Amigo Oculto

Amigo Oculto

E para o meio da roda eu fui. Pensando o que iria dizer para que todos acertassem quem era meu amigo oculto. Que na verdade não era tão amigo assim, e muito menos oculto. Desde que inventaram essa democratização de presentes pouco resta para saber quem tirou quem quando o sorteio dos nomes se dá dentro da sua própria empresa. A coisa toda vai por água abaixo se existirem um ou dois curiosos e algumas fofoqueiras. Combinação mortal. “tudo bem, tudo bem! eu vou falar hein.... preparem-se” estava prestes a constranger todo mundo e ao mesmo tempo sentia um misto inquietante de satisfação e arrependimento prévio, como só podemos nos arrepender do que já fizemos deixei a satisfação andar solta.

“Bem meu amigo oculto é uma pessoa, aliás, é a única pessoa que faz jus ao adjetivo hipocrisia.” não sei se contagiados por um tal de espírito natalino meus companheiros e companheiras riram e fizeram aquela pausa característica de quem dirigiu atenção, o centro era eu, lógico, das atenções. “Todos sabemos que ele é uma pessoa maravilhosa... mente. Mentirinha. Sempre nos pega peças com suas brincadeirinhas ‘divertidas’” vocês precisavam estar lá para ver como soou irônica essa frase. “Mas no fim das contas sempre quem se ferra? Todos sabemos a resposta. Todos sempre se ferram por causa dele. Ele é o nosso se fode aí malandro de cada dia.” A essa altura todos sabiam quem era meu amigo oculto, mas por uma duvida cruel se recusavam a falar.

Lógico que eu não podia falar, pelas regras do amigo oculto da empresa aquele que daria o presente não poderia em hipótese alguma falar quem tirou até que alguém ou o grupo acertasse. Bem naquele momento todos estavam mais constrangidos que outra coisa. Então continuei. “Meu amigo oculto é aquele a quem devemos nossos finais de semanas abarrotados de deveres. Ele também é responsável pelo corte de mais de dez dos nosso queridos e antigos amigos em prol de uma modernização do setor.” Como eu me divertia com aquilo. Já que era um evento extra empresarial eu não poderia ser chamado atenção ou até demitido por nosso chefe, que iria comer meu couro a parti dali. Mas era necessário, muito necessário falar aquilo.

“E ae quem é? Já descobriram?” Com um senso muito bom de liderança, que realmente tinha, Otávio, nosso chefe, se voluntariou para terminar a chata situação em que meti todas as pessoas “_ sou eu” disse ele, mas não sem antes avaliar todas as expressões que estavam presentes naquela roda. O que constatou, no que era muito bom também, foi que excetuando-se o estagiário que chegara há menos de dois meses, todas as outras pessoas estavam pelo menos em parte concordantes, de fato. O que não tinha pensado no momento foi que todos iriam se chatear profundamente comigo. Pensei que pudesse ser o trampolim para nos unirmos em prol de uma melhora no setor, mas...

“Aha! Esse é o Otávio, sempre na liderança. É você mesmo meu chapa, vem cá e dá um abraço” Meio constrangido veio ele para o meio da roda recebeu meu presente e me deu um tapinha das costas meio de lado assim como quem não quer contato, eu por minha vez tomei a iniciativa e dei um bom e forte abraço nele. Alguns ficaram ainda mais sem graça, outros tentaram rir, outros conseguiram. E logo voltei para o meu lugar.

Como é uma tradição de natal comermos rabanada, também é uma tradição da empresa, sempre que pego um presente e dou o meu, saio da roda e vou pra um canto da sala assistir de longe o resto daquilo. Sempre detestei o amigo oculto, mas as outras pessoas sempre fazem questão de me encher o saco desde Outubro para que eu participe. Sempre acabo cedendo, afinal sou um ser humano com paciência limitada né? Mas, sempre me esforço ao máximo para ser do contra na hora da “brincadeira”.

Terminada a coisa toda as pessoas vão se distanciando, se espalhando, remontando os antigos grupinhos.Carla e Roberto vieram para a nossa mesa e sentando-se não deram trégua “porra você ta maluco? porque foi falar aquilo?” lógico que eles ficariam chateados com a minha desenvoltura, que por sinal foi perfeita. Se alguém quer deixar todo mundo constrangido, e consegue, acho que foi sucedido em sua empreitada. Eu fui. Vocês precisavam estar lá para ver. “Cadê seu mínimo espírito natalino?”

“Aquele qual eu nunca tive?” notei disfarçadamente no rosto dos dois aquele sinal de cansaço. Um desgaste emocional. Estava na hora.

“Amigo oculto é uma grande palhaçada.” Disse enfático.

“Ah! Sim e porque?” Carla sempre interrogativa, nesse momento Roberto se virou porque sabia o que vinha.

“Porque é uma democratização babaca do ganho de presentes”

“Ahn?!” Carla não muito integrada no meu modo de pensar, pergunto o que era aquilo.

“Carla veja bem, quem daria um presente espontâneo para o Otávio?”

“Hmm, pensava Carla, acho que ninguém.”

“Então é isso que eu to falando, o amigo oculto serve apenas para dar aqueles pobre infelizes um presente que de outra maneira nunca receberiam.”

Carla ficou exaltada “Ah! Pára né, você leva tudo para esse lado... O amigo oculto é uma brincadeira divertida ué, custa participar?”

“E você acha que é assim por quê? Se alguém chega e te diz para dar um presente pro mala do Otávio você daria? Não. Só um amigo oculto mesmo para fazer você dar isso, e sim, tem que parecer divertido, mas no fundo não é. No fundo é um fingimento só, em prol de uma diversão fingida.”

“Como se você não fingisse nunca né!?”

“Tento o menos possível, é o que me cabe.” Nesse momento eu vi o Otávio vindo em direção à nossa mesa e percebi que realmente tinha ido longe demais, em incontáveis anos de amigos ocultos ele nunca tinha vindo até a minha mesa, seja lá com quem eu tivesse. Quando Roberto percebeu ficou meio ressabiado e ainda bem que Carla dava às costas para o caminho que ele percorria, senão ficaria maluca.

Puxou uma cadeira assim que chegou chamando atenção de Carla que no menor tempo possível conseguiu ficar mais branca que uma geladeira nova. Otávio, eu, Carla e Roberto na mesa, isso tinha atraído olhares de todos os cantos da festa e um sussurro correu longe.

Otávio começou a conversa. “Então, aquilo que você falou foi só para me atingir ou é o que você realmente pensa?” o que, por sinal, causou imediatamente um desconforto na mesa, por parte dos outros dois, pois eu estava tranqüilo.

“Olha Otávio eu te respeito como o profissional que é, há muito tempo, mesmo, de verdade, mas... não consigo concordar com suas políticas de ação.”

“Você tem toda razão. Minhas políticas, são políticas e não posso julgá-las boas ou ruins para ninguém mais do que pra a empresa. E por isso acabo fazendo o que faço. Ou eu sou um bom chefe ou um chefe bom. Infelizmente para sustentar minha família eu preciso antes de tudo ser um bom chefe, que na maioria das vezes não coincide com o papel do chefe bom. Mas se você tiver algum problema direto com isso, creio que não teve, ainda, mas poderá ir direto à minha sala e falar comigo, estarei sempre de portas abertas”

“Otávio, quero lhe dizer que o que eu disse no amigo oculto não é um julgamento, mas um fato. São coisas que acontecem. Tudo bem que fui irônico, mas não havia outro jeito de dizer o que disse.”

“Cada um no seu direito de se expressar. Vocês tenham um feliz natal”. Saiu, então, da mesa e voltou para sua família, que tirando um puxa saco ou outro era tudo o que lhe circundava nesse dia, como em todos os outros.

“Que ele leia o livro que comprei para ele.” falei na mesa.

“Que livro que você comprou para ele?” Roberto com sua característica curiosidade. Vi que Carla se adiantou em pressagiar que não tinha sido um livro dos mais amigáveis que lhe havia dado.

Respondi com toda a segurança de quem escolheu o exemplar certo para a pessoa certa.

“Cem anos de solidão”

leandroDiniz
Enviado por leandroDiniz em 21/12/2006
Reeditado em 21/12/2006
Código do texto: T324237
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