Negro olhar

Sentia que ele me olhava, de uma forma estranha e que fazia meu rosto aquecer. Acho que estava vermelha. Espero que ele não tenha percebido.

Aquele sorriso gentil que sempre usava quando estava comigo. Eu não sentia meu coração acelerar, mas em algum lugar eu sentia um friozinho gostoso. Sabia que ele estava me galanteando, sabia que havia algum interesse naqueles olhos. Mas eu não o amava.

Me atentava ao afazer, desvencilhar a atenção poderia me render uma queimadura. Ele se instalou ali ao lado recostado na parede, me olhando; eu não conseguia erguer os olhos, minha timidez me impedia. Percebi sua mão se erguer e arrumar aquela mecha teimosa do meu cabelo atrás da orelha, senti-me inundar num rubor intenso. Por que ele tinha que fazer aquilo? Por que eu não me atrevia a olhá-lo? Não é amor, eu sei que não é, mas por que me sinto assim?

Todos os outros já comiam na sala, menos eu que terminava a última rodada de salgados, sentia uma tremenda fome e parece que estava bem aparente, pois ele havia erguido um pedaço de seu pastel para próximo de mim, oferecendo-me. Aceitei sem saber ao certo o que fazer.

Ele sorriu, pude sentir. Encostou novamente na parede e enfiou a mão livre no bolso, permanecia me olhando. Os outros estavam no outro cômodo, se divertindo com algum tipo de comédia adolescente.

Bella adentrou a cozinha, olhou para mim com um olhar curioso e indagador, eu pedi socorro com meus olhos, mas sabia que ela não iria me salvar, deu um sorriso largo e voltou a nos deixar sozinhos. Ele me disse algo, mas eu não ouvi, apenas tremi.

Desliguei o fogo, ajeitei o possível ali ao redor. Ele falava algo engraçado que me fez sorrir, eu ainda era incapaz de olhá-lo, no entanto ele tomou meu queixo em sua mão e me fez erguer o olhar, encontrei seus negros olhos que cintilavam. Ele ajeitou meu cabelo mais uma vez, mesmo estando no lugar ainda. Sussurrou algo, mas não ouvi, parecia haver uma festa em meu estômago, segurei-me na pia por impulso. Isto pareceu engraçado a ele porque sorriu mais uma vez, um sorriso bonito, de fino tracejar. Senti meu rosto queimar quando percebi que olhava seus lábios, era ainda mais constrangedor que olhar seus olhos.

Ele deixou de sorrir, acho que não gostou que eu o olhasse assim, baixei os olhos, porém ele tornou a erguer meu queixo. Sei que era mais alto que eu, mas não percebi quando nossos rostos ficaram próximos, era capaz de sentir sua respiração quente em mim.

Abri a boca para dizer algo, como 'acho que me esqueci de desligar o gás'; palavra alguma saiu. Fechei meus olhos, foi uma reação natural. Senti seus lábios tocarem os meus, macios e delicados. Sua mão trançou entre meus cabelos, suave, puxando-me contra ele, forçando minha boca na sua e a envolvendo num beijo meigo, carinhoso. Não sabia ao certo o que fazer, apenas o deixava me levar; seguia seus movimentos leves e afetuosos, seus lábios deslizando sobre os meus, pressionando sutilmente. Sua mão apertando minha nuca de leve enquanto abraçava minha cintura com a outra. Eu me descompassei, perdi minha normal respiração, sentia meus lábios sendo sugados e meu corpo se enternecer. Meu coração palpitou fora do ritmo quando senti sua língua tocar a minha. Eu não mandava mais em mim.

Todavia, tudo foi interrompido com uma grande gargalhada, me assustei, senti ele se afastar e olhar ao redor, não era ninguém, não ali conosco, vinha da sala e pra lá eu corri de imediato, evitando o resto da noite olhar o dono daqueles olhos negros.

Viajante Ls
Enviado por Viajante Ls em 29/09/2010
Reeditado em 18/02/2014
Código do texto: T2528723
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