Um eco na noite e a lua por testemunha

Nas horas em que todas as pessoas escondem-se em suas casas e ficam nas ruas apenas quem gosta ou precisa enfrentar o perigo das noites e mais ainda quem não tem para onde ir, é que de nada adiantam as luzes dos postes. A lua é testemunha ocular e incorruptível de muitos crimes.

Numa dessas noites em que a lua brilhava, cheia e sozinha, fazendo companhia apenas à fria neblina noturna que anuncia um dia quente e às crianças de rua, um garoto andava descalço, de shorts, sem camisa e com um fino cobertor para proteger-lhe do frio. Chega próximo a um jardim e para um pouco pensativo. Olha para os lados e para o céu. Enfim, deita-se sob o luar, junto a uma árvore e adormece.

Começa então a ter sonhos. Sonha ser um jogador de futebol, um craque que marca o gol que dá o título de Campeão Brasileiro de Futebol ao Corínthians no último minuto de jogo. Sonha ser um homem muito rico, mas não como esses que desprezam e contribuem para piorar a situação de pessoas pobres e miseráveis como ele. Sonha ser um magnata bondoso que ajudaria a melhorar a vida de todas as crianças carentes. Sonhava até mesmo em ser o Presidente da República.

Porém, de repente, um chute violento nas costelas o priva de fazer aquilo que ainda é possível: sonhar. Ele acorda e solta um grito de dor, arregala os olhos e depara-se com um rosto sinistro, um riso macabro e um olhar assassino. E ainda com a luz da lua a realçar todo o pavor que sentia, tenta correr. Mas um tiro o acerta nas costas. Ele solta um grito que ecoa por todo o local, mas ninguém vem em seu socorro. Temem o eco na noite.

O assassino chega perto mais uma vez, aponta a arma para a cabeça do menino desprotegido e não sente dó do seu olhar marejado pela dor do tiro. Num instante passam pela mente do garoto todos os momentos de sua vida e ele vê seus sonhos terminarem por ali. Ainda tenta pedir clemência, pedir que aquele homem diante dele o deixasse viver sua sobrevida e tentar realizar seus sonhos. O assassino, no entanto, frio e calculista, encoberto pela neblina, dispara mais uma vez. Agora espatifa o crânio do menino com um tiro à queima roupa de uma espingarda calibre 12. E apenas a lua por testemunha. No dia seguinte, as pessoas que, no seu cotidiano vai-e-vem, rodeavam o corpo envolto numa poça de sangue, cobriram-no com jornais.

A polícia veio e levou o cadáver ao IML. O caso saiu em todos os jornais e no dia do enterro, embora fosse indigente, muitas pessoas acompanhavam o caixão sendo levados por policiais militares. A multidão exibia faixas de protesto e revolta, pedindo mais segurança, mais paz e amor, menos ganância e menos violência.

E o pior é que a lua sabia que o assassino poderia estar entre a multidão, e quem sabe, até mesmo entre os carregadores do caixão.

Cícero Carlos Lopes – 22-07-93

Cícero Carlos Lopes
Enviado por Cícero Carlos Lopes em 02/01/2012
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