PAGAR MICO É COMIGO MESMA!

Maria do Carmo M.Dantas Santos

Lá estava eu, na rodoviária de Salvador, querendo comprar uma ficha telefônica (lá pelos anos 70), rodando feito peru, sem saber para onde me dirigir.

Adolescente do interior, a única vez que havia ido à capital pouco tinha andado por lá. Após ter concluído a 8ª série do 1º Grau, aliei-me a um grupo de amigas e colegas e rumamos para nos submeter à prova de seleção da Escola Técnica Federal da Bahia. Era o sonho que acalentávamos: estudar na cidade grande, fazer carreira. A cabeça cheia de idéias e ideais, mas faltavam, além de experiência de vida, condições financeiras e bagagem escolar suficiente para concorrer com tantos outros mais bem preparados. Enfim, valeu a tentativa.

Agora, a visita à capital foi motivada pela necessidade de resolver questões relacionadas ao trabalho da minha mãe. Comecei a trabalhar como auxiliar no Cartório de Tabelionato, do qual ela era a titular, aos 13 anos de idade. Costumam dizer que dos filhos sempre há algum que segue os passos do genitor mais próximo. Conosco não foi diferente.

Habituada desde cedo a ver a minha mãe atender pessoas, ler e escrever constantemente comecei a sentir atração pelo trabalho e, quando ela comprou uma máquina datilográfica, senti-me atraída pela curiosidade e comecei a “catar milho”, como se dizia por aí. Com o tempo, tornei-me hábil datilógrafa e enveredei pelo caminho das leis. Atraía-me estudar o código civil, conhecer os direitos e deveres legais dos cidadãos, e, principalmente, o contato com o público.

Como fazem com os médicos que atendem nos lugarejos, muitas vezes, recebíamos como pagamento pelo serviço prestado, galinha, ovos, cabra, feijão... Mas, ainda assim, sentia em mim, a consciência do dever cumprido.

Naquele dia, eu teria que ligar, pontualmente, às 15:00 h para um advogado de renome, e por isso mesmo muito ocupado, sem o qual, não poderia resolver aquilo que tinha sido o motivo da minha viagem. Pois bem: sem saber onde comprar a ficha, ao avistar uma fila enorme, entrei nela. Quando chegou a minha vez, com ares de autoconfiança, pedi:

-Uma ficha telefônica, por favor!

-Ficha telefônica? Não vendemos isso aqui. Não está vendo que é fila para lanchonete?

Pôxa! E eu que não havia reparado na placa...

-Então, onde posso adquirir essa coisa?

-Veja ali, no balcão de informações. Agora, por favor, desocupe a fila!

Saí cabisbaixa e comecei a circular procurando o tal balcão. O tempo passando, faltavam apenas alguns minutinhos para o meu horário e nada. A ansiedade era tamanha que passava várias vezes pelo bendito lugar e não via. Finalmente achei! Comprei a disgrama do objeto e saí em busca de um orelhão. As filas estavam longas em cada um deles e eu agoniada! Fui ficando nervosa. Até que, finalmente achei um, num canto mais afastado, sem ninguém.

Maravilha! Ali eu poderia ligar sem que ninguém visse. Apanhei a ficha e tentei encaixá-la, mas, como aquela era a primeira vez que eu iria fazer uso daquele aparelho, não conseguia o meu intento. Quando dei por mim, a fila às minhas costas já estava enorme. Pelo visto, havia levado minutos ali.

- Vamos lá! Desocupa aí!

- Vai levar o dia todo prá fazer uma ligação?

- O telefone é público, sabia?

Eram as pessoas atrás, me pressionando. E eu ficando cada vez mais nervosa. Num estalo, comecei a falar ao fone como se houvesse alguém do outro lado da linha. As palavras saíam com um chiado, imitando o carioca, para disfarçar o meu sotaque de menina do interior.

-Alô? Dr. Enéiaxs? Boa tardxe! Maria do Carmo falando... E o papo continuou. Fui gostando do meu sotaque e fui criando o texto. A fila aumentando e o xingamento também!

-Então, exstá combinado. Podxe deixar, seguirei a sua orientação. Obrigada e até breve. Coloquei o fone no gancho, achando que tinha abafado! No íntimo, perguntava-me: e agora? Como vou fazer p/ falar, de verdade, com o homem? Quando me virei para sair, a senhora que estava logo atrás de mim colocou a mão no meu ombro e em alto e bom som perguntou:

- Minha filha, me desculpe, mas você realmente conseguiu falar? Não acredito!

Meu Deus! Fui descoberta! Senti o sangue queimar a minha face, mas, para não “dar bandeira”, respondi:

- Claro que sim. Por que não conseguiria?

- Porque, querida, a ficha nem desceu. Veja, está ali, enganchada.

Ué! E a “bicha” tinha que descer? Essa eu não sabia! Pensei. Mas logo reagi:

- Não quero saber, maixs (olha o chiado!) que falei, falei! E saí dali quase correndo para pegar o ônibus de volta para casa.

E o advogado? Tive que marcar nova entrevista. Mas dessa vez, seria pessoalmente.