QUARENTA ROSAS VERMELHAS

Terça-feira - 8 dias para a data

Faço de conta que não é comigo. Simplesmente venho evitando pensar que daqui a oito dias entro na casa dos "enta". É irremediável, eu sei. Mas como não tenho o poder de fazer o tempo retroceder, ignoro o assunto. Ah, como eu queria gritar "Mandrake"! Pronto. O tempo parou. Quero ficar com 39 anos para sempre. Estou escondendo de todos que meu aniversário está próximo. Da minha família não tem jeito, mas no meu trabalho, se ninguém abrir a boca, a data infeliz vai passar em brancas nuvens. Assim espero. Meus colegas adoram fazer grandes comemorações. Balões, serpentina, comes e bebes, tudo em pleno horário de trabalho. Tem gente que gosta. Mas eu, só de pensar, entro em pânico.

Quinta-feira - 6 dias para a data

Algum colega infeliz do RH deu com a língua nos dentes e todos já sabem que meu aniversário está perto. Meu mundo caiu. Pior ainda foi escutar da estagiária de vinte aninhos que eu ainda dou pro gasto. Oi? "Ainda" dou pro gasto? Quer dizer que minha árdua rotina de dietas, academia e salão de beleza só serviu para isto? Estou perdida. Minha idade me consome. Por favor, Fada Sininho! Apareça com sua varinha mágica e faça que o tempo pare! Fada, cadê você? Apareça, sua desgraçada!

Sábado - 4 dias para a data

Fui almoçar na casa da minha mãe. Para meu desgosto, ganhei meu primeiro - tomara que seja o último - presente dos "enta" (me recuso a escrever a palavra inteira): uma calça de estilo, digamos, mais para senhoras. Segurei um princípio de surto psicótico. O pior de tudo foi ouvir do meu namorado que a calça ficou bem em mim. Joguei-a na primeira lata de lixo que encontrei pela frente, sob os protestos do meu querido. Inacreditavelmente, ele a resgatou e declarou, em alto e bom som, que daria a dita de presente para minha sogra de 75 anos. Bem, que ela faça bom proveito. Vou continuar usando minhas calças coladinhas, a despeito da celulite que chegou e se instalou nas minhas coxas, sem ser convidada.

Segunda-Feira - Véspera da data

É hora de dormir e tive um dia do cão. Mas eu só preciso que a terça-feira passe correndo e pronto. Guardo minha depressão para quando estiver próximo dos cinquenta. Nas últimas horas, fiquei imaginando alguma maneira de congelar o tempo, de inventar algo, doença, fratura, qualquer coisa para não ter que por a cara na rua amanhã. Porém, meu chefe infeliz inventou uma reunião inútil às dez horas e eu não posso faltar. Se eu morasse na Califórnia, haveria uma boa possibilidade de o famoso Big One acontecer bem no dia do meu aniversário. Assim tudo acabava de uma vez. Simples.

Eu não quero fazer 40 anos! Alguém me socorra! Pare tempo, pare!

Terça-Feira - A DATA

Acordei-me estranhamente bem. Não me sinto entrando nos "enta". Estranho isto. Este dia parece igual a quando completei 25 anos e me sentia, então, na plenitude da minha vida. Abri a janela. Dia ensolarado, perfeito. Os sons do verão entraram na minha casa e respirei fundo. Nossa, estou feliz. Nunca me senti tão jovem. O tempo voltou para trás, como eu implorei a todos os santos. Dane-se a reunião e a minha posição na empresa. Vou me vestir de acordo com a minha idade.

Coloquei um vestido mais informal, prendi os cabelos em um rabo de cavalo e saí alegre, leve demais, dentro dos meus 25 aninhos. Cheguei na empresa com o espírito diferente e percebi que todos me olhavam esquisito. Mas o que eu poderia dizer a eles? Que meu tempo parou? E não só parou, como retrocedeu? Não havia explicação a dar e eu não estava disposta a encontrar alguma. Meu almoço foi com um bando de estagiários no Mc Donalds, onde quem mais se divertiu fui eu. Algo lá no fundo da minha consciência me alertava da possibilidade de eu estar sendo ridícula. Ignorei o alerta.

Tudo estava indo bem. Consegui resistir a todos os telefonemas de congratulações, torpedos e qualquer coisa do tipo. Isto até receber 40 rosas vermelhas do meu namorado... Quis excomungar o desgraçado. Meus colegas pararam, emocionados, para me assistir recebendo o belíssimo arranjo de flores que meu querido havia mandado para mim. Lentamente, comecei a cair na real. E foi aí que a bagunça começou. Do nada, foi desfraldada uma enorme faixa de ponta a ponta da sala, que exaltava meu aniversário e a nova idade. Uma colega apareceu com um apetitoso bolo de chocolate e os estagiários - aqueles mesmos cujo almoço eu patrocinei – jogaram em cima de mim confetes e serpentina. Aos brados.

Escutei cinco vezes o "parabéns a você" e ninguém mais trabalhou naquela tarde. Apareceram com uma garrafa de champanha e eu achei que beber poderia me levar de volta aos 25. No final, fui levada para casa, bêbada demais que estava para poder dirigir.

Quando minha família e meu namorado chegaram para comemorar (?) a data, um pouco mais tarde, encontraram-me ainda atirada no sofá, rindo feito uma histérica. A terça-feira estava chegando ao fim e eu sobrevivi a ela, o melhor de tudo. O fato é que tomei uma decisão importante. Para o meu bem e daqueles que me rodeiam, deletei meu aniversário do calendário e da mente. Já que eu não tenho condições de lidar com isto, por que se estressar? A vida é muito curta... Aliás, não tenho mesmo motivos de preocupação com isto.

Eu só tenho 25 anos.

Obs: Este conto é uma ficção. Eu faço 40 anos em outubro e não vejo a hora de chegar meu aniversário.

Patrícia da Fonseca
Enviado por Patrícia da Fonseca em 29/09/2010
Reeditado em 29/09/2010
Código do texto: T2527609