Pequena história de uma morte anunciada

Alguém que sentou a esta mesa morreu. Matava-se aos poucos, dia-a-dia, com álcool e nicotina. Inspirava pena e poesia. Morreu nova, corpo velho, desgastado pelo tempo que não se mede em horas. Mulher que parece nunca ter sido menina.

Nada sei de sua história, além do que me contaram. E me contaram muito pouco, quase nada e o pouco que sei era só tristeza. Por isso, talvez, tanto empenho em matar-se à mesa entre goles e piadas.

O riso fácil enganava os incautos, inclusive eu. Um olhar mais atento perceberia os olhos tristes e fundos e a profunda melancolia quando aspirava a fumaça do cigarro. Dir-se-ia que a cada trago chamava para si as dores do mundo e a fumaça que soltava lentamente pela boca e nariz levava um pouco de sua alma volatizada.

Esta velha mulher a quem só conhecia de vista e de histórias, sempre com companhias duvidosas e tristes, dizem, morreu só.

Um amigo de vida errante e hábitos boêmios que não se sabe como, sabia da vida e não-vida de todos, sabia o nome dessa personagem que povoava meus sonhos etílicos. Esse cigano que lia fundos de copo soube da morte desta mulher pelos jornais numa notícia de pé de página: “Suicida é encontrada na Bela Vista”

Assim eu soube seu nome, que tudo dizia sobre seu maior desejo. Ironias da pia batismal, profecias registradas em cartório? Pois Maria do Socorro morreu sem ser socorrida em toda sua triste vida.