Antes que o ano termine

Fui acordada do meu sono pela música “Auld Lang Syne”. Era o celular tocando. Eu sempre colocava esse toque no meu celular quando chegava novembro. Eu sonhava com um reveillon e achava que as pessoas estavam cantando ao meu redor, mas aos poucos fui voltando à realidade. Estiquei o braço direito e tateei em busca do celular.

- Alô? – falei com a voz sonolenta.

- Eu te acordei? – perguntou a voz do outro lado.

- Acordou – respondi ríspida e sonolenta.

- Desculpa.

- Não tem problema. O que você quer?

- Arrumei um bico pra você.

- Mesmo? – ainda sonolenta, falei sem muita empolgação.

- Sim. Só tem um probleminha... Você vai ter que trabalhar no reveillon.

- Ah não, eu nem preciso tanto assim de dinheiro. Não vou trabalhar no reveillon.

- Vai ser divertido! Você vai trabalhar numa festa, no fim das contas ainda vai poder se divertir um pouco.

- Uma ova. Eu só vou ver os outros se divertindo.

- Escuta, o pessoal lá do hotel tá precisando de mais um barman e você está passando por dificuldades que eu sei.

- Sabe?

- Sua mãe me contou que você perdeu cem reais.

Fiquei calada por um tempo. Todas as mães do mundo devem ter uma doença que as impede de ficar caladas.

- Eu estava pensando em ir pra Pipa...

- Você vai no próximo ano.

- Se eu não perder quinhentos reais da próxima vez...

- Posso confirmar com o meu chefe?

- Pode.

Despedimo-nos e desliguei o telefone. Levantei da cama e fiz toda a assepsia obrigatória. Em seguida liguei para a amiga que ia comigo pra Pipa explicando a minha situação. Ela falou que não tinha problema, que ia só com o namorado. De qualquer forma, eu não tinha dinheiro pra viajar...

Dia trinta e um de dezembro. Lá estava eu, vestida com uma calça preta de linho, camisa branca de manga comprida, colete fechado por cima da camisa e até uma gravata borboleta me fizeram usar. Por sorte o sapato que tinham no hotel não cabia em mim e pude ficar com o meu sapato boneca preto. Por azar, aquele sapato machucava muito o meu pé. Fizeram-me usar o cabelo preso para ele não cair nas bebidas (de fato meu cabelo cai muito) e durante a noite recebi cantadas de duas mulheres. Feias.

Aquele indiscutivelmente estava sendo o pior reveillon da minha vida. Como se não bastasse o fato do ano já ter sido uma porcaria. Eu estava pensando nisso quando um rapaz se aproximou do bar e pediu um sex on the beach. Achei engraçado, afinal, o hotel ficava à beira-mar. Tive vontade de tirar uma brincadeira com ele, mas as pessoas daquele lugar não pareciam ter muito senso de humor. Ele vestia praticamente a mesma roupa de todos os homens do lugar: calça social, paletó e gravata. Usava gravata preta e camisa cinza com um terno de risca de giz. Preparei o drink enquanto ele, sorridente, sentava-se em um dos bancos do bar.

- É permitido conversar com a bargirl? – perguntou jogando seu charme pra cima de mim.

- Acho que se nos privassem disso teríamos problemas – respondi com aquele sorriso obrigatório que se usa quando se fala com um cliente.

- Problemas? – ele perguntou, sem entender o sentido das minhas palavras.

- Sim. Como por exemplo, “vai querer gelo”?

- Ah, entendi. Um pouco. Está ventando bastante aqui – respondeu ajeitando os cabelos lisos.

- É, praia...

- Posso te fazer uma pergunta?

- Pode fazer duas.

- Ótimo. O que uma garota como você faz num lugar desses, vestida de homem em pleno reveillon?

- Eu não estou vestida de homem.

- Ah não?

- Não. Meus sapatos são femininos. E assassinos. Meus pés estão me matando. Mas se você quer mesmo saber, eu só estou aqui porque perdi malditos cem reais.

- Cem reais? Mas isso não é nada!

- Nada pra você, que pode se dar o luxo de passar o reveillon em um hotel cinco estrelas.

- Ah, me desculpe. – ele deu o primeiro gole no drink – Hum, delicioso.

- Que bom. Mas não precisa se desculpar.

- O que aconteceria se você abandonasse o seu posto?

- Provavelmente seria descontado do meu pagamento.

- Quanto você vai receber?

- Quinhentos.

- O que você diria se eu lhe oferecesse um pouco de sex on the beach?

- Do seu drink?

- Não.

- Você é um homem muito atraente, mas eu tenho que trabalhar.

- Eu te pago.

- Obrigada. Mas eu não estou à venda.

- Não se ofenda, não foi isso que eu quis dizer. – ele se ajeitou no banco e me encarou, sério – Escuta, eu passei a noite toda te observando trabalhar e fiquei o tempo todo pensando como seria bom estar com você na virada do ano.

- Basta continuar sentado aí. Duvido que venha mais alguém aqui no bar até o próximo ano. As pessoas preferem importunar os garçons.

- Não é a mesma coisa. Vem comigo. Eu não vou te pagar por sexo, só pela companhia. Eu quero muito ficar contigo nesses últimos minutos de 2005.

Eu olhei bem no fundo dos olhos daquele homem. Eu nem mesmo sabia o nome dele, e tampouco sabia ele o meu. Minha hesitação devia ser visível, mas ele me convenceu com uma única frase.

- Vamos... Antes que o ano termine.

Thais Gualberto
Enviado por Thais Gualberto em 13/07/2009
Código do texto: T1696603
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