnaval e com as praias de Pernambuco. Pois visitou a folia em Recife, Olinda, Vitória, Bezerros e o banho de cheiro em Chã de Alegria. Deu também uma esticada até as praias de Porto de Galinhas, Gaibu, Ponta de Pedras e Catuama, sempre em dias de sol forte. Foi uma semana de intensa atividade. Ana conta ainda a Eloá o seu convite para Abílio visitar São Paulo e se hospedar na sua casa. Eloá rir como quem não crê nessa possibilidade.

Quanto a Abílio, parece ter tomado uma injeção de alegria com a notícia de sua idolatrada amiga. Basta Ana se afastar de sua casa e ele corre a contar aos amigos o tamanho de sua felicidade. Volta para casa saltitante, esquece até de comer.

O tempo corre depressa e nesse ínterim Eloá e Abílio se correspondem algumas vezes. Abílio sempre se declarando apaixonado. Eloá nem tanto!

4ª Parte

Eloá já no segundo ano na faculdade, consegue sair de férias do emprego na mesma época das férias universitárias e assim viabilizar uma visita a sua terra natal para rever seus parentes e camaradas. Na agenda, como não poderia deixar de ser, um encontro com seu amigo Abílio. Mês de janeiro, frio e chuva em São Paulo. Mas em Pernambuco muito sol e praias lotadas. Eloá arruma as malas e parte para Vitória de Santo Antão. Resolve fazer sua segunda viagem de avião até o aeroporto dos Guararapes em Recife, onde encontra seu pai e mãe esperando para viajarem juntos para casa. É tamanha a alegria do encontro; seguem viagem. Já em Vitória Eloá se emociona ao entrar na cidade. Emoção maior ao entrar em sua casa e reencontrar seu quarto com sua cama e suas bonecas arrumadas na prateleira.

- Parece até que cheguei no céu. Exclama Eloá.

Mas cansada da viagem adormece abraçada a um ursinho branco de pelúcia. Enquanto isso dona Rosa vai cuidando na janta.

- Acorda Eloá - vem comer; saco vazio não fica de pé. Se quiser tomar banho, já tem sabonete e toalha no banheiro.

- Tou indo!

Eloá toma banho, relembra a sopa de verduras que adora e que já há mais de um ano não saboreava o tempero. Após o jantar fica assistindo televisão e colocando as conversas em dia com sua mãe. Seu pai, cansado da viagem, cochila de um lado do sofá. Dona Rosa e Eloá passam a noite quase que toda conversando, inclusive Abílio não deixou de ser citado na conversa. Eloá queria saber de tudo, porém ele não freqüentava sua casa. Apareceu duas ou três vezes na feira e assim dona Rosa não tinha muito que contar. O jeito seria mesmo Eloá procurar Abílio, ele dificilmente iria aparecer. Nem sabia que ela já tinha chegado. Quase manhã vão dormir. Outro dia; logo cedinho Eloá acompanha o pai para organizar as mercadorias no banco da feira. Passa toda manhã encontrando velhos fregueses e amigos. À tarde Eloá reserva para visitar as amigas e ex-colegas de escola que não são poucas. Não pretendia visitar Abílio; com certeza ele apareceria no sábado, dia da feira livre.

Dito e feito. Sábado, dia de feira livre em Vitória e Eloá mais uma vez acompanha o pai para negociar no banco de confecções. Não tarda chega Abílio aparece. A emoção do encontro é tamanha; abraçam-se; Eloá beija Abílio na face, ele, como sempre tímido, não retribui, limita-se a fitar o rosto de Eloá como que fizesse uma eternidade que a tivesse visto. Afastam-se do banco e saem conversando, Eloá segurando na mão de Abílio.

- Você arrumou namorado lá por São Paulo? Interroga Abílio.

- Não. Não arrumei, responde rindo Eloá.

- Você arrumou? Interroga Eloá.

- Claro que não. Só me interesso por uma mulher na vida. Mas falaremos disso doutra vez. Não quero perturbar sua cabeça.

- Pode falar, você não me perturba.

- Nem precisa falar. Sabe que essa mulher é você.

Eloá apenas rir e a conversa muda de tom. Eloá conta sobre sua estadia em São Paulo: a correria da cidade, seu emprego a faculdade, a amizade que fez com a moça que trouxe a carta, entre outras coisas. Abílio fala da emoção quando a moça apareceu em sua casa dizendo trazer notícias. Eloá convida Abílio para almoçar na sua casa no domingo e assim terem mais tempo para conversar. Convite aceito, Abílio corre para pegar o ônibus para casa. Se perder o horário só no domingo. Eloá não volta ao banco na feira, vai para casa de uma colega no bairro da Bela Vista, onde almoça e passa a tarde conversando, colocando os assuntos em dia numa roda de amigas.

Chega o domingo e Eloá acorda cedo como costumava fazer para ajudar sua mãe nos afazeres da casa. Inclusive no almoço, pois terá visitas. O prato preferido de Eloá para o domingo é buchada de bode com pirão, comida que Abílio também adora e, conforme combinado, virá fazer parte da mesa. Quase meio dia Abílio aparece e fica conversando com seu Manoel, pai de Eloá, no terraço. Enquanto isso mãe e filha dão os últimos retoques no almoço. Eloá aparece no terraço, fala com Abílio e diz que o almoço ta servido:

- Venham! venham! O pirão não pode esfriar. Ta quentinho como vocês gostam.

Após um almoço demorado, seu Manoel vai cochilar na cadeira de balanço no quintal, aproveitando a sombra da mangueira. Eloá diz a Abílio que a aguarde no terraço enquanto ajuda sua mãe organizar a cozinha. Enquanto dona Rosa vai lavando os pratos, Eloá vai enxugando para ajudar. Dona Rosa não tem empregados em casa e assume os serviços sozinha desde que Eloá foi morar em São Paulo.

- Você ta namorando esse rapaz? Pergunta dona Rosa.

- Não. Não estou. Nem tou pensando nisso agora. Ele é meu amigo. Tenho que pensar em me formar.

- Faz muito bem. Mas noto que ele gosta de você. Isso há muito tempo.

- Eu sei, mas é apenas meu amigo. Gosto também dele, mas é só isso.

Tudo arrumado, Eloá aparece e chama Abílio para conversar no jardim como faziam antigamente. A diferença é que agora são mais adultos e aquelas conversas de adolescentes tinham ficado para trás. Também não passarão a tarde toda juntos como faziam, agora Abílio tem horário para pegar o ônibus. Mas a saudade a essa altura já tinha passado. Conversaram sobre tudo que veio na cabeça. Abílio inclusive convida Eloá para também almoçar na sua casa antes de viajar e seus pais conhecerem sua família. Fica então tudo acertado para o outro final de semana e Abílio se despede e corre para o ponto do ônibus.

No transcorrer da semana Eloá teve uma rotina agitada. Visita as amigas; um dia na praia; ajuda ao pai no banco da feira e a mãe nos afazeres de casa. Não demorou chegar novamente domingo, dia de conhecer os pais de Abílio, conforme ele havia convidado.

Oito da manhã seu Manoel já prepara o Fusca para viagem até Galiléia. Irão os três: ele, pai de Eloá; ela e a mãe. O Fusca é o xodó de seu Manoel, um 1970 que parece zerado: bancos de couro, direção esportiva, mecânica e lataria impecáveis, o adesivo do deputado Elias Lira no vidro traseiro .... quem tiver doido tire esse adesivo.

- Vamos Rosa. Chama Eloá, já são quase nove horas. Quero aproveitar para andar no campo ainda com o sol frio da manhã.

- Tamos indo, vá organizando o carro, responde dona Rosa.

A casa de Abílio não é distante, mesmo sendo no sítio. Menos de meia hora e lá estão no Engenho Galiléia onde o pai de Abílio é parceleiro. Nem precisou chamar; o barulho do carro trouxe Abílio ao seu encontro.

- Vamos, vamos, minha mãe ta na cozinha e meu pai ta aguando o coentro para não queimar com sol, diz Abílio.

E todos deixam o carro e se dirigem ao terraço da casa onde dona Zefinha – mãe de Abílio, já espera. Todos apresentados, dona Zefinha convida dona Rosa para conversarem na cozinha onde prepara o almoço. Abílio chama Eloá e seu Manoel para irem ao encontro de seu pai e conhecerem o sítio. E assim fazem. Abílio apresenta Eloá e seu Manoel para seu pai, que fica encantado com a beleza da moça. Eloá já conhecia o sítio de Abílio, mas seu Manoel fica encantado com as plantações de coentro, cebolinho, alface, chuchu, maracujá, entre outras culturas; todas de subsistência. Lembra da época, quando ainda menino, vivia correndo nos cercados de seu pai em Taquaritinga do Norte. A grande diferença é o tipo de solo e vegetação. Enquanto andam pela propriedade, seu Manoel vai comendo o que encontra pela frente: manga, araçá, goiaba, etc. Enquanto os velhos caminham e conversam sem parar como dois tagarelas, Eloá pára no balde do açude, senta-se e manda que Abílio vá buscar o anzol para pescar. Abílio sai correndo e logo chega com duas varas de pesca e a enxada para cavar as minhocas. O sol já quente, tava favorável para pesca de Tilápia e Carpa, os peixes existentes no açude. O terreno arenoso, com poucas cavadas Abílio enche um quengo de minhocas, se achega para junto de Eloá e ficam conversando enquanto os peixes vão beliscando o anzol e comendo as minhocas. Eloá é quem fisga o primeiro peixe: uma carpa; pequena, mas quase puxa ela pra dentro d´água, é necessário a intervenção de Abílio para segurar. Não demora e Abílio pesca uma Tilápia. Mas nem Abílio e nem Eloá estão muito interessados na pescaria, o bate-papo é mais atrativo. Uma manhã toda de conversa. Abílio mesmo morando no sítio e trabalhando na agricultura não se esqueceu da escola e através da Educação de Jovens e Adultos estar cursando o Curso Médio, e isso em muito melhorou o seu nível de conversa, coisa que não passa despercebida de Eloá. Mesmo Abílio não voltando a falar em questão de namoro, Eloá dá a entender a Abílio de que só pretende pensar em namorado e casamento depois que terminar a faculdade.

- Você ta pensando certo. Tou pensando em morar na rua, arrumar um emprego e também fazer um curso na faculdade. Não vou ficar velho na roça como meu pai e minha mãe. Diz Abílio.

Mas no íntimo Abílio acha que Eloá não mais voltará de São Paulo para morar em Vitória. Por outro lado, Abílio não se apresenta mais como aquele rapaz apaixonado e triste com a partida de sua amada e sim uma pessoa bem mais amadurecida.

Hora do almoço, todos a mesa. O almoço é demorado e como as horas passam rápidas, chega a hora do retorno dos visitantes. Abílio leva Eloá até o carro e diz que não acredita voltar a vê-la. Eloá diz que verá sim. Despedem-se. Mais uma despedida para Abílio.

No percurso do sítio até a cidade o comentário é a simplicidade da família de Abílio. O zelo pelo sítio e a forma camarada de receber as pessoas. Chegando em casa Eloá logo trata de organizar sua bagagem, pois viajará no dia seguinte. Assim o faz.

De volta a São Paulo, Eloá retoma suas atividades no supermercado e aos seus estudos na faculdade. No final da semana Eloá procura sua amiga Ana Maria para contar como foi sua viagem a Vitória de Santo Antão; o encontro com Abílio e a felicidade de passar aqueles dias junto aos seus pais e amigos, hoje distantes. Na conversa o maior interesse de Ana, coviteira de carteirinha, era saber como foi o encontro com Abílio.

- Ele falou namoro a você? (pergunta Ana interessada).

- Não. Não falou, não dei muito espaço. Sempre que tentava tocar no assunto eu dizia que não queria pensar em namorado antes de terminar a faculdade e é assim que penso na realidade. Namorado atrapalha mais do que ajuda.

- Você gosta mesmo dele?

- Gosto sim. Mas entre amigo e namorado existe uma distância muito grande. Sabe Ana? Gosto muito de Abílio, mas amor para namorar, para casar, é uma coisa diferente e não sinto isso por ele. E também não senti nos olhos dele aquele mesmo amor que sentia por mim. Mas não sei como dizer isso a ele, mesmo achando que ele percebeu.

Enquanto isso, Abílio consegue um emprego na cidade e, em comum acordo com os pais, vende o sítio e compra uma casa no bairro de Redenção onde passar a morar com seu pai e sua mãe. Seu Manoel, pai de Abílio, consegue se aposentar como agricultor e juntando o salário com o aluguel de duas ou três casas que pretende comprar, terá uma renda suficiente para manter a casa.

Final

Dois anos se passam e Eloá termina a faculdade, muda de emprego e vai morar sozinha num apartamento próximo à casa de seus tios. Mesmo muito assediada, Eloá continua sozinha, sem pensar em namorado. Abílio, por sua vez, tendo terminado o segundo grau, estuda para fazer um vestibular e também não se preocupa em arranjar namorada. O pai de Eloá há algum tempo diabético, chega a falecer em conseqüência da doença.

Eloá vem para o enterro do pai e convida a mãe para mudar-se para São Paulo. A mãe aceita e resolve vender os negócios que não poderá tocar sozinha e deixar a casa alugada. Abílio vem ao enterro, mas a conversa com Eloá é rápida e ela não lhe fala da intenção de levar a mãe consigo. Eloá viaja e marca com a mãe para voltar em poucos dias para busca-la. Nessa volta também conversará com Abílio.

Assim é feito. Eloá volta e em dois dias arruma tudo com sua mãe que resiste um pouco a viagem, mas termina concordando. O encontro com Abílio é na casa dele que já se encontra morando na cidade. A conversa é longa:

- Pelo visto você vai embora de vez; diz Abílio.

- Vou sim, não tenho outra alternativa. Em São Paulo a vida oferece mais alternativas.

- E quanto a nós? Não nos veremos mais?

- Manteremos o contato, vou escrever sempre pra você, mas acho que não volto aqui. Hoje nós temos vidas completamente diferentes. Você é muito gente boa e eu não penso tão cedo em namorado ou casamento. Você com certeza vai arranjar uma pessoa que combine com você. Que ame mais do que eu.

- Sou obrigado a concordar e é o mesmo que desejo para você. Paixão não é amor. Eu era realmente apaixonado por você, mas o tempo me fez ver que o que sofri foi apenas falta de experiência na vida. Hoje penso diferente. Penso como adulto.

Com lágrimas nos olhos se despediram mais uma vez.

limavitoria
Enviado por limavitoria em 14/04/2008
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