João Baptista

Atrás das lentes dos óculos, João Baptista recebe pequenos fachos da luz do sol. Pelas frestas de vidro, seu mundo é como um fio de naylon, em cujas fibras se entranha o presente. Naqueles espaços medidos em milímetros, a vida não presta atenção nos movimentos das retinas, que o tempo acinzentou. Espera a chuva, ao pé da árvore, sem gestos. Apenas com as mãos entrelaçadas.

Levanta os olhos ao sentir os primeiros pingos baterem em seus cabelos. Encolhe seu corpo magro e pequeno em volta do cobertor, para proteger o que ainda resta da roupa. O latido incessante do cachorro ao seu lado é o único sinal de vida que pula a muralha do silêncio junto com o trovão perdendo a eterna corrida contra a luz do relâmpago.

O dia cede, aos poucos, sua luminosidade às nuvens. Os trapos de João Baptista, iluminados pela última luz, formam uma sombra até o meio-fio. A ausência do fogo é o segredo guardado pelos atalhos em que vive. Há muito sua voz está incinerada pela dispersão das palavras.

Estica os braços, vê o balançar dos pequenos lumes e então colhe a eletricidade do temporal. A vela úmida penetra na eternidade, deixando para trás a porta aberta.

fernandorozano
Enviado por fernandorozano em 12/07/2006
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