UMA DUPLA DE “VIVOS”

FlavioMPinto

Dia sim, dia não, com sol, chuva, com qualquer tempo, Coronildes estava no seu posto: na frente do cinema Internacional. Domingos, dia de matinée, lá estava vendendo seus poemas. Cabelos penteados para trás e óculos atirados para o meio da cabeça prendendo-os como uma tiara. Parecia uma professora em busca de seus alunos. Era ela.

O mais curioso é que chegava nas pessoas e as tratava como velhos conhecidos com impressionante reciprocidade, mesmo as mais desconhecidas, que mal atravessavam a fronteira ela primeira vez.

Uma lábia de fazer inveja. Ninguém escapava.

Bastava o vivente chegar na frente do cinema, a Coronildes com seu jeito característico, mancando, postava-se na sua frente, efusivamente cumprimentava e iniciava um bate-papo sem fim. Verdadeiramente incrível.

Porém, o melhor de Coronildes não era a lábia e sim seu faro e com seu olho mágico: onde botava o olho as coisas aconteciam. Para o bem e para o mal.

Por trás de tudo estava Zeca Maciel, seu fiel escudeiro. Um poeta fugaz, assim se referia quando perguntavam o que fazia. Um reconhecido freqüentador da mesa de carteado do Caixeral. Sempre em campanha eleitoral como cabo eleitoral de quem o pagasse. Nunca trabalhara e arranjara um forte jeito de ser pelego de quem quer que fosse, desde que pagassem, claro. Pelego era sua profissão. Passava rindo e até na foto de sua identidade era assim. Mais para hiena dependendo das sobras do banquete dos mais aquinhoados.

Uma dupla que não refugava nenhuma brecha para ganhar uns trocos.

“Sempre teve trouxa para tudo” era o lema da esperta dupla.

Um dia, Zeca faturou uns trocos no Prado e foram para Porto Alegre gastar. Tomaram o Ouro e Prata e pararam no Beira-Rio. Queriam ver seus ídolos. Corre pra cá para lá e nada de encontrar. Não era dia de treino e os jogadores, de certo, estavam descansando em casa.

“ Qué que tu qué, Coro, que eles fiquem a tua disposição? Não vai pagar mico aqui, tá bom!”

“ Mas olha, benhe, lá vem o Astrobaldo, aquele ponta-direita que entorta tudo que é lateral! Até talher entorta com seus dribles e como corre. Vou pegar um autógrafo” exclama Coronildes.

“ Baldo, vem cá!”

Não deu certo. Num ataque de estrelismo, Baldo não quis saber nem deu bola para a fã. E saiu cantando pneu no seu carro último tipo.

Coronildes embraveceu e olhou-o de revesgueio, braba que nem uma coatiara.

“Esse não joga mais”, murmurou dirigindo seu olhar certeiro com o olho esquerdo semicerrado para o futebolista. Um olhar destruidor.

Conta-se que Astrobaldo, depois da negativa do autógrafo, nunca mais jogou bem. Nem sequer conseguia dar um drible, sua especialidade. Acabara-se.