UMA LIÇÃO DE AMOR

Terminada a tarde, Josias guardou as pastas no arquivo, fechou a gaveta, passou o olhar sobre a escrivaninha para ver se estava tudo em ordem, abriu a porta do escritório, saiu, trancou-a com chave, percorreu o longo corredor do andar e tomou o elevador para a saída do prédio onde trabalhava. Lá fora, uma névoa úmida insistia em cair, prometendo uma noite muito fria.

Na rua não havia quase ninguém , somente uns andarilhos que insistiam em caminhar apressados para ver se conseguiam esquentar seus corpos desagasalhados. Estávamos em maio e nesse mês o céu se fazia, como que, salpicado de estrelas reluzentes a piscarem sem parar sobre nossas cabeças, mostrando todo o seu esplendor.

Josias a tudo observava e mesmo caminhando, olhava para o céu e ficava a observar as estrelas que cintilavam no espaço celeste... Gostava de descobrir no céu várias imagens reproduzidas pelo aglomerado das estrelas, e esta noite foi fácil localizar as Três Marias e o Cruzeiro do Sul. Pensava de como as noites frias nos presenteavam com uma visão límpida dos astros a reluzir no firmamento, como que a nos compensar do frio que a nós impunha nessa época do ano.

Ia assim cismando pelo caminho, quando, de repente, surgiu à sua frente uma criança, trazendo em suas mãos um lindo ramalhete de flores coloridas e pedia insistentemente que ele o comprasse, para que, com os míseros trocados que ganhasse, pudesse levar alguns pães para sua casa e alimentar sua mãe que estava enferma e com um bebê para amamentar.

Josias não era desses homens que se comprazem em dar esmolas aos pedintes da rua, mas com aquela criança ele se sentia diferente e sem saber como ou porque, se viu de mãos dadas com ela e encaminhado-se para sua casa . Talvez ele não acreditasse na história da criança e quisesse verificar in loco se ela mentira, ou quem sabe, se apiedara de verdade do pequeno homenzinho que lhe levava pela mão através das ruas já totalmente desertas. Não demorou muito e em pouco tempo estavam diante de um mísero casebre. Lá dentro se encontrava, como a criança lhe falara, sua mãe com um bebê ao colo, que, assustada, perguntou-lhe se o filho cometera algum “mal feito” e ele estava ali para recriminá-lo. Josias tranqüilizou a mulher e já mais perto dela pode observar que ambos, ela e o bebê, necessitavam de ajuda e socorro médico. Por um momento hesitou, mas vendo o olhar suplicante daquela senhora, varreu de sua cabeça qualquer pensamento negativo e dispôs a ajudá-los. Providenciou o que era necessário para que mãe e filho recebessem o essencial para lhes curar a doença, saciar-lhes a fome e agasalhar-lhes o corpo. Não demorou muito para que a ajuda chegasse, Josias providenciara tudo pelo celular e agora já via chegar os que atenderam ao seu chamado. Era um homem de posses, e a ele todos atendiam com presteza, pois era sempre generoso com aqueles que acorriam ao seu chamado. E desta vez não foi diferente.

Enquanto os cuidados se faziam, Josias lançou o olhar pelos pequenos cômodos do humilde barraco e pode constatar a pobreza em que aquela família vivia. Havia ali uma pequena sala com uma mesa e umas duas cadeiras, um armário sem portas mostrando alguns pratos, canecas e talheres e que também era usada como cozinha, pois lá num canto estava um velho fogão a gás à espera de alguém para usá-lo; uma pequena privada se via através da porta escancarada e o quarto contendo só uma cama onde se encontrava aquela senhora e ao lado uma pequena e velha cômoda encostada na parede. Isso era tudo o que havia dentro daquela casa.

Porém, o que realmente chamou a atenção de Josias foi a preocupação daquela criança com seus entes queridos. A criança que o envolvera, um menino de uns 8 anos, não saía de perto da mãe e de seu irmãozinho, querendo saber, aflito, se havia alguma coisa de grave com os dois, pois não se lembrava de ter visto alguém, médico ou não, dispensar à sua mãe e irmão um tratamento tão atencioso, e logo depois de o terem tranqüilizado, explicando-lhe que tudo estava bem, veio para perto dele, pegou suas mãos, beijou-as e agradeceu-lhe pelo que fizera, ajudando para que sua mãe não tivesse agravado mais o seu estado de saúde, vindo a faltar-lhe e a deixá-lo sozinho no mundo, a ele e a seu irmãozinho, à mercê de pessoas desconhecidas, que poderiam criá-los sim, mas que nunca poderiam lhes dar o amor e o carinho que recebiam de sua mãezinha.

Quanta preocupação e quanto amor no coraçãozinho daquela criança! Josias também era pai, embora seus filhos já estivessem quase adultos, ele nunca sentiu da parte deles um carinho, uma demonstração de afeto , por menor que fosse, um agradecimento pelo que o pai lhes proporcionava para terem uma vida confortável, gozando de boa saúde, vestindo as melhores roupas da moda e possuindo os melhores brinquedos que o mercado exibia na época. Mas, pensando tudo isso, lembrou-se que também ele se comportava de outra maneira; não era chegado a carinhos, a brincadeiras, a uma boa conversa com os filhos e se sentia mesmo distante deles. Foi então que descobriu não ter sido um verdadeiro pai. Ali, naquele casebre, ali sim, estava o verdadeiro amor maternal e filial. Era uma troca de carinhos, de afagos e de uma imensa preocupação reinante entre eles que o impressionaram e o fizeram meditar sobre sua própria vida e seu comportamento junto aos seus filhos e mesmo à toda sua família.

Depois de tranqüilizar a mãe e a criança, Josias, tendo deixado todos medicados, agasalhados e alimentados, despediu-se deles e voltou para casa pensando, pelo caminho, em tudo o que lhe acontecera naquela noite. Desse dia em diante, passou a olhar sua família com outros olhos; com olhos cheios de amor e ternura que aprendeu a ter com aquela criança.

Foi uma verdadeira lição de amor que recebera naquela noite!

Renée Ribeiro de Almeida
Enviado por Renée Ribeiro de Almeida em 30/08/2006
Código do texto: T229058