O Preço da Solidariedade

Solidariedade e bondade não têm preço. Há cerca de um mês, retornando de uma viagem a trabalho ao Sul de Minas Gerais, deparei-me, logo após a divisa de estados, com um veículo novo, daqueles pomposos, parado no acostamento. Garoava forte. O pisca - alerta ligado e o triângulo de segurança apontavam para uma situação de emergência, talvez problemas mecânicos. Reduzi a velocidade e fiquei observando. Ao me avistar, um homem de idade avançada se apresentou quase no meio da pista, gesticulando para que eu parasse. Imediatamente entrei em discussão interna. Minha mente paranóica imediatamente entrou em atrito com meu coração mole. Naquele paro-não-paro, pensei que poderia seguir viagem, apenas acenando para o homem, e lá na frente avisar a concessionária que administra a rodovia. Seria o mais sensato. Quando chegava próximo ao veículo, avistei uma outra pessoa. Uma senhora, usando um vestido e longos cabelos, apontando talvez uma doutrina evangélica, saiu do carro, juntando-se ao homem que acenava, demonstrando certo desespero. Uma situação dessas algumas décadas atrás talvez não trouxesse receio. Mas nos dias de hoje, todo cuidado é pouco. Resolvi parar. Estacionei alguns metros a frente do veículo, engatei a primeira marcha e fitei o casal pelo retrovisor. Não pareciam ser más pessoas, muito pelo contrário. O homem chegou à janela e, antes de tudo, agradeceu-me por ter parado. "Faz quase duas horas que estou aqui e ninguém parou, muito obrigado por confiar em mim. Sou Sargento aposentado da Polícia Militar", disse o homem estendendo sua carteira, comprovando tal afirmação. O homem disse que faz pequenos ´bicos´ de motorista para uma grande concessionária de Mogi Guaçu, cidade onde reside. Contou-me que foi levar um veículo e trazer outro - o que estava ali, com o tanque de combustível, seco. "Lá em Ouro Fino, onde troquei de carro, me disseram que o combustível era suficiente para chegar a seu destino. Estavam enganados... “O problema maior é que não tenho celular para pedir ajuda, e acabei ficando aqui, preso...”. Pensei em continuar com o plano original, de avisar à concessionária, mas fiquei com pena de deixar um casal idoso às margens de uma rodovia deserta, em um fim de tarde chuvoso. O casal entrou no meu carro, e rumei ate o posto de combustível, alguns quilômetros a frente. No caminho, o homem contou-me um pouco de sua vida. Disse que serviu a Policia Militar por quase trinta anos, destes, dez reservados à Policia Militar Rodoviária. Falou que fazia esse tipo de trabalho, pois "com meu salário de aposentado não dou conta de tudo". Isso me entristeceu. No posto de combustível, conseguimos um galão de dois litros e um funil emprestados. E voltamos para onde estava o carro. Neste meio tempo, confesso que conheci uma das pessoas mais cultas, cordiais e educadas de minha vida. As vezes isso acontece. Podemos ficar horas conversando com alguém e não tirar proveito nenhum. Mas bastou alguns minutos para que o velho sargento ganhasse minha admiração. Chegamos ao carro e abastecemos o veículo. Fiz questão de aguardar para ver se estava tudo OK. Depois de alguns ´engasgos´ o carro funcionou perfeitamente. O homem me agradeceu. Disse que não poderia me dar um ´agrado´ naquele momento, mas que eu deixasse meu telefone que entraria em contato posteriormente. Sem demagogo, disse que não poderia aceitar a proposta.

O homem me olhou, com um resquício de lágrimas nos olhos. Apertou minha mão de uma forma tão sincera, e deu-me um abraço tão verdadeiro, que por pouco também não me comovi. Despedimos-nos. E seguimos viagem. Semana passada, em uma daquelas manhãs de domingo, acompanhava minha garota em um grande supermercado, no município guacuano. Estávamos indo para o caixa quando ouvi meu nome. Virei e avistei o casal de novos amigos. Ganhei novamente o aperto de mão e o abraço, de ambos. Apresentei minha garota. O sargento olhou-me: "Está vendo como devemos fazer somente coisas boas nesta vida. Você nos ajudou naquele dia, e isso significou muito para nós. Hoje, neste mundo tão pequeno e poucos dias depois, nos reencontramos aqui. Se você tivesse me feito mal, ou vice e versa, estaria um clima muito ruim agora. E eu não poderia, novamente, dizer-lhe obrigado." E aí, quer recompensa melhor?

Publicado Originalmente no Jornal 'A Gazeta Itapirense'

(Ed. Sábado, 06/12/2008)

Publicado no Megaphone Tabloid

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