Ela
A vida, desde cedo, mostrou-lhe que era preciso entender.
Assim, num dia amanhecido de olhar pra ela, decidiu abrir picadas, pôs-se a construir pontes e semeou, e colheu e replantou, às vezes, sob fortes temporais, outras sob o sol resplandescente.
Apesar do empenho, o mundo sempre pareceu algo obscuro.
A realidade pintava, ali e acolá, melancólicos tons sobre as paredes do seu quarto nas madrugadas. Aquela lamparina de luz indireta sempre acesa à cabeceira denunciava um temor inexplicável.
Seu estranhamento pelas coisas do mundo começou na juventude. Melhor, já na infância, quando não sabia o que fazer com os enganos e julgamentos.
Depois, foi à vida auxiliar-se dos mais velhos, a fim de encontrar as suas soluções. E conheceu os poetas, os músicos, os pintores e escultores do cotidiano. Todos eles disseram-lhe algo valioso, absolutamente todos tocaram-lhe o coração. Todavia, por mais lírico que o seu espírito retornasse, as calçadas das ruas desertas ainda sorriam-lhe perigosas.
Era um não-saber-o-que-fazer consigo mesma, enquanto via as suas pontes se elevando, os seus frutos madurando e as suas flores colorindo.
Quando o futuro chegou, exatamente ao mesmo tempo em que ela percebia que o presente e o futuro são reflexos do mesmo espelho, ele tornou-se presente .E o presente virou passado dentro do mesmo espaço vital que era a sua própria alma. Um milagre!
O que mudou? As nuvens cederam espaço , finalmente, ao azul.
A grande mudança foi tecida no entremeio de outras menores: conheceu a aceitação. E a vida, então, tornou-se um espetáculo a ser protagonizado por trás das vidraças de umas janelas que ela mesma havia construído.