Cotidiano

Cotidiano

No primeiro dia, um homem bateu palmas e pediu um copo d’água; a velha senhora concedeu.

No segundo dia: “...um pão dormido estaria bom!”; a gentil senhora de novo atendeu.

No terceiro dia: “...não teria uma sobrinha de comida?”: a boa senhora requentou.

No quarto dia, a terna senhora foi para a fila do hospital público às 5h. retornou às 17h e 37 min, naturalmente, sem atendimento.

No quinto dia, o homem reclamou a sua ausência e, na companhia de um igual, almoçou na varanda com direito a varias mangas do quintal.

No sexto dia, mais dois amigos vieram, sentaram-se na cozinha e xingaram-na, pois esta não lhes servira carne.

No sétimo dia, por não ter o que oferecer, ela não os atendeu: quebraram-lhe todas as vidraças.

No oitavo dia, a generosa senhora foi servida numa bandeja aos sete companheiros do homem do primeiro dia.

Nono dia. Cemitério da Divina Comédia Humana. A única sobra, além dos ossos porosos, sua humanidade foi enterrada, sem honras, na cova rasa dos indigentes.