O VIZINHO BONITÃO (1 DE 2)

 Despeja o doce de leite na panela, mistura com as três gemas e espera aparecer o fundo. Depois…

José Mário levantou o volume da TV para poder escutar o jogo de futebol. Bia ficou mais uns cinco minutos passando a receita do doce até finalmente desligar. Foi então que ele fez seu manifesto:

- Gosto de ver o seu empenho em ficar passando receita de sobremesa para a vizinhança inteira. Por que você não aproveita sua disposição e faz este doce para mim?

- Já disse que enquanto não perder aqueles dois quilos extraordinários que ganhei no Natal, não quero ver doce dentro desta casa. Na verdade estou passando a receita do pavê de doce de leite para a dona Carminha. Um sobrinho dela que mora no interior parece que vai passar uns dias por aqui.

 Qual deles?

 Ela não me disse, mas deve ser aquele que recém fez doze anos.

O estresse aconteceu na hora que os dois chegavam do supermercado, na porta de entrada do prédio.

- Pega a chave, Bia.

- Pegue você. Ela não está comigo.

Ele apalpou os bolsos, em uma busca inútil.

- Onde você pôs a chave, José Mário?

- Não sei, deve estar com você.

- Zé, eu estou sem chave nenhuma.

Irritado, José Mário largou as compras no chão, com grande estardalhaço.

- Se não está comigo e não está com você, acho que isto significa que perdemos a chave e que vamos dormir na rua. Que tal?

- Não seja ridículo, Zé. Não se porte como um…

Uma voz forte interrompeu o princípio de discussão:

- Boa noite. Eu posso abrir a porta para vocês.

O casal olhou para trás e se deparou com um rapaz alto, forte, estilo surfista e com um sorriso encantador, pelo menos para o gosto da Bia. Imediatamente ela chegou mais para o lado, dando passagem para o moço. Miando, disse:

- Ah… muuiito obrigadaaa.

José Mário chegou a fechar os olhos, não querendo acreditar que sua esposa estivesse se comportando como uma adolescente. E pedindo licença, o rapaz abriu a porta e ainda a segurou para que ambos passassem segurando suas sacolas cheias de compras.

Formal, José Mário agradeceu:

- Muito obrigado pela sua gentileza.

- Imagine, vizinhos servem para se ajudarem.

Ouriçada, Bia perguntou:

- Humm… você é novo morador do condomínio?

- Não exatamente – respondeu ele – Sou o Juba, a Carminha é minha tia. Estou passando uns dias com ela. Você quer que eu leve alguma das suas sacolas?

“Que homem gentil”, pensou Bia, que respondeu na mesma hora:

- Claro, fico muito agradecida.

- Não, não precisa, parceiro. Se estiver pesada, Maria Beatriz, eu levo para você – e José Mário dirigiu um olhar cortante para Bia, que não se intimidou com a fúria do marido.

Os três entraram no prédio e se postaram a frente do elevador. Procurando desesperadamente um assunto com Juba, Bia perguntou, para irritação do José Mário.

- E então? Sua tia já preparou o pavê de doce de leite? Fui eu quem passou a receita para ela.

- Não, na verdade ainda não – respondeu Juba, constrangido, sentindo o olhar penetrante de José Mário – Mas eu vou cobrar dela.

- Bom, se ela estiver cansada, eu mesma posso preparar.

O elevador chegou. Bia fez menção que iria entrar, mas foi segura por José Mário. Sério, ele disse:

- Vá você, Juba. Estamos com tantas sacolas que iremos ficar bem apertados aí dentro.

- Se vocês não se importarem…

Juba entrou logo no elevador e subiu. Bia encarou o marido e comentou:

- Você foi simplesmente ri-dí-cu-lo.

- Ah, eu fui o ridículo da história? Você solta todas suas penas para o rapaz e eu…

- Olha como você fala comigo, José Mário. Fui apenas gentil com o menino.

- Bom, se gentileza trocou de nome…

O casal ficou mudo até chegar no apartamento. Desta vez, Bia conseguiu encontrar a chave em um cantinho discreto da bolsa e abriu a porta, ignorando a expressão de triunfo de José Mário.

Eles estavam guardando as compras quando Zé falou, de repente:

- Quer saber? Ele é gay.

Bia olhou para José Mário, sem entender.

- Quem é gay?

- O sobrinho da dona Carminha.

- Seu ciúme ainda vai lhe matar. Só porque o cara é bonito, alto, forte, bronzeado, barriga tanquinho – enfim, estas coisas que você nunca vai chegar a ser algum dia, meu amor – não significa que ele é gay.

- Eu sou espada.

- E esta barriguinha?

- O que tem minha barriga?

- Nada. Não tem nada – respondeu ela, com cara de deboche – Bom, dá licença que eu vou tomar meu banho.

Quando Bia já estava de chuveiro ligado, José Mário chegou junto à porta do banheiro e berrou:

 Fique você sabendo que prefiro muito mais a minha barriga de cerveja! Porque isto aqui  e ele apontou para o abdômen – é coisa de macho! Eu sou espada!

Obs: Leia o próximo e último capítulo