APARÊNCIAS

Fico pensando o que ela acha de mim... Deve dizer para todas as amigas dela que sou uma babaca, que passo todos os dias estudando, não vou a festa nenhuma e que nunca me viu com namorado nenhum. É quase tudo verdade mesmo. Minha vida ultimamente tem sido em cima dos livros (eu estava estudando pro vestibular). Festas? Nem sei mais o que é isto. Namorados? Nunca achei um garoto que gostasse de mim. Já ela... bem, minha vizinha parece curtir a vida enlouquecidamente. Pela janela do meu quarto acompanho a movimentação. Ela tem um círculo de amigos ruidosos. Eles param na frente do prédio com suas motos potentes. Ou então com carros importados. Fico imaginando que festas divertidas eles freqüentam. E minha vizinha tem um namorado. Um gatinho. E parece realmente gostar dela. Pudera. Ela é uma graça. Loira, cabelos encacheados, magrinha. E eu, de tanto que estudei trancada em casa e só saindo para ir ao cursinho, ganhei algumas gordurinhas que eu não tinha. Meu rosto ficou mais cheinho, minhas coxas, mais grossas. Agora vou ter que correr atrás do prejuízo. O pior de tudo, ainda por cima, foi que consegui passar no vestibular. Meu sonho era cursar teatro. Claro, não fui forte o bastante para lutar contra meus pais, que sonham em ver a filha mais nova formada em medicina. E eu passei. Vou entrar na faculdade e estudar para ser médica. Mas não era isto que eu queria! Eu queria ser igual a ela, minha vizinha, que não parece ter medo de nada, é livre e resolvida. Um dia destes nos encontramos no elevador. Fiquei constrangida, mal a cumprimentei. Ela também não fez questão de me olhar. Eu sei. Ela me acha uma boçal.

Fico pensando o que ela acha de mim... Deve dizer para a família dela que sou uma porra louca, que só vive em festas, cercada de amigos desocupados e com um namorado que não acrescenta em nada. É quase tudo verdade mesmo. Meus amigos não são meus amigos. Só pensam neles. As nossas festas? Só vou para não ficar presa em casa. Meu namorado? Um bobo, nem gosto dele. Comecei a namorá-lo para fazer ciúmes pro João. Não deu certo. Agora aquele chato não desgruda de mim. Já minha vizinha leva uma vida calma, tranqüila. Sinto inveja dela... Eu preciso desacelerar um pouco antes que eu enlouqueça. Observo freqüentemente a família da menina. Gente pacífica, estruturada. Bem ao contrário da minha. Meus pais são separados, não se falam há anos. Moro com minha mãe e minha irmã. Meu irmão mora com meu pai, quase não vejo os dois. Minha querida mãe pouco se importa com o que faço da minha vida, desde que eu não engravide. Se ela soubesse que eu nem tenho vontade de transar com o idiota que eu namoro... ele não me dá tesão nenhum. Eu queria ser como minha vizinha, isto sim. Ela é muito bonita. Tem um corpo tipo violão, como os homens gostam. Eu? Sou uma tábua, mal tenho peito, mal tenho bunda. Emagreci de tristeza de uns meses para cá, não sei onde vou parar. E ela é muito inteligente também. Passou para medicina. Era tudo o que eu queria. Meu sonho é ser médica, tratar de gente doente, conseguir a fórmula da juventude e da felicidade e distribuir para o mundo inteiro. Um dia destes nos encontramos no elevador. Ela mal me cumprimentou. Deve me achar uma maluca inconseqüente. Magoei e fiquei olhando para o teto o tempo todo. Eu sei. Perto dela sou uma boçal.

Patrícia da Fonseca
Enviado por Patrícia da Fonseca em 20/02/2009
Reeditado em 26/02/2016
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