Episódio noturno

Andando, certa vez, numa rua escura da cidade, vi à frente um vulto obscuro e sinistro vindo em minha direção. Julguei-o, sem pensar duas vezes.

A imagem tinha, com toda a certeza, o poder incomensurável de causar susto a qualquer pessoa em seu perfeito estado psicológico. Carregava um objeto à mão, estava um pouco encurvado e mancava. Imaginei que fosse um bandido armado e violento, ou quem sabe, um homem desesperado que acabara de descobrir-se traído. Cogitei ainda que uma fértil imaginação nos daria um Capitão Gancho, tal se mostrava curvado o objeto, como um gancho; ou talvez muito pior, fosse um psicopata que no mínimo faria de mim sua vítima naquela noite.

Eu não podia dar meia-volta, porque já não estávamos tão distantes. Isso seria uma incitação ou uma abertura para os instintos assassinos daquela mente supostamente criminosa e astuta.

A rua era uma via paralela a uma avenida, onde havia muito mais movimento e iluminação. Ali, então, vi que já não era mais possível pedir socorro, por isso continuei em frente, com certo arrependimento de ter escolhido o atalho e não o caminho mais longo.

Como disse, a cena era de horror, e em meu vasto arquivo de memória se fazia presente todo o conteúdo dos filmes de suspense, exibidos após a meia-noite. Podia ouvir os seus passos e até sua respiração; e ele fazia um movimento para frente e para trás com a mão direita, munido daquele objeto não identificado, caracterizando um estripador psicopata sedento de sangue. Tive medo, mas me mantive firme, pois só queria chegar em casa, apesar de que àquelas alturas não tinha certeza se chegaria lá com vida.

Calculei o tempo exato do nosso encontro e não errei. Ia acontecer quando ambos atravessássemos um estreito facho de luz, uma sobra do poste principal da avenida, que se colocava entre ele e eu; separando-nos por uns seis metros em cada direção. Depois cinco, quatro, três metros... e ao regredir a contagem fui tomado pela aflição. Suava frio, respirava fundo, e dentro de mim habitava um gato assustado, pronto para dar um pulo súbito e sorrateiro. Entre pensamentos mórbidos, cheguei a ouvir o tique-taque de um relógio e um ruído de pulsação – deveras assustador – e permaneci frio.

Considerando a ocasião de pavor e desespero, tudo ocorreu em poucos segundos, tempo no qual não consegui decidir se tentaria esquivar ou atacar antes que ele o fizesse. Nesse rápido instante fiquei com os olhos totalmente atentos e vi o seu rosto ao aproximar-se da luz. Era um homem branco, jovem, mas aparentemente maltratado pela vida. Vestia roupa social batida e mancava da perna esquerda. Estando do lado esquerdo, consegui ver, na mão direita, o objeto que me intrigava: um guarda-chuva!

Não tive dúvida de que ele era apenas um cidadão comum passando por ali, e por coincidência teve a mesma idéia de encurtar a caminhada, passando por um atalho escuro onde certamente ninguém teria vantagem sobre o outro; já que não havia condição alguma de enxergar qualquer corpo ou objeto naquela escuridão. Fiquei com a imagem e a descrição do cruel assassino que virou pessoa comum de encontro ao seu destino; e quanto a isso, imaginemos qual seria o dele nesse caso.

Saudei-o normalmente, continuei andando e veio a chuva sobre mim, silenciosa e fria lavando a cidade.

Luciano Osawa
Enviado por Luciano Osawa em 18/07/2006
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