O ANIVERSARIANTE
Odir, de passagem

                           Foi trombudo para o escritório. Era dia de seu aniversário e a esposa sequer o abraçara, nem à data fizera a mínima alusão. As crianças já tinham sido levadas para o colégio. Perguntou por algum bilhete por elas deixado. Nada. Haviam dele se esquecido!
                         À saída ainda olhara, esperançoso, para debaixo da cama, a ver se lembrado fôra num par de sapatos ou chinelos novos – uma prova de afeto afeito à nova data. Nada de nada. Ao se sentar no ônibus, pôs-se a matutar sobre a vida vivida - os vinte e dois anos dedicados, quase que exclusivamente, à esposa e aos três filhos. E para quê? Para ser, unicamente o servo da casa, o feitor de tudo para todos! Revoltado com a vida, rabiscou, em um bloco com o timbre da empresa, um soneto:

ESQUECIMENTOS

Eu me doei demais ao que me dei,
fui serviçal do amor e seu escravo.
Eu me dei tanto e tanto me doei
que me distei de ousar qualquer conchavo!

Cuidei de tudo em tudo o quanto sei.
Consumi-me, centavo por centavo.
Gastei-me, desgastei-me e só provei
da minha vida o triste desse travo!

A minha crença em que o amor existe,
aos poucos vai ficando sem sentido,
faz-se frágil, ao tempo não resiste!

Aniversário meu! Não ter nascido
melhor seria do que me ver triste,
em meu natal de todos esquecido!

                                No escritório se sentira constrangido. Os amigos se distanciaram do carinho afetuoso. Alguns até lhe viraram a cara quando os olhara de frente à espera de um agrado, qualquer que fosse. E o dia foi todo assim, de indiferença, de ausências e de poucas falas, até ao final do expediente, quando, a sós consigo e com seu silêncio, volveu ao verso:

FINITUDE

Abri todas as portas de meu peito.
Abri janelas no meu coração.
Modifiquei do amor todo o conceito.
Silenciei do beijo a sensação.

D’outros caminhos nunca fiz proveito.
Fui somente carinho e doação
Esperei esperanças.Foi sem jeito.
Sequer o sonho me estendeu a mão.

Plantei o verde que não verdejou.
Fiz um jardim. Nenhuma flor nasceu.
Portas, janelas, tudo se fechou!

Meu hoje no passado se perdeu.
Prendeu-me o tempo a tudo o que restou:
o silêncio, a saudade, o nada e eu!

                                   Voltou para casa mais tristonho ainda, cansado das filas, dos solavancos do coletivo, do desprezo daqueles que faziam parte do seu mundo. Ao abrir a porta, pronto para o desabafo e a desforra, a vida explodiu em foguetórios, em bolas coloridas, em risos e abraços, e no canto festivo dos “Parabéns pra você”, entoados pela esposa, pelos filhos e pelos amigos que julgara distantes. Todos sorriam felicidade. Somente ele chorava alegria.

JPessoa, 29.01;2011
oklima
Enviado por oklima em 29/01/2011
Reeditado em 30/01/2011
Código do texto: T2760267
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