U.J.M. - Um caso de amor

U.J.M. Um caso de amor

Demorei a ficar moça. Retardei o máximo que pude a chamada fase da adolescência. Enquanto a minha irmã, aos 13 anos já usava sutiã, recheado de algodão, e se pintava toda de batom (nos lábios e na face, substituindo o rouge), eu ainda corria descalça pela rua onde morava, jogava bola com a molecada e brincava de chicotinho-tá-queimando.

Só aos 15 anos, me compenetrei de que já não era mais criança. Fui convidada pelo Padre Juca, o diretor do meu colégio e professor de Filosofia, a participar, com outros quatro amigos, do Encontro de Jovens que iria acontecer no CTL (Centro de Treinamento de Líderes), da Igreja Católica, na cidade de Rui Barbosa. Não fazia idéia do que aconteceria por lá, mas como sempre fui curiosa e exercia uma certa liderança, aceitei o convite. E lá fomos nós, Dema, Zé Duque, Bila e eu.

Que experiência inesquecível! Tão boa que a repeti várias vezes. Jovens de cidades diferentes, todos da mesma Diocese, cada um trazendo as suas experiências, vivências. Passávamos os três dias compartilhando momentos de estudos bíblicos, depoimentos, Missas, brincadeiras e saboreando os quitutes oferecidos nos lanches e nas refeições.

Foi nesses encontros que eu comecei a ler a Bíblia Sagrada. Foi ali que passei a compreender a importância da fé em nossa vida e do nosso papel de irmãos, no mundo. Já freqüentava a igreja antes, havia feito a primeira Comunhão, mas não tinha amadurecido ainda e ia porque a minha mãe mandava e porque via as outras crianças irem.

Pois bem, ao retornarmos de Rui Barbosa, cheios de alegria e de esperança, achando que podíamos mudar o mundo, fundamos em Morro do Chapéu, o grupo de jovens. Fomos às salas de aula do Colégio e fizemos o convite para uma reunião, na qual fundaríamos um grupo, dentro dos fundamentos do catolicismo, com vistas a promover retiros, estudos e eventos para arrecadar dinheiro e assim, minimizar um pouco os problemas de nosso povo, das pessoas mais carentes. Esse era realmente o nosso propósito!

Lembro-me bem da nossa primeira reunião. Só compareceram treze jovens, dentre os quais estávamos incluídos. Mas os que vieram, chegaram com tanta garra, tanta disposição, comungando com as nossas idéias e assim nasceu o grupo UJM - União Jovem Morrense.

Passamos a viver em função dessa associação. Inicialmente, aconteciam duas reuniões semanais. Começávamos com uma oração, um canto, líamos mensagens e fazíamos reflexões e discutíamos as ações, Finalizávamos sempre cantando ao som do violão e fazendo brincadeiras sadias. Aos poucos o número de componentes ia aumentando e ao que me lembro, chegamos aos total de quarenta e três, numa certa época.

Promovemos a primeira festa de micareta em Morro do Chapéu, com concurso de raínha, desfiles pelas ruas da cidade, blocos carnavalescos e bailes na Minerva. Trouxemos o primeiro trio elétrico. Fizemos o primeiro festival de música popular. Armávamos barraquinhas, nas festas tradicionais de São Benedito, Espírito Santo e Nossa Senhora da Graça; montamos e apresentamos peças de teatro, promovemos “feiras Chic”, e claro, freqüentávamos a igreja regularmente. Nem todos... Aos poucos o número de adolescentes foi aumentando e já éramos referência na cidade.

Certa feita, chega a Morro do Chapéu o circo de Marú e Marilda. Ah, esse circo era um dos melhores que já se haviam apresentado aqui. Números de dança, dublagem, trapézio, mágicas, palhaços e no final, peças dramáticas que nos levavam às lágrimas, nos deixavam maravilhados. A recepção dos morrenses a esse circo era tão boa, que por várias vezes ele retornou.

Estávamos precisando de dinheiro para por em prática as nossas ações de caridade. O inverno estava se aproximando, era preciso adquirir cobertores e roupas para distribuir com os menos favorecidos. Naquela época, como a cidade era pequena, todo mundo conhecia todo mundo, ou quase... Sabíamos exatamente aonde e a quem nos dirigirmos para entregar o que conseguíamos arrecadar. Tivemos, então, a brilhante idéia: apresentar um espetáculo no circo! Não deixamos a idéia esfriar e corremos a propor a Marú uma noite exclusiva, somente com artistas morrenses. Ele cederia o espaço e nós cuidaríamos de tudo: divulgação, venda de ingressos e do show propriamente dito. Em troca, a renda seria dividida. Proposta aceita!

Como presidente do grupo U.J.M (por três anos consecutivos, de forma democrática), convoquei os membros e juntos fizemos a programação. Pedimos ao Padre Juca o seu autofalante (da igreja) emprestado, instalamos num carro e saímos pelas ruas fazendo a divulgação. Foi um alvoroço! Não sei se por curiosidade, por reconhecer o nosso talento ou se para nos ajudar com a arrecadação, naquela noite, o circo ficou lotado, como nunca antes esteve. E fizemos de tudo: dublagem do grupo Secos&Molhados (no auge da fama), e da Vanderléa; outros grupos cantaram; uns contavam piadas, outros dançavam e no final, não podia faltar a peça melodramática, que por sinal, era da minha autoria e eu, claro, era a artista principal. Reencontro. Esse era o título da peça na qual eu interpretava uma mulher que fora levada à loucura porque alguém havia arrancado dos seus braços, a sua filha, ainda pequena.

Ah, foi um chororê... As mãe choravam porque, na certa, se imaginavam no lugar daquela sofredora; as crianças choravam com medo daquela doida, de cabelos desgrenhados, horrorosa, gritando, gemendo... Ao final, fomos aplaudidos de pé! Que sensação gostosa... Mas, o melhor mesmo, foi quando contamos o dinheiro e tivemos a certeza de que, no dia seguinte, estaríamos comprando e distribuindo os objetos que amenizariam o sofrimento de tantos irmãos.

Foram quatro anos de união, fraternidade, companheirismo e lutas. Muito fizemos, dentro das nossas poucas possibilidades, e sempre que o fizemos, contávamos com o apoio dos nossos pais, do padre, professores, vizinhos e amigos, jamais de qualquer político. Mas, fomos crescendo, foram surgindo novos interesses, a cidade também começou a crescer e o nosso sonho acabou de acabar quando foi eleito um prefeito que sem o menor respeito e consideração à nossa causa, nos tirou o direito de promover, a partir daquele ano, a tão esperada festa de micareta, que era de onde tirávamos maior volume de recursos para as nossas ações sociais.

Pouco a pouco, nos afastamos e de tudo o que fomos, vivemos e fizemos, nos restaram grandes laços de amizade, de respeito e admiração que prevalecem até os dias de hoje. Além disso, as belas recordações de um tempo em que, como adolescentes, nos comportávamos como tais, porém, fazendo coisas que muita gente grande, muito adulto, muito político jamais fez.

O nosso querido Padre Juca, quantas vezes me disse: “Sinto orgulho de vocês!”

E eu muitas vezes lhe disse: - Obrigada, Padre, aquele convite foi o chute inicial para que eu pudesse viver a minha adolescência com objetivos, com perspectivas, com fé. Eu e meus queridos amigos.