Futuro (diálogo)

—Hoje eu não consegui dormir.

—É mesmo Martinez? A aparência não o delata.

—Mais uma noite como essa e enlouqueço!

—Por isso está aqui; mas peço que se acalme.

—Vou tentando...

—Nesse caso faremos uma revisão do nosso último encontro. Semana passada havia me dito que era casado, certo?

—Não cheguei a casar, era só um noivado.

—Disse também que é engenheiro...

—Se tivesse concluído o último ano.

—Bem, vamos deixar de lado sua ficha pessoal. Comece contando como foi sua última noite.

—Sei que a insônia mata aos poucos, doutor; mas não é o maior problema. Preciso de calma; não tenho nada que me faça esquecer o passado que bate à minha porta. A noite não estava vazia, pois havia outros como eu, esperando o amanhecer.

—O mesmo de sempre.

—Quando me sinto assim só posso fazer os personagens existirem; depois escrevo uma longa história. E todas elas falam de mim mesmo.

—E quanto aos questionamentos? O tempo, o espaço, a existência... O que vivemos até agora?

—O que não compreendo, tento apreender. Não posso mudar o passado, portanto, tento construir o futuro. Se agora não existe razão, então jamais existirá. Se até agora não vivi, não entendo porque temo.

—Sente que nada realizou com plenitude, mas não consegue se convencer de que pode começar novamente.

—Aos trinta e poucos anos? Veja bem; de uma coisa estou convencido. Não há neste mundo oficio algum do qual eu não tenha pelo menos experimentado as ferramentas, ou não tenha lido ao menos uma de suas introduções. Exagero doutor? Talvez, mas sabe onde estou tentando chegar. Andei por mais de sete países; conheço o território nacional como a palma da mão; tive uma grande quantidade de empregos diferentes; realizei todo tipo de aventura; fiz amigos nos quatro cantos do mundo; vi coisas que poucos viram, enfim, não acha que deveria ter um repouso tranqüilo a essas alturas?

—Acho que sim... Mudando de assunto, como tem passado seu pai? Devo uma visita a ele, não concorda?

—Ele tem falado muito nisso ultimamente. Creio que não será difícil encontrá-lo uma tarde dessas, na varanda. Vive numa tranqüilidade impressionante.

—Fale um pouco dele.

.—Nada tão interessante. Desde a juventude trabalhou no funcionalismo, onde conheceu minha mãe. Algum tempo depois é que foram para o interior.

—É um grande desafio driblar a realidade, pois o mundo transformou nossa esperança do verde para o cinza!

—Do verde para o cinza, com certeza. Sempre me culpo, inclusive, por não entender porque a verdade é tão áspera. Então sou invadido pelo desejo de estar em todas as mentes; saber o que pensam e o que vão fazer amanhã. Quantos dormem; quantos não conseguem. E eu levo culpa porque não consegui fazer o que queria por inteiro, mas só pela metade.

—Tempos difíceis pedem coisas simples. Simplicidade e astúcia.

—A música que ouvi, por exemplo, na noite passada. Ela soava com clareza; mesmo entre as paredes do outono em que eu estava envolvido. Transformei-me depois, numa bússola, cujo magnetismo fazia apontar para o norte, mas me levava para o sul; para a terra dos leões famintos; dos cruéis imperadores, onde a lei é a espada e não quem a maneja. E o meu fim encerrava-se nessa esperança, sendo desfeito quando, por mãos abertas era exibido o ouro da terra.

—Não precisa dormir para sonhar...

—Queria somente saber se o que dizem é verdade. Seria melhor se não o fosse, já que a verdade é algo muito maior. Então eu me sento e escrevo uma ode; e ela está como sempre incompleta.

Luciano Osawa
Enviado por Luciano Osawa em 16/07/2006
Código do texto: T194981