EU SÓ QUERIA ME DIVERTIR

Eu nem sabia o que estava fazendo... Porque a única coisa que eu queria era me divertir, me mostrar, me exibir. Vinte anos de vida. O que é ter vinte anos para uma garota que tinha tudo como eu? Nunca precisei me esforçar para nada. Meus pais me deram tudo. Eles viviam me dando coisas, coisas que eu nem chegava a pedir. E era tudo tão fácil que o tédio sempre andou junto comigo nestes longos-curtos vinte anos de vida.

Por isto, quando eu podia, pisava fundo no acelerador do meu carro novo. Ganhei um assim que passei no vestibular. Bonito, importado, veloz. Eu não fazia questão de beleza ou conforto. O que eu queria mesmo era velocidade. Minha mãe reclamou com meu pai quando soube da potência do motor do meu novo brinquedinho. E ele, na sua santa inocência, acreditava que jamais eu passaria dos 80 km por hora.

E eu nem sabia o que estava fazendo... Minha vida era uma eterna pressa. Se eu não estava dentro do carro, meus pés se moviam rápidos pelas calçadas, sempre correndo atrás de alguma coisa que nunca descobri o que era. E quando estava no carro, ninguém me segurava. As multas começaram a pipocar e eu pagava escondido do meu pai, para que ele jamais soubesse que a filhinha caçula dele gostava de enfrentar a morte em avenidas desertas, em plena madrugada. Eu queria algo que me motivasse. A velocidade me motivava, mais do que qualquer coisa na vida. Achei que tudo estava sob meu controle.

Não estava. Saí daquele bar um pouco depois das cinco horas da manhã. Não tinha bebido uma gota de álcool qualquer. Nunca gostei de beber. Mas meu corpo ansiava por velocidade. E queria mostrar para o menino que eu estava afim como era esperta, inteligente, corajosa. Eu sabia que ele estava me cuidando quando entrei no carro. E me senti a supermulher quando acelerei e saí disparando pela avenida. Ninguém era capaz de me segurar. Ninguém.

Fui parar em cima de um muro. O carro se destroçou. E eu só fui me dar conta da gravidade da situação quando vi a expressão do rosto do policial que parou do meu lado segundos após o acidente. Nunca vou me esquecer daqueles olhos. Foi que então comecei a sentir a dor dilacerante no meu peito. Tentei me mover. Não consegui. Estava presa nas ferragens. Pessoas a minha volta começaram a chegar. Escutei gritos, choros, ordens para que ninguém mais se aproximasse do carro. Polícia, sirene, bombeiros, cordão de isolamento. Um circo. E a palhaça, que era eu, estava lá, presa, morrendo, a vida agora passando muito, muito devagar, praticamente em câmera lenta, ante meus olhos.

Lembrei de pegar o celular e ligar para minha mãe. Por que ela não havia ainda aparecido para me levar para casa? Eu estava me sentindo tão sozinha. Eu tinha combinado de levar minha priminha no parque de diversões na tarde de sábado. Agora era madrugada e meu corpo parecia que se desfazia. Imaginei que tão cedo não iria a parque nenhum na minha vida.

Isto se houvesse vida após aquilo. Os bombeiros lutavam para me salvar, gritavam entre eles e eu não conseguia mais nem pensar coisa com coisa. Tentei dizer a eles que chamassem alguém da minha família. Eu queria segurar a mão de alguém e de repente me senti tão absurdamente sozinha que comecei a chorar. Chamem a minha mãe, implorei para a soldado que acariciou meu rosto, mas eu nem sei se ela entendeu. Ela chorava também. Minhas pernas eu já nem sentia, meu peito se explodia em dor e sangue. Meu coração... este parecia bater bem devagar, devagar, devagar. Meus olhos lentamente começaram a se fechar.

E a única coisa que eu queria era me divertir. E eu nem sabia o que estava fazendo.

Patrícia da Fonseca
Enviado por Patrícia da Fonseca em 02/02/2009
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